REPRESENTAÇÕES DA NATIVA LA MALINCHE EM DOÑA MARINA, LA MALINCHE (1993), DE RICARDO HERREN E LA PRINCESA DE ORO (1963), DE ALEXANDER BARON Leila S. Del Pozo Gonzalez, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Cascavel1 RESUMO: Leenhardt e Pesavento (1998) observam que a literatura, como padrão referencial, tem um papel norteador na fixação de traços e atributos dos povos, construindo “estereótipos e estigmas”, definindo “papéis” e pautando “comportamentos”. O presente artigo pretende analisar a formação estereotípica da mulher indígena no romance La Princesa de oro (1963), de Alexander Baron, procurando estabelecer as analogias, traços e atributos que estereotipam, de uma ou outra forma, o delineamento do perfil da personagem feminina indígena. Para isso nos apoiamos em diversas teorias contemporâneas, além de tomar como base a construção do estereótipo feminino indígena nas Cartas de Relaciones de Hernán Cortés (1520-1529) e La Malinche (1993), de Ricardo Herren. PALAVRAS-CHAVE: La princesa de oro e representações da Mulher indígena; Conquista hispanoamericana; Romance histórico. INTRODUÇÃO Quando Pesavento (1998) discursa sobre a construção da identidade nacional na literatura, aponta que nesta são estabelecidas correspondências e analogias, traços e atributos que particularizam e identificam uma coletividade, fixando estereótipos, definindo papéis e pautando comportamentos. Desse modo, a identidade de uma nação passaria, necessariamente, por sua configuração discursiva, ou seja, por aqueles registros que foram feitos de seu passado. No caso da América, segundo Trouché (2006), foram os primeiros europeus que deixaram registros escritos do processo de estereotipação do Novo Mundo, encarregando-se de construir a imagem e a identidade americana. Isto ocorreu durante o encontro entre “nativos americanos” e “europeus à procura da rota às Índias”. O encontro ocasionou um dos mais significativos choques culturais na história da humanidade. Os choques culturais, segundo Rocha (1998), geram etnocentrismos. Como resultado desse processo, os primeiros escritos estão repletos de amostras de etnocentrismo, já que ao não ter outro referencial para explicar ou mesmo descrever tantas diferenças nas terras recém encontradas, os primeiros europeus utilizaram-se da sua própria cultura, sua visão de mundo, para mensurar e tornar compreensível para seus semelhantes, através da escrita, uma realidade totalmente diversa daquela em que estiveram até então inseridos. Porém, tanto os povos da América quanto os da Europa viram-se dentro de um processo de estereotipação paralelo. No entanto, só ficaram nos anais os registros dos europeus; que partiram do olhar do vencedor, sem deixar espaço para as percepções também dos vencidos. É assim que os europeus, com seus escritos, iniciaram a construção da imagem e da identidade americanas (TROUCHÉ, 2006). Para iniciar a análise das representações da nativa “La Malinche” será necessário começar pelo documento mais significativo, em se tratando de crônicas que registram a conquista do México: as Cartas de Relaciones de Hernán Cortés (1520-1529). Em seguida, será utilizada a obra do escritor inglês Alexander Baron La Princesa de Oro (1963), cujo título original foi The Golden Princess (1954). E, finalmente, a análise estará balizada pela biografia La Malinche (1993) do jornalista e estudioso argentino Ricardo Herren. A PROCURA DE REPRESENTAÇÕES DE LA MALINCHE
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Acadêmica do terceiro ano do curso de Letras Português/Espanhol da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/Cascavel). Participante do Programa de Iniciação Científica Voluntário PICV com a Tradução do texto “Com licença eu vou passar ... Noções para entender as leituras da história pela ficção”, de Gilmei Francisco Fleck., da P.R.P.P.G/Unioeste. Sob a orientação de Gilmei Francisco Fleck - Professor Adjunto da UNIOESTE/Cascavel na Graduação e Pós-graduação em Letras nas áreas de Literatura e Cultura Hispânicas. Doutor em Letras pela UNESP/Assis. Vice-líder do grupo de pesquisa “Confluências da Ficção, História e Memória na Literatura”. Coordenador do PELCA: Programa de Ensino de Literatura e Cultura.
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As Cartas, de Hernán Cortés, a semelhança do Diário de Colombo que serviu para relatar aos Reis Católicos sobre o que se acontecia nos territórios do “Novo Mundo”, destinava-se ao soberano espanhol a fim de dar-lhe notícias das façanhas da conquista e, ao mesmo tempo, como qualquer outro texto, revelam as intenções do seu autor. Deve-se lembrar de que todos os textos produzidos na época tinham como autor um homem do século XVI, sendo, pois, eurocêntrico e falocêntrico. Esses foram os sujeitos que descreveram o “Novo Mundo”, partindo de sua cosmovisão, nos padrões da “retórica do maravilhoso, própria à crônica historiográfica renascentista” (TROUCHÉ, 2006, p. 18). No caso, o conquistador estremenho desejava divulgar o sucesso de suas ações ao mando do grupo que saiu na expedição às terras do continente que, em teoria, estariam sob o cuidado do governador de Cuba, Diego Velazquez. Cortés teria iniciado a empreita sob o mandato de Velazquez, no entanto, desde o início teria confabulado contra o governador, desejando sair da subordinação à qual estaria ligado (HERREN, 1993, p. 19). Porém, a conquista real dos territórios que hoje conhecemos como México ainda não tinha sido concretizada; dessa maneira, as intenções contidas nas Cartas à coroa espanhola teriam sido não só de relatar o sucesso no seu avanço nas terras mexicas, mas, também, de assegurar o seu posto como colonizador chefe. No que tange às descrições dos indígenas feitas por Cortés, nas suas Cartas de Relación registra-se as impressões que lhe teriam causado as novidades encontradas no “Novo Mundo”, as quais descreve assim: La gente de esta tierra que habita desde la isla de Cozumel y punta de Yucatán hasta donde nosotros estamos es una gente de mediana estatura, de cuerpos bien proporcionada, excepto que en cada provincia se diferencian ellos mismos los gestos, unos horadándose las orejas y poniéndose en ellas muy grandes y feas cosas, y otros horadándose las ternillas de las narices hasta la boca, y poniéndose en ellas unas ruedas de piedras muy grandes que parecen espejos; y otros se horadan los bezos de la parte de abajo hasta los dientes, y cuelgan de ellos unas grandes ruedas de piedras ó de oro tan pesadas que traen los bezos caldos y parecen muy diformes. Los vestidos que traen es como de almaizales muy pintados, y ios hombres traen tapadas sus vergüenzas, y encima del cuerpo unas mantas muy delgadas y pintadas á manera de aquizales moriscos, y las mugeres de la gente común traen unas mantas muy pintadas desde ía cintura hasta los pies, y otras que les cubren las tetas, y todo lo demás traen descubierto; las mugeres principales andan vestidas de unas muy delgadas camisas de algodón, muy grandes, labradas y hechas á manera de roquetes. (CORTÉS, 1866, p. 23).
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Y estando algo perplejo en esto, á la lengua que yo tengo, que es una india desta tierra, que hobe en Putunchan, que es el rio grande de que ya en la primera relación á V. M. hice memoria, le dijo otra, natural desta ciudad, como muy cerquita de allí estaba mucha gente de Muteczuma junta, y que los de la ciudad tenían fuera sus mujeres é hijos y toda su ropa, y que hablan de dar sobre nosotros para nos matar á todos; é si ella se queria salvar, que se fuese con ella, que ella la guarecería; la cual lo dijo á aquel Jerónimo de Aguilar, lengua que yo hobe en Yucatán, de que asimismo á Y. A. hobe escrito, y me lo hizo saber; é yo tuve uno de los naturales de la dicha ciudad, que por allí andaba, y le aparté secretamente, que nadie lo vio, y le interrogué, y confirmo con lo que la india y los naturales de Tascaltecal me habían dicho; é así por esto como por las señales que para ello
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Vale ressaltar que essa seria uma das poucas ocasiões em que Cortés faria alguma descrição explícita dos naturais da terra se compararmos as Cartas de Relaciones de Cortés com os textos de Pero Vaz de Caminha e Cristóvão Colombo nas quais se percebem mais descrições detalhadas. Por tanto, acredita-se, então, que nas Cartas de Relaciones não seria mais interessante descrever os nativos para a corte europeia. Cortés faria poucas referências aos autóctones e, inclusive, nem mesmo em se tratando de “sua língua” e ajudante e conselheira, a nativa Malinalli, quem teria sido uma peça chave na conquista de México. Nas Cartas, são pouquíssimas as ocasiones em que se faz alguma referência a ela. A primeira menção faz-se utilizando o vocábulo “lengua”, como pode ser apreciado no seguinte trecho:
había, acordé de prevenir antes de ser prevenido, é hice llamar á algunos de los señores de la ciudad, [...] (CORTÉS, 1866, p. 73- grifo nosso)
Sabemos, por Herren (1993), que a citação acima faria referencia à La Malinche pela nota de pé de página de Pascual de Gayangos na Carta explicando: “Nas notas de Doña Marina de Viluta, según Gomara, fué natural de Xalisco, llevada cautiva á Tabasco, y de familia muy noble” (CORTÉS, 1866, p. 73). Seguindo a leitura das Cartas, o único lugar onde se fez menção ao nome de Malinche, “lengua” do conquistador estremenho, foi somente na sua quinta Carta de Relación, quando Marina já teria, há muito tempo deixado de ser a sua amante e intérprete; e que, segundo Herren (1993), seguindo as ordens de Cortés, teria casado com o fidalgo espanhol Alonso de Strada: E salió el dicho Rodrigo de Paz con toda la gente del dicho gobernador, é los unos é los otros serian bien ochenta de caballo, Jos cuales anduvieron por toda la cibdad buscando al dicho contador é tesorero para los prender con lumbres encendidas, é echaron gentes por los caminos para que los buscasen, é vinieron á catar sus casas, é cómo hallaron en ellas á sus criados é caballos, é á doña Marina, mugcr del dicho tesorero, se certificó questaban en la cibdad, y se aseguraron ya cerca del dia, poniendo guardas por los caminos, é ansí se apaciguó el dicho alboroto. (CORTÉS, 1866, p. 387-grifo nosso)
Esta única menção com o seu nome foi feita ligando-a a um fato escandaloso referente ao seu marido. Herren (1993) expõe que, casar a Marina com um fidalgo espanhol teria sido uma ação estratégica do conquistador estremenho já que, por um lado tratava-se de uma maneira de se desfazer da ex-amante e/ou, por outro, de premiá-la, dando-lhe a honra de desposar um fidalgo. Deve-se lembrar, que nessa época, não seria bem-visto o casamento dos nativos com os europeus. Para os índios alienados pela cultura europeia teria sido uma honra, entanto que para os europeus teria significado um ato de degradação. Assim, Herren deixa aberta essa dupla possibilidade. Segundo o que expressa o biógrafo argentino, Herren (1993), desde início Cortés intencionalmente não teria mencionado a Marina nas Cartas, excluindo-a dos anais históricos e junto o seu trabalho como intelectual de intérprete e conselheira e amante. Segundo ele, sabemos da existência dessa personagem histórica por outros documentos, entre outros, os do cronista Bernal Díaz del Castillo. No entanto, a omissão da referência à presença chave de La Malinche nas crônicas do estremenho seria explicada por Aracil Varón (2009) quando propõe, no seu artigo Hernán Cortés y sus cronistas: la última conquista del héroe, que a linguagem de Cortés nas suas Cartas seguia um padrão muito utilizado na época, que permitiria não só excluir informações que comprometessem a sua imagem de leal vassalo, mas também passagens obscuras e inconvenientes para a história oficial a que entraria o conquistador do México e, talvez também, para não reduzir o seu próprio protagonismo na história.
[…] Subieron a bordo y preguntaron quién era el señor. Aguilar no entendía la lengua, ya que sólo hablaba maya y español y esos indios se expresaban en otro idioma. Pero Marina, la esclava de Alonso Hernández de Portocarrero que iba a
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A ENTRADA DE LA MALINCHE NA HISTÓRIA Nas Cartas de Relación não é mencionado o momento exato da entrada na história de La Malinche. No entanto, voltando ao momento crucial de reconhecimento dos novos territórios a serem conquistados, nas Cartas mostra-se a necessidade daquele momento de conseguir novos “lenguas”, de novos tradutores/intérpretes da língua nativa para o espanhol, já que, segundo o documento, os “lenguas” de que dispunham os conquistadores não sabiam falar as línguas do continente. A continuação ter-se-ia decidido sequestrar dois nativos para convertê-los em intérpretes. Porém, a tentativa não teria sido feliz, pois um teria morrido e o outro teria sido assassinado pelos próprios conterrâneos na primeira oportunidade que tiveram. O aparecimento de Gerônimo de Aguilar (na primeira Carta de Relación), um “lengua” espanhol que teria aprendido a língua dos nativos enquanto estava sob cativeiro, teria ajudado a Cortés a obter melhores negociações. Todavia, quando se depararam com mensageiros de Monteczuma, Aguilar não teria conseguido fazer tradução da língua nova. É nesse momento que, segundo o biógrafo argentino, Marina teria entrado em cena,
bordo, se puso a conversar sueltamente con ellos y tradujo al maya lo que decían para que lo entendiera Aguilar. El clérigo lo vertió a su vez al castellano para el capitán extremeño. […] Este fue el primer contacto entre el futuro conquistador de México y los enviados del tlatoani Moctezuma Xocoyotzin, señor de los aztecas […] Y esta fue también la entrada en la historia de “la sin par Marina”: a partir de ese momento Cortés no iba a poder prescindir de ella como intérprete. Y la india acabaría metiéndose en la vida íntima y en el destino y la gloria del capitán Hernán Cortés. (HERREN, 1993, p. 26-27)
No romance de Baron, La princesa de oro, a cena acima recriada é a seguinte: [...] El otro, sentado muy erguido, vestía una capa verde y amarilla. Él y el intérprete, Juan Aguilar […], se gritaban mutuamente sin comprenderse. Entonces ella dijo a Aguilar, en el idioma de los indios de la costa: -Tú no hablas su lengua. Aprendiste la lengua de la costa. Él habla la lengua del Gran Imperio, el Imperio de Méjico. –Vio que Cortés alzaba la vista, atentos sus ojos al captar la última palabra-. […] Te diré lo que dice este hombre y se lo transmitirás a tu jefe en su lengua. –Y en el idioma del indio gritó-: Los hombres blancos quieren baja a tierra en paz. […] Aguilar transmitió el discurso del indígena al jefe blanco. Marina sintió nacer un nuevo impulso de audacia en su interior y dirigiéndose a Cortés le dijo en el idioma extranjero: -Sí. […]. Tú ir... gente buena... no pelear. [...] Entonces el jefe blanco se volvió a ella y le dijo: -Tú, ven conmigo. Tú conmigo, todos los días. Serás mi lengua. [...] el jefe – el hombre de los ojos que la hacían temblar por dentro – ella iba a ser su lengua. (BARON, 1963, p. 33-34).
Francisco López de Gómara (apud HERREN, 1993) escreveu completando esse episódio que Cortés chamou “aparte a Marina junto a Aguilar, y le prometió más que su libertad si ella conseguía la amistad de los mexicas con él, indicándole que la quería además como su intérprete y secretaria” (GÓMARA apud HERREN, 1993, p. 27). Assim foi como o trabalho de intérprete de La Malinche iniciou-se. Para o autor inglês, Baron (1963), La Malinche teria consciência da importância de dominar a língua dos outros e, talvez, daí partiu a iniciativa comentada acima: […] Estaba aprendiendo muchas palabras, muchas palabras maravillosas. Ahora ya podía de vez en cuando unirlas. Las demás muchachas sólo sabían repetir como loros una o dos palabras, pero para ella esa lengua extraña era lo que le daría acceso a una vida nueva. Era la forma de derribar la cortina invisible que se alzaba entre ella, la extranjera, y sus flamantes amos. [...] (BARON, 1963, p. 26).
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DESCRIÇÃO DE LA MALINCHE HISTÓRICA E FICCIONAL Herren (1993) menciona o passado pouco conhecido de La Malinche. O autor chega à conclusão de que a “lengua índia” de Cortés teve origens nobres (no contexto pré Colombiano), uma pilli que de criança teria sido vendida, pela própria mãe, como escrava a membros de outro cacicado e que, aos dezesseis anos, por um acaso, teria vindo a fazer parte da homenagem do povo Tabasco aos europeus:
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Labriela (2012), em seu artigo As iconografías da Malinche e Sor Juana, faz um estudo interessante sobre a construção da imagem de La Malinche por diversos pintores ao longo do tempo. O autor revela que enquanto que as primeiras imagens mostram uma Malinche com atitudes próprias, as últimas representações de sua imagem tornam-se mais sensuais, apagando, definitivamente, a possibilidade de La Malinche ter convicções, pensamentos e decisões próprios. Na citação acima, Baron (1963) devolveria a La Malinche essa atitude independente de pensamento e reflexões próprias e, talvez, até lhe restituísse a sua capacidade lógica de decidir sobre os acontecimentos em que se viu envolvida, dando-lhe a força que todo herói/heroína teria. A personagem, assim, em sua configuração romanesca assume os seus atos conscientemente, ao mesmo tempo em que o autor ajudaria a explicálos pelo discurso adotado pelo narrador.
A la siguiente jornada, que era el 15 de marzo de 1519, los españoles vieron llegar a su campamento a una multitud de caciques con ofrendas de oro y comidas, además de veinte jóvenes esclavas, un regalo que les parecía especialmente oportuno porque sorprendía a los mayas que tantos hombres no llevaran con ellos quienes les molieran el maíz y los cuidaran. Una vez más las hembras cumplían la función de objetos de intercambio en el mundo masculino. […] Les dieron hasta veinte mujeres de sus esclavas para que les cociesen pan y guisaran de comer al ejército con las cuales pensaban hacerles un gran servicio, como los veían sin mujeres, y porque cada día es menester cocer y moler pan de maíz, en que ocupan mucho tiempo las mujeres. (LÓPEZ DE GÓMARA, F. apud HERREN, 1993, p. 25)
Herren (1993) acredita que seja inquestionável o passado nobre de Malinali Ténepal. Disse-se que o comportamento de Malinche seria o de uma pipiltin, uma classe social nativa equivalente aos fidalgos espanhóis, os chamados pipiltin, rasgo que permitiria esclarecer o respeito que, certamente, La Malinche teria inspirado nos nativos ao reconhecê-la como uma pilli. Esse dado estaria respaldado por certos aspectos de personalidade descritos por Bernal Díaz del Castillo e Alonso de Herrera que explicariam rasgos de personalidade difíceis de fingir numa sociedade ferreamente hierárquica, ritualística e cheia de códigos como a dos mexica. Inclusive, Alonso de Herrera apontou que: “Ella era persona principal y... todas las personas principales le hacían mucha honra e buen tratamiento” (HERREN, 1993, p 37-38). Baron também recria, no romance, os aspectos difíceis de fingir que Herren descreve: “[...] Era una india, enseñada desde niña a controlar sus músculos faciales. Aunque la expresión del rostro siguió inmutable un relámpago de pena cruzó por sus ojos”. (BARON, 1963, p. 54). A seguir, a reconstrução que Baron faz do respeito de que só uma pilli teria inspirado não só aos nativos: ¡Vaya con la india!, pensó Sotelo. No había nada que hacerle. Tampoco los otros escapaban a su influencia. A cualquier otra mujercita indígena la habrían arrojado al piso sin más trámites. Pero ella …, se notaba en su manera de andar, y en la forma en que lo miraba a uno, y en los cuidados que prodigaba a los enfermos, y así fue como salió el “doña Marina”, doña, el título que se da a una dama de verdad, allá en la patria. Y, ¿por qué no? […] Y ¿quién otra que no fuera la santa madrecita, allá hace muchos años, había llegado al extremo de acariciar con mano suave la frente de un piojoso y rudo soldado raso? ¡Que Dios la bendiga! India o no, tenía el porte de una dama, y de las buenas […] (BARON, 1963, p. 50-51).
A moça miúda de corpo e olhos vibrantes seria batizada de Marina, segundo Herren (1993), “como la virgen gallega de Orense martirizada junto a sus siete hermanos” (HERREN, 1993, p. 26). A
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Cortés repartió prontamente las mujeres entre sus oficiales. La de mejor aspecto de entre ellas, moza menuda de cuerpo y ojos despiertos, que tendría unos dieciséis años, correspondió al capitán de más abolengo de la hueste, por el que Cortés sentía una especial debilidad: Alonso Hernández de Portocarrero, primo de los condes de Medellín y donjuán temible, que había huido de España en 1516 con una castellana raptada a la que luego abandonaría. (HERREN, 1993, p. 25-26).
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Continuando com a admiração que La Malinche teria despertado nos outros, Herren (1993) lembra da sempre presente admiração que Bernal Díaz del Castillo teria sentido por Marina, já que utilizou sempre a anteposição “doña” ao nome Marina em seus escritos e que não economizou elogios, do tipo: “Qué esfuerzo tan varonil tenia (que) jamás vimos flaqueza en ella, sino muy mayor esfuerzo que de mujer” (HERREN, 1993, p. 32). Tratar-se-ia de um elogio significativo, já que deve-se tomar em conta o contexto euro-falocêntrico da época. Não era assunto corriqueiro enaltecer uma mulher, menos ainda comparar uma índia com um homem, daí que Herren fale de Díaz del Castillo louvando a “doña” Marina. Voltando ao momento da repartição de escravas, fazendo uso dos comentários de López de Gómara nas Cartas, Herren (1993) aponta que o cenário da repartição de mulheres entre as hostes de Cortés teria acontecido assim:
propósito da “virgen gallega de Orense”, na descrição que tanto Herren quanto Baron (1963) fazem de Marina, coincide-se em descartar a suposta virgindade a que outros romances românticos teriam proposto sobre a Ténepal. Para o biógrafo argentino, negar a sexualidade da Ténepal não seria mais que o resultado desesperado de biógrafos querendo converter Malinche em heroína de conto de fadas, dissimulando os aspectos sexuais de sua vida, acomodando a biografia aos moldes morais judaicocristãos do século XX. O argentino aponta que, no mundo asteca, as relações sexuais não teriam sido consideradas pecaminosas. Em La Princesa de Oro, Baron não acha problemático este aspecto e descreve a Ténepal como segue: [...] A la edad de dieciocho años sabía todo cuanto había que saber sobre los hombres. Hacía mucho que ellos la empleaban para sus fines. Y en sus encuentros con Juan había aprendido sobre su modo de ser, sus debilidades y caprichos, su cuerpo y las necesidades de ese cuerpo lo bastante como para llegar a la firme conclusión de que no era más de temer que los otros de su sexo con quienes había tenido que tratar. (BARON, 1963, p. 12).
Talvez, e segundo Herren (1993), La Malinche imaculada teria sido inventada para contrabalançar a concepção da Malinche vilã, pois La Chingada2 teria sido criada só a inícios do período da restauração mexicana, já no século XIX, ao redor de 1828, após ser publicada a obra Jicoténcal, de autor anônimo. Nessa obra, Malinche teria sido configurada sob o papel da mulher do mal, a tentadora, a traidora da pátria, a mulher pérfida que, aliada aos estrangeiros, teria ajudado à queda do Império Asteca. Sobre a atitude da doña Marina Ténepal com respeito ao seu papel na conquista de México, o biógrafo argentino acrescenta que Malinche não teve uma melhor opção que a lealdade à nova vida e ofício, já que a vida de escrava de resignação, amarguras e maus tratos até a morte não representaria, de maneira alguma, um futuro promissório. Como resultado dessas circunstâncias, Malinche teria se dedicado devotamente à causa de Cortés. Quanto ao caráter da Ténepal, Herren (1993) a descreve como sendo de caráter firme e bem moldado, uma inteligência acima do normal, com notável adaptação às circunstâncias e extraordinária capacidade de aprendizagem. O autor acrescenta que ela teria sido submissa ao seu amo por conta de sua cultura e do longo tempo de escravidão. No entanto, acrescenta que Marina, como toda nativa da terra sabia mandar e ter iniciativas próprias, mas que era tão disciplinada como um soldado. Observamos outra passagem em que La Malinche se torna, segundo Baron (1963), uma guerreira incansável, quase santa milagreira: [...] y volviéndose hacia el jefe totonaca le dijo: –Vamos, hay que impedir que crucen el río. […] ¡Vamos guerreros, mostrad que sois hombres! Arriba! Se levantaron. Y basto el sonido de su propia voz para encender a Marina; la vista de los hombres reaccionando la fortaleció […] ¡Adelante guerreros! ¡El dios blanco protege a los valientes! [...] ¡El ejército tlaxcalteca retrocedía! […] Estaba trayendo a los heridos y doña Marina dijo: “Trae también a los totonacas heridos, don Juan” […] Pero él le contestó: ‘Dios habla por tu boca, doña Marina’ […] (BARON, 1963, p. 119-123).
O autor inglês de La Princesa de Oro, vai além da descrição de personalidade. Este reforça a ideia de La Malinche ser diferente das outras e, ao mesmo tempo, acrescenta algumas características físicas: Malinali advirtió que la falta de imaginación de esas pobres muchachas, el predominio innegable del instinto, les impedía sentir el mismo terror enfermizo que
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“La Chingada” é um termo que alude ao estupro da mãe. Octavio Paz definiu “el hijo de la Chingada” como o filho resultante do estupro. A frase soa altamente insultante. Enquanto que para o espanhol o insulto em “hijo de puta” faz referência a uma mãe que, voluntariamente, entrega seu corpo, a desonra para o mexicano estaria, segundo Paz, em ser o filho de um estupro. (PAZ, O., apud HERREN, 1993). Na biografia, “La Chingada” é relacionada à Malinche: “índia traidora – um monstro de exagerado apetite sexual” (HERREN, 1993, p. 43 tradução nossa).
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estremecía a sus familiares. […] ¡Esa muchacha, Marina, qué criatura tan extraña! ¿Quién hubiera dicho que entre un montón de perras indígenas encontrarían alguien cuya presencia hacía que uno se sintiera incómodo, de inteligencia tan perturbadora? [...] En realidad saltaba a la vista que era diferente de las demás muchachas, a quienes podía divisar detrás de los soldados, mujeres sucias de pechos laxos, tontas e ignorantes. Ella era delgada; los senos, llenos, pero firmes, dibujábanse erectos bajo la tosca saya; una mata espesa y larga de lustroso cabello negro con reflejos azules enmarcando el rostro almendrado, de labios llenos, pómulos salientes y orgullosos y un par de cejas bien delineadas; el cutis perfecto, relucía con un matiz dorado oscurecido ligeramente por la tonalidad broncínea que se adivinaba debajo. Marina era callada, seria e inteligente; su porte altivo pero calmo, y sus ojos hablaban de una serenidad que no sabía de temores. (BARON, 1963, p. 13, 35, 42)
Sobre a citação acima, é interessante perceber que o perfil da personagem de Malinche recriada no romance de Baron seria talvez semelhante ao perfil romantizado e idealizado feito por Alencar na sua personagem nativa brasileira Iracema (1865). Ambas nativas heroínas seriam idealizadas, sob padrões de beleza tidos como europeus. A personagem construída por Baron é uma nativa romantizada ao estilo de que Bernal Díaz del Castillo gostaria de escrever. Segundo o romance, desde início, Marina ter-se-ia sentido atraída por Cortés e teria sempre tentado chamar sua atenção de alguma maneira: No. Era el jefe, ese otro, Cortés, quien atraía las miradas de Marina. Algo en su persona la obligaba a volver los ojos hacia él a cada instante: un exterior sereno que parecía inmutable, pero debajo del cual ella adivinaba el brillo cegador de un relámpago […]. Entonces sus ojos encontraron los de Marina y se quedaron en ella un segundo, negros, aterciopelados, impenetrables. La muchacha sintió un sacudón físico, como si algo hubiera estallado dentro de sus pulmones. […] (BARON, 1963, p. 28).
Como já comentamos acima, ao Cortés receber as vinte escravas oferecidas pelos Tabasco, as repartiu entre os seus homens, sendo Malinche entregue ao seu favorito, Hernández Portocarrero. Depois do episódio da intervenção voluntária de Marina como “lengua”, segundo a biografia analisada, Cortés percebeu o real potencial da escrava. Pouco tempo depois, com a justificativa de Cortés ter de enviá-lo numa missão importante para a expedição, justificativa aliás aproveitada pelos escritores que idealizam uma situação de Cortés ter desejado a nativa como amante, e que Herren (1993) discute e apresenta a necessidade de Cortés enviar o seu melhor representante com influencias na corte espanhola, Hernández Portocarrero teria sido escolhido para voltar a Espanha e fazer o trabalho intermediar a favor de Cortés. Com esta nova situação Marina teria ficado livre novamente e passaria a ser a amante oficial do conquistador estremenho. Esta cena é aproveitada e recriada no romance de Baron da seguinte maneira:
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No entanto, enquanto à parte romântica que muitos querem vincular aos personagens Hernan Cortés e Marina Ténepal, Herren (1993) descarta toda possibilidade romântica e acrescenta que Cortés teria sido um estrategista calculista que sabia dominar seus impulsos carnais quando necessário. O
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Las cajas de Puertocarrero estaban apiladas contra la pared; al cabo de pocas horas se habría hecho a la mar. […] Marina yacía acurrucada en una estera sin apartar los ojos de Puertocarrero y Cortés. […] ¿No queréis vender nada más? – dijo Olid […] ¿Y de ella qué decís? –preguntó Alvarado. Marina siguió inmutable, pero sus pupilas centellearon al comprender que se referían a ella. […] -¿Cuánto pedís por ella? […] –Un momento. –Era Olid-. Por qué disputárnosla, don Pedro? Vos dijisteis vuestro precio, yo el mío. Que los dados decidan quién se la queda. […] –¡Es mía! –gritó por fin Alvarado. Y ella permaneció tiesa, las manos en el regazo, viva imagen del dolor. –Marina. –Todos miraron a Cortés, que había hablado […] Puertocarrero rio. –Disculpad la broma, caballeros. Como veis, la dama estaba pedida. [...] (BARON, 1963, p. 87-89).
biógrafo comenta sobre La Malinche: “si no estaba enamorada, es seguro que sí estaba totalmente dispuesta a entregarse en cuerpo y alma a su imponente señor” (HERREN, 1993, p. 73). Já a personagem histórica recriada no romance de Baron (1963) é uma jovem ingênua que admira cegamente a Cortés. Num recorte de La princesa de oro, abaixo, temos uma conversa em que Cortés percebe no nome “Malintzin” uma homenagem dos nativos à intérprete nativa; o significado literal seria “o chefe de Marina”. Cortés, no romance, não teria gostado disso e, no entanto, Marina: [...] en su inocencia infantil, ella lo siguió segura de que nunca lo había complacido más que ese día. Con típica ingenuidad femenina, creía conocerlo como la palma de la mano; y ni siquiera notó su ceño fruncido. (BARON, 1993, p. 147)
No romance, a Ténepal percebe aos poucos a figura calculista de Cortés, chegando totalmente desiludida no final do romance. Porém, Baron prepara para a protagonista um fiel companheiro e amigo, Trifón, de quem, ao final, confessa estar apaixonada: [...] –Marina... [...] -Ven conmigo [...] –Marina, olvida lo pasado. No podía más, tenía que pedírtelo. Por espacio de dos años he vivido amargado por el recuerdo de mi negativa a ayudarte cuando más lo necesitabas. Me creía fuerte, el hombre frío, el que podría aplastar sus pasiones y partir en silencio; era cuestión de orgullo, no dejarme dominar por mis sentimientos. Pero, llegado el momento, no pude. Separarme de ti es como arrancarme la piel a pedazos. –Trifón, por piedad, vete – musitó ella. –Marina, me quieres. Lo sé. No soy niño. Lo siento cuando estamos juntos; [...] –¡No! [...] Por caridad, Trifón, no te acerques. Sí, te amo, pero si sientes lo mismo por mí no te acerques […] –Voy a casarme, Trifón. Con Juan Jaramillo. (BARON, 1963, p. 418-419).
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LA MALINCHE EM LA PRINCESA DE ORO (1963) DE BARON O romance histórico de Baron, La Princesa de Oro, apresenta a possibilidade de analisar outra Malinche. Isto, sobretudo, porque o autor inglês, ao recriar a personagem histórica que reconta a sua versão dos fatos, utiliza mecanismos ficcionais para refletir sobre o que poderia ter acontecido na história. O discurso presente no livro dialoga com a história oficial e apresenta explicações para o leitor compreender o que teria acontecido no passado; possibilitando uma nova perspectiva sem “grandes intenções de criticar a visão hegemônica da história” (FLECK, s/d). Talvez apresente um Hernan Cortés calculista e egoísta, mostrando uma nova possibilidade de olhar para a história, porém sem sair do amplamente conhecido como verdade histórica. No romance não se observa a intenção de criticar, pois nele o discurso continua a exibir o olhar de cima para baixo, no qual uma mulher indígena é vista como inferior e como tal seu destino continua a ser limitado, mesmo sendo uma personagem chave para a conquista de México. Porém, o autor tem um olhar de simpatia para a protagonista do romance, já que lhe permite a possibilidade de ter valores morais, talvez europeus, tais como a valentia, perseverança, fidelidade; além de dotá-la de inteligência, virtude que ao longo dos séculos foi substituída pela sensualidade com a intenção de convertê-la em bode expiatório, causadora da queda do Império Asteca e das tragédias subsequentes do mundo nativo-americano. O texto apresenta dialogia, pois conversa com os textos oficiais. Para exemplificar a dialogia tomamos o trecho do romance: “Malinali no se inquietó mucho cuando supo que la entregarían a los extranjeros blancos como ofrenda de paz” (BARON, 1963, p. 7); nesse trecho percebe-se uma clara alusão às Cartas de relación de Cortés quando relata que: “Aquí me vinieron á ver otros dos señores que en aquel valle tciiian su tierra; el uno cuatro leguas el valle alhajo, y el otro dos leguas arriba; y me dieron ciertos collarejos de oro de poco jjoso y valor, y siete ú ocho esclavas.” (CORTÉS, 1866, p. 59). A primeira citação forma parte do primeiro parágrafo no primeiro capítulo do romance de Baron,
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Trifón lhe propõe a fuga, mas ela não aceita e disse que se unirá em matrimônio com um homem designado por Cortés. Assim, fecha-se o círculo pelo qual a personagem histórica atuante no romance ficcional precisa voltar à parte histórica. Recorrer à intertextualidade explícita com os textos históricos, como se percebe no recorte acima, revela a consciência da releitura da história pela ficção, demonstrando-se, assim, mais uma das características presentes nos romances históricos contemporâneos: a leitura crítica do passado pela ficção.
na qual La Malinche se mostra ciente dos acontecimentos tidos como históricos oficiais. O narrador é extradiegético, pois utiliza-se da terceira pessoa para relatar os acontecimentos, ao mesmo tempo que o próprio narrador não forma parte dos acontecimentos. Comprova-se esta característica quando o narrador comenta: “El miedo, fermentando en ella, convirtióse en el sentimiento opuesto: una sorda impaciencia por ponerse en marcha. ¿Cuándo partirían? ¿Cuándo? ¿Cuándo?” (BARON, 1963, p. 48). Assim, temos uma voz enunciativa do discurso que prioriza a situação vivenciada pela autóctone e faz dessa a matéria essencial do romance. Não se trata de um Romance Histórico Clássico, fiel aos padrões de Scott, pois sua protagonista não é uma personagem ficcional. La Malinche é uma personagem histórica e existem documentos que o comprovam. Não podemos, por outro lado, classificá-lo dentro dos Novos Romances Históricos Latino-Americanos, pois se trata da obra de um autor inglês e a data em que foi escrito (1963) não corresponde à data do auge da modalidade crítica contemporânea. Estamos, pois, diante de um romance histórico tradicional que apresenta ainda as primeiras rupturas com o modelo clássico, conforme aponta Fleck (s/d). Na obra não se encontram vestígios de “desconstrução do discurso historiográfico” como nos Novos Romances Históricos, Romances Históricos de Metaficção Historiográfica e Romances Históricos Contemporâneos de Mediação, tal qual descritos em Fleck (s/d). Em La Princesa de Oro (1963), apreciam-se referentes conhecidos do universo indígena. Os autóctones configurados na ficção lançam seu olhar sobre os recém-chegados e manifestam, por sua vez, o estranhamento frente aqueles homens tão diferentes. No romance se aprecia a seguinte descrição do europeu: [...] eran mucho más altos y corpulentos que los hombres del país, y que vestían en forma extraña […] Tenían la tez clara, algunos apenas más pálida que la gente del pueblo, otros tan rosada como las zarpas de los cachorros recién nacidos. Pero lo que más llamó la atención de los lampiños nativos fueron sus tupidas barbas de color rojo y castaño y negro. Además todos parecían hablarse a gritos [...] Además, […] nadie sabía qué clase de males podrían acarrear los extranjeros si volvían y en que lo más prudente era mantenerlos lejos […] (BARON, 1963, p. 9-10).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A descrição acima corresponde a uma cena similar na qual Colombo descreve, em seu Diário de bordo, comparando os cabelos dos indígenas com rabos de cavalo – não se constitui, pois, no processo de carnavalização e sim, são estratégias de comparação e paralelismos; o olhar continua de cima para baixo. A personagem principal de Baron é uma mulher configurada pela história e pela ficção, já que, de fato, trata-se de uma personagem de extração histórica, cuja existência encontra-se registrada nos compêndios da historiografia. Entretanto, pela verossimilhança de sua configuração, obedece a um traço do romance histórico tradicional. A diferença está em que Malinche apresenta voz e reconta desde seu olhar excêntrico os fatos históricos da conquista de México. Baron outorgou voz a quem no discurso oficial não teve direito a tê-la, deu-se, assim, no romance voz a uma mulher escrava indígena. A configuração da personagem ficcional feminina Malinche no discurso de Baron rompe com os estereótipos já que a omissão da presença da personagem feminina na história acontece muitas vezes, pela simples questão de o sujeito atuante ser uma mulher e de um extrato inferior para as camadas de poder, uma indígena. O título da primeira parte do livro é significativo: “Malinali nace otra vez”, pois, trata-se de uma nova etapa para a vida da Malinche e todo o império asteca, seria uma importante divisão de águas: a alteração radical do mundo tal qual era conhecido pelos astecas e pelos espanhóis. Assim, a personagem principal é uma nativa que renasce no exato dia em que é oferecida pelos Tabasco como presente aos espanhóis no grupo de vinte escravas. Cria-se, deste modo, um universo paralelo ao exposto no documento histórico de autoria de Cortés para, pela paródia do discurso historiográfico, expor uma perspectiva diferente do que entendemos como o passado histórico. Revela-se, desse modo, o que poderia ter acontecido do outro lado da história, no caso, a percepção de uma nativa cujo rol foi chave nos acontecimentos da conquista do Império Asteca.
Enquanto os textos oficiais das Cartas de Relación, inauguradores dos estereótipos do “Novo Mundo” eram escritos, buscava-se conferir uma ordem ao tecido social, domesticando e disciplinando o espontâneo, o caótico e o aleatório, já que, como registra Reis (1998, p. 233), “todo texto é produzido por um determinado agente social, inscrito numa dada circunstância histórica e porta-voz de um projeto ideológico e de classe”. Assim, nas Cartas de Relación está presente a intenção de escrever para o Imperador da Espanha, ocultado alguns assuntos e ressaltando outros, cuidando do vocabulário utilizado; recriando as descrições para ajustá-las ao mundo eurocêntrico falocêntrico; assegurando, através das frases escolhidas, que o autor do texto é um fiel vassalo, e os autóctones que tiveram parte ativa na conquista sejam esquecidos para não tirar o protagonismo de Cortés. Nas Cartas, Cortés escreve de acordo com os padrões do seu tempo, atendendo a seus interesses específicos. Vários estudiosos contemporâneos, ao analisar o discurso da conquista da América, evidenciam a intencionalidade presente nesses textos. A pesquisadora espanhola Celia Fernández Prieto (2003, p. 156), por exemplo, menciona, nesse sentido, que, no caso específico de Colombo e Cortés, não houve ficcionalização da realidade, conforme afirma Beatriz Pastos (1983). Na sua opinião sobre os textos do descobridor e do conquistador mencionados houve fraude, houve mentira: “[...] precisamente este uso fraudulento de los discursos de verdad pone de relieve como los conquistadores españoles contaban la historia de acuerdo con sus intereses políticos, silenciando cuanto podía acarrearles desprestigio ante sus superiores.” (FERNÁNDEZ PRIETO, 2003, p. 156). A estudiosa vê neste fato uma das justificativas plausíveis para os procedimentos adotados pela nova narrativa histórica latino-americana no tocante ao tratamento dos materiais históricos inseridos na produção híbrida do continente. A proposta de Alexander Baron, a nosso parecer, consiste em apresentar uma leitura do papel da mulher na Conquista do México, destacando as ações de Malinche como hábil intérprete e pessoa de visão e inteligência. Baron apostou por uma personagem autóctone idealizada na sua descrição à maneira de Iracema (1865), de José de Alencar. No entanto, criou um perfil de mulher autóctone humanizada, ingênua, corajosa e que reflete sobre as suas próprias ações e sofre como qualquer outra mulher. Essa configuração garante uma releitura crítica da história e da própria personagem, configurada de forma antagônica em outras narrativas ficcionais, contribuindo, assim, com as múltiplas leituras que a ficção pode realizar do passado histórico e da existência de certos personagens. REFERÊNCIAS ARACIL VARÓN, Beatriz. Hernán Cortés y sus cronistas: la última conquista del héroe. Atenea. N. 499 (2009). ISSN 0716-1840, pp. 61-76. Disponível em . Acesso em 20 de Jun. 2013. BARON, Alexander. La Princesa de Oro. Emecé Editores. Buenos Aires, 1963. CORTÉS, Hernán Cartas y relaciones de Hernán Cortés al Emperador Carlos V. 1485-1547 . DEL CASTILLO, B. D. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. Linkgua, 2010. Disponível em: . Acesso em 20 de Jun. de 2013. FERNÁNDEZ PRIETO, C. Historia y novela: poética de la novela histórica. 2. Ed. Barañáin (Navarra): EUNSA, 2003.
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GAYANGOS, Pascual de 1809-1897. [S.l.] [s.n.] 1866. Disponível em: