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palavra original em grego tinha conotações mais fracas, significando sim- plesmente “mistério”. Outro exemplo relacionava-se a Maria, a mãe de. Jesus.
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Revista Brasileira de História da Educação

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Revista Brasileira de História da Educação Publicação semestral da Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE

Revista

Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE

Comissão Editorial Diana Gonçalves Vidal (USP); José Gonçalves Gondra (UERJ); Marcos Cezar de Freitas (USF); Maria Lúcia Spedo Hilsdorf (USP); Maria Cristina Moreira da Silva (secretária executiva).

A Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999, é uma sociedade civil sem fins lucrativos, pessoa jurídica de direito privado. Tem como objetivos congregar profissionais brasileiros que realizam atividades de pesquisa e/ou docência em História da Educação e estimular estudos interdisciplinares, promovendo intercâmbios com entidades congêneres nacionais e internacionais e especialistas de áreas afins. É filiada à ISCHE (International Standing Conference for the History of Education), a Associação Internacional de História da Educação.

Conselho Consultivo Membros nacionais: Álvaro Albuquerque (UFAC); Ana Chrystina Venâncio Mignot (UERJ); Ana Maria Casassanta Peixoto (SEDMG); Clarice Nunes (UFF e UNESA); Décio Gatti Jr. (UFU); Denice B. Catani (USP); Ester Buffa (UFSCar); Gilberto Luiz Alves (UEMS); Jane Soares de Almeida (UNESP); José Silvério Baia Hora (UFRJ); Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG); Lúcio Kreutz (UNISINOS); Maria Arisnete Câmara de Moraes (UFRN); Maria de Lourdes A. Fávero (UFRJ); Maria do Amparo Borges Ferro (UFPI); Maria Helena Câmara Bastos (UFRGS); Maria Stephanou (UFRGS); Marta Araújo (UFRN); Paolo Nosella (UFSCar) Membros internacionais: Anne-Marie Chartier (França); António Nóvoa (Portugal); Antonio Viñao Frago (Espanha); Dario Ragazzini (Itália); David Hamilton (Suécia); Nicolás Cruz (Chile); Roberto Rodriguez (México); Rogério Fernandes (Portugal); Silvina Gvirtz (Argentina); Thérèse Hamel (Canadá).

Diretoria Presidente: Dermeval Saviani (UNICAMP) Vice-Presidente: Marta Maria Chagas de Carvalho (PUC-SP) Secretária: Diana Gonçalves Vidal (USP) Tesoureira: Ana Waleska Pollo Campos Mendonça (PUC-Rio) Diretores Regionais: Norte: Anselmo Alencar Colares (UFPA) e Álvaro Albuquerque (UFAC) Nordeste: Marta Maria de Araújo (UFRN) e Maria do Amparo Borges Ferro (UFPI) Centro-Oeste: Nicanor Palhares Sá (UFMT) e Silvia Helena Andrade de Brito (UFMS) Sudeste: Maria de Lourdes de A. Fávero (UFRJ) e José Carlos de Souza Araújo (UFU) Sul: Lúcio Kreutz (UNISINOS) e Maria Elizabeth Blanck Miguel (PUC-PR)

COMERCIALIZAÇÃO

Editora Autores Associados Caixa Postal 6164 – CEP 13081-970 Campinas (SP) Pabx/Fax: (19) 3289-5390 e-mail: [email protected] www.autoresassociados.com.br

Secretaria: Centro de Memória da Educação, Faculdade de Educação – USP Av. da Universidade, 308, bloco B, terceira fase, sala 40 – CEP 05508-900 – São Paulo-SP. Telefone: (0xx11) 3818-3194 Página: http://paje.fe.usp.br/~sbhe/ E-mail: [email protected]

janeiro/junho 2001 no 1

H

Revista Brasileira de

ISTÓRIA da EDUCAÇÃO SBHE

Sociedade Brasileira de História da Educação

Revista Brasileira de História da Educação 1º NÚMERO – 2001

Editora Autores Associados – Campinas-SP

EDITORA AUTORES ASSOCIADOS Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira Caixa Postal 6164 – CEP 13081-970 Campinas - SP – Pabx/Fax: (19) 3289-5930 e-mail: [email protected] Catálogo on-line: www.autoresassociados.com.br

Conselho Editorial Casemiro dos Reis Filho Dermeval Saviani Gilberta S. de M. Jannuzzi Maria Aparecida Motta Walter E. Garcia Diretor Executivo Flávio Baldy dos Reis Diretora Editorial Gilberta S. de M. Jannuzzi Coordenadora Editorial Érica Bombardi Revisão Ana Maria Nogueira Sabbag Tradução para o inglês Miriam Nálio Matias de Faria Diagramação e Composição Érica Bombardi Projeto Gráfico e Capa Érica Bombardi Impressão e Acabamento Gráfica Paym

S UMÁRIO

EDITORIAL

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ARTIGOS A cultura escolar como objeto histórico Dominique Julia Notas de lugar nenhum: sobre os primórdios da escolarização moderna David Hamilton A idéia de Europa no período fascista: análise de um livro de história da pedagogia Giovanni Genovesi La educación histórica del deseo Agustín Escolano Benito

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Por uma bibliografia material das escritas ordinárias: o espaço gráfico do caderno escolar (França – séculos XIX e XX) Jean Hébrard

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El concepto de “emancipación espiritual” en el debate sobre la educación en Hispanoamérica en la primera mitad del siglo XIX Gabriela Ossenbach Sauter

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Tempos da escola no espaço Portugal-Brasil-Moçambique: dez digressões sobre um programa de investigação António Nóvoa

161

La historia de la educación argentina y la formación docente: ediciones y demanda institucional Adrián Ascolani

187

RESENHAS A ESCOLA ELEMENTAR NO SÉCULO XIX. O MÉTODO MONITORIAL/MÚTUO, Maria Helena C. Bastos e Luciano Mendes de Faria Filho (orgs.)

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Claudia Panizzolo Batista da Silva NOSTALGIA DO MESTRE ARTESÃO, Antonio Santoni Rugiu Ana Elisa de Arruda Penteado

214

NOTAS DE LEITURA REPÚBLICA E FORMAÇÃO DE CIDADÃOS: A EDUCAÇÃO CÍVICA NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS DA PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA, Joaquim Pintassilgo Vera Lucia Gaspar da Silva

219

TEMPOS DE ESCOLA: FONTES PARA A PRESENÇA FEMININA NA EDUCAÇÃO – SÃO PAULO – SÉCULO XIX, Maria Lúcia Spedo Hilsdorf Márcia H. Dias

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ORIENTAÇÃO AOS COLABORADORES

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CONTENTS

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Editorial

A Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), após a realização do seu I Congresso, lança agora a Revista Brasileira de História da Educação (RBHE). O objetivo principal desta primeira gestão da nova entidade foi instalar a Sociedade e consolidá-la deixando-a em pleno funcionamento. Para isto, foi de fundamental importância dotá-la de canais de comunicação em caráter permanente. O principal, sem dúvida, é uma revista, com periodicidade regular. Para viabilizar o desenho da revista foi preciso vencer inúmeros obstáculos desde a composição de sua comissão editorial e conselho consultivo, até a elaboração do projeto gráfico com a definição das seções. Dada a prioridade que conferimos à RBHE, foi preciso encontrar meios de contornar todos os obstáculos. O primeiro número foi composto com a contribuição de especialistas estrangeiros amplamente reconhecidos na área. Este encaminhamento, ainda que possa parecer, à primeira vista, um tanto insólito já que estamos inaugurando uma revista brasileira, surgiu como uma alternativa bastante apropriada, porque, a par de ter nascido de uma entidade já marcada pela representatividade internacional dos estudiosos brasileiros da história da educação, a própria dinamização, aglutinação e fortalecimento da comunidade nacional de pesquisadores da área ganhará muito com a contribuição dos artigos que integram este número 1 da RBHE.

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Os autores convidados são plenamente reconhecidos no campo da História da Educação, constituindo-se em referências internacionais dos seus respectivos países. Em sua maioria, ocupam ou já ocuparam cargos de direção das entidades nacionais de História da Educação. Só foi possível realizar o projeto desta publicação porque contamos com a receptividade irrestrita de todos aqueles a quem solicitamos colaboração. Registramos aqui o nosso reconhecimento não apenas aos autores dos artigos e das resenhas que atenderam prontamente ao nosso convite, mas também aos tradutores que manifestaram grande disponibilidade para realizar o trabalho no prazo curto por nós solicitado. Finalmente, a produção técnica da revista foi viabilizada porque contamos com a boa vontade e disposição inteiramente favorável da equipe da Editora Autores Associados com a qual a Sociedade Brasileira de História da Educação está publicando a revista em regime de co-edição. Está aí, pois, a Revista Brasileira de História da Educação, órgão oficial da SBHE. Para a distribuição do conteúdo deste número 1, adotamos o critério de começar pelos textos de caráter mais geral, seguindo-se os mais específicos. A diretoria da Sociedade Brasileira de História da Educação, através da Comissão Editorial responsável pela RBHE, espera as críticas e sugestões que permitirão aprimorar o projeto da revista, tornando-a aquela publicação que leremos com prazer e na qual desejaremos divulgar os resultados de nossa produção em história da educação. O número 2 da Revista Brasileira de História da Educação será constituído a partir do processo de seleção dos artigos, descrito na “orientação aos colaboradores”. A Diretoria SBHE

A Cultura Escolar como Objeto Histórico * Dominique Julia** Tradução de Gizele de Souza*** O artigo tem como escopo a cultura escolar como objeto histórico. Demonstra que a cultura escolar não pode ser estudada sem o exame preciso das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas. A cultura escolar é descrita como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos. O trabalho é circunscrito ao período moderno e contemporâneo, período compreendido entre os séculos XVI e XIX. O texto é desenvolvido segundo três eixos, perspectivas interessantes para se entender a cultura escolar como objeto histórico: interessar-se pelas normas e pelas finalidades que regem a escola; avaliar o papel desempenhado pela profissionalização do trabalho do educador; interessar-se pela análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares. HISTÓRIA DA ESCOLA; CULTURA ESCOLAR; NORMAS E FINALIDADES DA ESCOLA; PROFISSIONALIZAÇÃO DO EDUCADOR; CONTEÚDOS DO ENSINO; PRÁTICAS ESCOLARES.

The aim of the article is to present the school culture as a historical object. It shows that the school culture can’t be studied with the accurate examination of the conflicting or peaceful relations they keep, each period of its history, with the set of cultures that are contemporary to it. The school culture is described as a set of rules that define knowledge to be taught and conducts to be implanted and a set of practices that permit the knowledge transmission and these behaviors incorporation. The paper is circumscribed to the modern and contemporaneous period, within the 16th and 19th centuries. The text is developed according to three axles, interesting perspectives to understand the school culture as a historical object: to become interested in the rules and the purposes that govern the school; evaluate the role performed by the professionalism of the teacher’s work; to become interested in the taught contents analysis and the school practices. SCHOOL HISTORY; SCHOOL CULTURE; SCHOOL RULES AND PURPOSES; EDUCATOR PROFESSIONALISM; TEACHING CONTENTS; SCHOOL PRACTICES.

*

Este texto é tradução do artigo de Julia: “La culture scolaire comme objet historique”, Paedagogica Historica. International journal of the history of education (Suppl. Series, vol. I, coord. A. Nóvoa, M. Depaepe e E. V. Johanningmeier, 1995, pp. 353-382).

**

É diretor de pesquisas do CNRS, antigo prof. do Instituto Universitário Europeu (Florença), e especialista em história religiosa e história da educação na época moderna. Publicou Les trois couleurs du tableau noir. La révolution (Paris, Berlim, 1981) e, em colaboração com Marie-Madeleine Compère, Les colléges français (XVIXVIII siècles), 2 vols. (Paris Editions du CNRS-INRP, 1984 e 1988). Dirigiu o vol. Enseignement de l’Atlas de la Révolution française (Paris, Editions du EHESS, 1988).

*** Professora do setor de Educação da Universidade Federal do Paraná e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade.O presente texto de tradução contou com a colaboração de Angela Brandão e revisão técnica de Sandra Moreira e Marta Maria Chagas de Carvalho.

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Ao me pedir que proferisse uma conferência no XV Congresso da Associação Internacional de História da Educação, o professor António Nóvoa cometeu a imprudência de dar-me a liberdade de escolher o assunto que eu proporia para a reflexão de vocês. Com efeito, eu lhe havia objetado enfaticamente que, nunca tendo sido, em nenhum momento da minha carreira, um historiador da colonização, sentia-me totalmente incapaz de fornecer elementos úteis aos debates e pesquisas que vocês realizariam durante esses três dias. Falar da cultura escolar como objeto histórico repousa, ao mesmo tempo, sobre os limites das minhas próprias competências e sobre a preocupação de abrir esta leitura de encerramento direcionando-a para o tema do Congresso que se desenvolverá no próximo ano em Amsterdã e que se indagará justamente sobre os problemas das trocas e transferências culturais que se operam através da escola. Minha única ambição aqui será a de colocar algumas questões preliminares sem pretender, de modo algum, tratar todas as facetas de um assunto que me parece, ao mesmo tempo, apaixonante, mas infinitamente difícil de tratar. Queiram, portanto, desculpar-me o aspecto exploratório de minhas asserções1. É necessário, justamente, que eu me esforce em definir o que entendo aqui por cultura escolar; tanto isso é verdade que esta cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se

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Deve-se desculpar o intenso caráter francófono da bibliografia utilizada: razões de comodidade, de acesso e de tempo nos obrigaram a restringir nosso campo de investigação. Não há dúvida de que avaliamos plenamente os limites desta exposição, na qual mantivemos o estilo próprio da expressão oral.

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levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização: aqui se encontra a escalada dos dispositivos propostos pela schooled society que seria preciso analisar; nova religião com seus mitos e seus ritos contra a qual Ivan Illich se levantou, com vigor, há mais de vinte anos2. Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares. Ousaria eu uma questão provocadora? Dispomos, hoje, de instrumentos próprios para analisar historicamente esta cultura escolar? Faz uns vinte anos, as problemáticas da história da educação refinaram-se consideravelmente, mas também desconheceram em grande parte, parece-me, o estudo das práticas escolares. Na década de 1970, o estudo sociológico das populações escolares, em diferentes níveis de escolaridade, assim como a análise do sucesso escolar desigual segundo as categorias socioprofissionais, conduziram numerosos historiadores, nas pegadas de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (mas também na agitação dos acontecimentos de maio de 1968) a ver na escola apenas “o meio inventado pela burguesia para adestrar e normalizar o povo”, responsável, portanto, sob o manto de uma igualdade abstrata, que veicula, intactas, as desigualdades herdadas, pela reprodução das heranças culturais e pela reposição do mundo tal qual ele é3. Nos anos 80, que assistiram, em

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Cf. Illich (1971); numa visão bastante diferente, fundada na teoria da motivação e visando na verdade o fortalecimento dos dispositivos escolares de um complexo educativo (cité éducative), cf. T.Husén (1974). A bibliografia sobre este tema é precisa e abundante.

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Esta interpretação encontra-se também na recente obra de M. Crubellier (1993). É

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vários países, à comemoração das grandes leis que impuseram, no fim do século XIX, a obrigatoriedade escolar, essa mesma escola foi, pelo contrário, reabilitada como um triunfo ao mesmo tempo técnico e cívico, fruto da imposição segura de uma pedagogia normativa. Em um e outro caso, os autores realmente compartilham uma convicção idêntica: a de uma escola todo-poderosa, onde nada separa intenções de resultados. Trabalhando principalmente sobre textos normativos, os historiadores da pedagogia tenderam sempre a superestimar modelos e projetos e a constituir, no mesmo lance, a cultura escolar como um isolamento, contra o qual as restrições e as contradições do mundo exterior viriam se chocar: no colégio jesuíta, as hierarquias das antigas ordens seriam substituídas, como por milagre, pela igualdade fundada no mérito individual, e os ruídos da corte e da cidade não penetrariam nos pátios de recreio ou nas salas de aula; a escola de Jules Ferry teria sido inteiramente reservada à formação de perfeitos republicanos. Esta visão um pouco idílica da potência absoluta dos projetos pedagógicos conforma talvez uma utopia contemporânea. Ela tem muito pouco a ver com a história sociocultural da escola e despreza as resistências, as tensões e os apoios que os projetos têm encontrado no curso de sua execução. De fato, para evitar a ilusão de um total poder da escola, convém voltar ao funcionamento interno dela. Sem querer em nenhum momento negar as contribuições fornecidas pelas problemáticas da história do ensino, estas têm-se revelado demasiado “externalistas”: a história das idéias pedagógicas é a via mais praticada e a mais conhecida; ela limitou-se, por demasiado tempo, a uma história das idéias, na busca, por definição interminável, de origens e influências; a história das instituições educativas não difere fundamentalmente das outras histórias das instituições (quer se trate de instituições militares, judiciais etc.). A história das populações escolares, que emprestou métodos e conceitos da sociologia, interessouse mais pelos mecanismos de seleção e exclusão social praticados na escola que pelos trabalhos escolares, a partir dos quais se estabeleceu a discriminação. É de fato a história das disciplinas escolares, hoje em preciso, sobretudo, perguntar-se sobre quais acordos foram estabelecidos entre a cultura imposta do alto pelo Estado e a cultura popular.

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plena expansão, que procura preencher esta lacuna. Ela tenta identificar, tanto através das práticas de ensino utilizadas na sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a constituição das disciplinas, o núcleo duro que pode constituir uma história renovada da educação4. Ela abre, em todo caso, para retomar uma metáfora aeronáutica, a “caixa preta” da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espaço particular. Minha proposta se limitará, por várias razões, ao período moderno e contemporâneo, isto é, o período compreendido entre os séculos XVI e XIX: razões de competência primeiramente, mas também por três razões ao menos, melhor fundadas sobre o plano epistemológico. 1ª. O século XVI vê a realização de um espaço escolar à parte, com um edifício, um mobiliário e um material específicos: o que é verdadeiro para as universidades desde o século XV prolonga-se neste momento no colégio, que hoje chamamos secundário. Basta refletir sobre as exigências materiais manifestadas pelos jesuítas no momento em que eles se vêem encarregados, por determinação da administração de determinada municipalidade, de um estabelecimento escolar, e também sobre a proximidade das plantas utilizadas, que torna ainda hoje reconhecível, no espaço urbano contemporâneo, o antigo colégio da Companhia (cf. Vallery-Radot, 1960). Quanto à escola elementar, tem-se a impressão de que as instituições de caridade tiveram um papel pioneiro, a partir do século XVIII: nos Países Baixos, as escolas diaconais dos pobres e os orfanatos tiveram assim, relativamente cedo, seu equipamento específico; na França, as escolas urbanas dos Frades das Escolas Cristãs dispunham de um local e de um mobiliário apropriados ao ensino simultâneo e Jean-Baptiste de La Salle inspirou-se, em suas diretivas, nas experiências realizadas nas escolas das paróquias-piloto da capital, a partir do século XVII. É verdade que as escolas de caridade constituíam apenas uma minoria e que a existência de um espaço escolar 4

Cf. Jean Hébrard (1988), “Pour une histoire des disciplines scolaires”, Histoire de l’éducation, n. 38, maio.

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autônomo só foi obtida, no conjunto das escolas primárias, no decorrer do século XIX. 2ª. O período moderno e contemporâneo vê instaurar-se a mudança decisiva dos cursos em classes separadas; cada uma delas marca uma progressão de nível. De início, utilizado pelos Frades da Via Comum dos Países Baixos, o sistema foi retomado pela Universidade de Paris, de onde seu nome modus parisiensis (cf. Mir, 1968), mais tarde difundido tanto nos ginásios protestantes dos países germânicos (cf. Schindling, 1977, 1984; Maffei & De RidderSymoens, 1991) como na Companhia de Jesus, que aderiu a esse sistema desde o início. Na Inglaterra, o ensino humanista se desenvolveu, após a dissolução, pela Reforma, dos monastérios e das capelas (chantries), com a fundação das grammar schools que se modelaram pelas experiências feitas na St. Paul’s School por John Collet e nos colégios de Oxford e Cambridge, a partir das primeiras décadas do século XVI (cf. Simon, 1966). 3ª. É a partir do século XVI que nascem os corpos profissionais que se especializaram na educação: eles podiam tomar a forma de corporações ou de congregações religiosas. A partir do fim do século XVIII, quando os Estados ilustrados entendem que é necessário retomar da Igreja o controle tanto do ensino das elites como do ensino do povo, a formação profissional dos educadores torna-se uma prioridade reconhecida como o atesta, segundo cronologias diversificadas, o estabelecimento de escolas ditas “normais”, nascidas, primeiramente, em torno do monastério dos cônegos agostinhos de Sagan, cujo abade era Ignace Felbiger e desenvolvidas, em seguida, no conjunto dos países da coroa austro-húngara (Allgemeine Schulordnung für die deutschen Normal-, Haupt-, und Trivialschulen in den sämtlichen Kaiserlich-Königlichen Erblanden,Vienne, 1774; Ratio Educationis totiusque rei literariae per regnum Hungariae et provincias eidem adnexas, Vienne 1777), antes de se estender ao conjunto da Europa. Estes três elementos, espaço escolar específico, cursos graduados em níveis e corpo profissional específico, são essenciais à constituição de

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uma cultura escolar e justificam, portanto, a restrição cronológica que me impus.

Uma Questão Preliminar: Quais Fontes de Arquivos? Antes de tocar no ponto central do assunto, convém, entretanto, fazer uma última questão. A partir de quais elementos e como podemos examinar a cultura escolar de maneira rigorosa? O historiador da educação tem freqüentemente oscilado entre duas afirmações contrárias e igualmente falsas: ou declara que não há inovação pedagógica, já que sempre pode descobrir os antecedentes de uma nova idéia ou de um novo procedimento, pois tudo já existia desde o começo do mundo, sob o mesmo sol; ou, pelo contrário, ele ressalta a novidade das idéias de um determinado pensador em relação aos seus predecessores ou a originalidade absoluta que tal iniciativa pedagógica representaria. Por serem simplistas, estas afirmações não têm propriamente sentido algum. Convém, pelo contrário, a cada vez, recontextualizar as fontes das quais podemos dispor, estar conscientes de que a grande inércia que percebemos em um nível global pode estar acompanhada de mudanças muito pequenas que insensivelmente transformam o interior do sistema; convém ainda não nos deixarmos enganar inteiramente pelas fontes, mais freqüentemente normativas, que lemos. A história das práticas culturais é, com efeito, a mais difícil de se reconstruir porque ela não deixa traço: o que é evidente em um dado momento tem necessidade de ser dito ou escrito? Poderíamos pensar que tudo acontece de outra forma com a escola, pois estamos habituados a ver, nesta, o lugar por excelência da escrita. Ora, os exercícios escolares escritos foram pouco conservados: o descrédito que se atribui a este gênero de produção, assim como a obrigação em que periodicamente se acham os estabelecimentos escolares de ganhar espaço, levaram-nos a jogar no lixo 99% das produções escolares (cf. Chervel, 1988). Na França, para a totalidade do Antigo Regime, chegaram-nos às mãos somente seis pacotes de deveres escolares do colégio jesuíta de Louis-le-grand, de Paris, realizados por volta de 1720, devido a um acaso inteiramente excepcional: o antigo bibliotecário do colégio, precisando de papel para

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escrever um Comentário do Cântico dos Cânticos e uma obra consagrada à liturgia, abasteceu-se com provas de tradução e de versão em latim, e de versos latinos, no verso das quais pôde escrever (cf. Compère & Pralon-Julia, 1992). Em relação ao século XIX, somente através das cópias de exames ou de concursos é que podemos esperar reconstituir uma história das práticas escolares em vigor e da apropriação, feita pelos alunos, dos conhecimentos disciplinares ministrados: cópias do Concurso Geral, onde se confrontavam os melhores alunos dos colégios reais (transformados em liceus), foram conservadas, assim como as versões latinas do exame de baccalauréat feitos nas Faculdades de Letras5. Quanto aos ditados da escola primária da Terceira República, deve-se a conservação de alguns milhares deles à mania de um inspetor que, no decorrer de suas inspeções, propunha o mesmo texto aos alunos das classes que visitava e os reunia aos relatórios que endereçava ao ministro (cf. Chervel & Manesse, 1989a, 1989b). André Chervel, o autor que encontrou o lote de ditados da Terceira República que dormiam nos Arquivos Nacionais de Paris, ressaltou de modo pertinente, antes de analisar as faltas cometidas pelos alunos, todos os vieses que caracterizam a amostra constituída por esse inspetor que, devido ao estado das comunicações ferroviárias, só visitava as comunidades menos isoladas do território, por definição mais abertas à modernidade. Não é certo, infelizmente, que as cópias dos alunos estejam melhor conservadas no século XX, em razão tanto da expansão da escolarização para o conjunto da sociedade quanto da exigüidade dos locais escolares, a despeito do interesse que atualmente psicólogos e sociólogos da educação demonstram por este gênero (cf. Lahire, 1994; Beaud, 1994): regularmente, como se diz, é preciso “arranjar espaço” e os documentos não são nem mesmo transferidos para depósitos de arquivos que deveriam legalmente recebê-los. Seria conveniente, em cada um dos países que representamos, fazer uma coleta similar de documentos idênticos, perguntando-nos a cada vez sobre a representatividade que lhes podemos atribuir. 5

Relativo ao Concurso Geral, ver Biblioteca da Universidade de Paris, ms n° 15381546 (provas premiadas de 1809 a 1821) e Arquivos Nacionais AJ 16630-678 (provas do período 1882-1903); para as versões latinas do vestibular, cf. A. Chervel (1994).

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Sem dúvida, não devemos exagerar o silêncio dos arquivos escolares. O historiador sabe fazer flechas com qualquer madeira: quanto ao século XIX , por pouco que procure e que se esforce em reuni-los, os cadernos de notas tomadas pelos alunos (mesmo sendo grande o risco de se verem conservados apenas os mais bonitos deles) e os cadernos de preparações dos educadores, não são escassos6 e, na falta destes, pode-se tentar reconstituir, indiretamente, as práticas escolares a partir das normas ditadas nos programas oficiais ou nos artigos das revistas pedagógicas. Mas estamos menos equipados para perceber as diferenças – diversas segundo as classes sociais de origem – que separam as culturas familiares ou profissionais da cultura escolar. Os estudos quantitativos sobre as taxas de alfabetização que se multiplicaram no curso dos últimos anos, seja a partir das assinaturas por ocasião de casamentos, seja a partir dos dados de recenseamentos nacionais são extremamente preciosos, mas não nos fornecem elementos para responder às questões que nos colocamos hoje: a assinatura é um teste frágil que não pode nos dar mais do que ela traz. A colocação em série destas assinaturas segundo a longa duração permitiu estabelecer uma cronologia dinâmica das distribuições geográficas regionais, das repartições entre cidade e campo, entre classes sociais, entre profissões, entre sexos; essa colocação em série fez ao mesmo tempo emergir os grandes fatores econômicos que facilitam ou dificultam o acesso à escrita. Todas essas aquisições são capitais (cf. Julia, 1993). A assinatura, porém, não nos diz nada e não pode nos dizer nada sobre o como da apropriação léxica, nem sobre os níveis de leitura atingidos por cada um. De fato, para especificar as culturas familiares, convém dirigir-se a outras fontes: nas regiões onde a alfabetização progrediu suficientemente, multiplicam-se, no século XIX – e às vezes bem antes, embora tais textos não tenham sido necessariamente conservados –, as autobiografias de camponeses e operários que, ao se tornarem “novos” leitores, adquiriram o domínio da escrita para contar seus próprios itinerários: a organização de tais documentos em série permite-nos medir o lugar do livro e das práticas de leitura no foro familiar, nos meios onde, 6

Para uma identificação sumária das riquezas conservadas na França cf. A.Sentilhes (1992) e D. Julia (1992).

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a priori, as taxas de alfabetização nos teriam impedido de imaginá-lo e avaliar também o desejo ou a recusa da escola nesses meios (cf. Hébrard, 1985, 1991). Na pesquisa que Jacques Ozouf realizou com 4000 mil professores primários franceses que ainda estavam vivos na década de 1960 e que tinham exercido sua profissão antes da Primeira Guerra Mundial, o autor pôde mostrar que, se os professores primários da Terceira República são oriundos de meios modestos (artesãos, camponeses, comerciantes), seus pais (nascidos por volta de 1850) eram em geral muito mais alfabetizados que o conjunto de suas categorias sociais, e que em suas famílias havia mesmo um desejo de escola, compartilhado por pais e filhos, que permitiu a ascensão social em direção à profissão, então muito dignificada, de professor primário (cf. Ozouf et al., 1992). Seria preciso, naturalmente, poder dispor de pesquisas similares sobre outros meios para esclarecer os respectivos graus de proximidade e de distanciamento das diferentes famílias com relação à instituição escolar e, se possível, de maneira diacrônica. É verdade que estamos bem menos informados sobre os séculos anteriores. Se as autobiografias espirituais dos puritanos ingleses, analisadas em série, permitem-nos retraçar com precisão as etapas da entrada de seus autores na escrita, em uma atmosfera familiar onde a leitura da Bíblia tem uma importância capital (cf. Spufford, 1979), estamos reduzidos, em outros lugares – e particularmente em países católicos – a retomar os textos literários oferecidos pelas descrições de aulas (mas que tipo de veracidade atribuir à transposição literária?)7 ou as memórias de personagens cuja trajetória é, sob todos os pontos de vista, excepcional. Tal como a de Valentim Jamerey-Duval, pequeno camponês iletrado de Auxerrois, nascido no início do século XVIII que, tendo fugido de uma madastra particularmente severa, terminará sua vida como bibliotecário do imperador em Viena, depois de uma errância autodidata, que o conduziu da sua cidade natal às florestas da Lorena, onde ele aprende a ler por intermédio de seus companheiros pastores. Tendo chamado a aten7

Cf. a descrição do professor de Nitry, pequena cidade de Auxerrois, feita por Rétif de La Bretonne (1778) e, do mesmo autor (1796), a descrição da aula de leitura em Sacy.

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ção do duque da Lorena durante uma caçada, foi enviado à Universidade de Pont-à-Mousson para aí fazer seus estudos de língua e literatura grecolatinas, isto é, para terminar sua aculturação no mundo dos letrados (cf. Jamerey-Duval, 1981; Hébrard, 1985). Mas se tal percurso pode ser interessante pela sua própria estranheza, não podemos evidentemente atribuir-lhe uma representatividade que não possui. Se é verdade, no entanto, que os documentos não são abundantes para os períodos antigos, é certo que os historiadores os procuraram com a tenacidade demonstrada por Armando Petrucci na Itália, reconstituindo, a partir da análise paleográfica do registro de contas de uma salsicharia do bairro do Trastevere, em Roma, as práticas de escrita utilizadas nos meios da Cidade Eterna no século XVI: com efeito, os próprios clientes escreviam o reconhecimento de suas dívidas nesse registro (cf. Petrucci, 1978). Como repetia incansavelmente Armando Momigliano, as fontes podem ser encontradas se temos a tenacidade de ir procurá-las. Após esta recapitulação sumária das fontes utilizáveis pelo historiador, que constituem apenas uma fina película em relação a todos os textos que foram realmente produzidos, gostaria de desenvolver minha exposição segundo três eixos que parecem vias particularmente interessantes de serem seguidas para o entendimento do objeto do qual nos ocupamos hoje : a primeira via seria interessar-se pelas normas e pelas finalidades que regem a escola; a segunda, avaliar o papel desempenhado pela profissionalização do trabalho de educador; e a terceira, interessar-se pela análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares.

Análise das normas e das finalidades que regem a escola Não existe na história da educação estudo mais tradicional que o das normas que regem as escolas ou os colégios, pois nós atingimos mais facilmente os textos reguladores e os projetos pedagógicos que as próprias realidades. Gostaria de insistir somente sobre dois pontos: os textos normativos devem sempre nos reenviar às práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades atribuídas à escola.

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Um exemplo: a elaboração do Ratio studiorum jesuíta Sobre o primeiro ponto, me limitarei a tomar o exemplo de um texto que teve uma difusão européia; trata-se do Ratio studiorum jesuíta, cuja edição definitiva apareceu em 1599 e serviu de norma aos colégios até a supressão da Companhia em 17738. À primeira vista, o Ratio é apenas mais um dos inumeráveis programas de estudos e de lições que foram abundantes no curso do século XVI, detalhando para cada classe autores a serem estudados, partes da gramática a serem aprendidas, exercícios a serem feitos. E, deste ponto de vista, pertence a um gênero bem estabelecido do qual é herdeiro. Mas a originalidade do Ratio jesuíta deve-se à lentidão de sua elaboração: além do fato de que duas versões sucessivas, de 1586 e de 1591, circularam através de diversas regiões antes da publicação do texto definitivo de 1599, cinqüenta anos separam as primeiras regras do colégio de Messina, editadas pelo Padre Nadal em 1548, mesmo que as Constituições da Companhia tivessem expressamente previsto a redação de um texto regulamentar destinado a unificar os modus agendi dos jesuítas9. Ao menos duas razões dão conta da lentidão do processo de redação: a primeira é que o objetivo perseguido nunca foi o de impor de cima para baixo uma norma cuja execução, no mais, teria sido problemática, mas o de elaborar um texto o mais próximo possível das experiências confrontadas. É necessário lembrar o papel primordial, no interior da Companhia, da correspondência, cujas regras foram codificadas muito cedo e que tende a tomar o lugar ocupado pelo ofício divino nas antigas ordens religiosas10. É por esta correspondência contínua, como pelas

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As diferentes versões do Ratio studiorum jesuíta foram reeditadas pelo Padre Ladislas Lukács (1986).

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O conjunto de textos pedagógicos da Companhia é atualmente objeto de uma reedição crítica organizada pelo Padre Ladislas Lukács, da coleção publicada em Roma Monumenta Paedagogica Societatis Iesu: sete volumes foram publicados entre 1965 e 1992.

10 Cf. as cartas de Ignácio de Loyola a Pierre Favre, 10 de dezembro de 1542, a Nicolas Bobadilla, 1543, a toda a Companhia de Jesus, 27 de julho de 1547, traduzidas em francês (Giuliani, 1991).

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inspeções regulares dos padres visitadores (e a circulação dos próprios padres entre as regiões, ainda muito forte no século XVI), que se pôde realizar uma unificação das práticas. A segunda razão da lentidão da redação do Ratio é o extraordinário crescimento da Companhia no século XVI, que passa de um pouco mais de mil membros na ocasião da morte de Inácio de Loyola, em 1556, para mais de oito mil em 1600 e torna mais complexa tanto a troca de informações como a unificação desejada (cf. Lukács, 1960-1961, 1968). De fato, a redação final será fruto da releitura do conjunto dos textos normativos relativos aos estudos produzidos, seja em Roma, seja nas províncias da Companhia, por uma comissão internacional de seis padres jesuítas, e o texto definitivo de 1599 será publicado somente após a versão de 1591 ser colocada à prova (ad experimentum) por três anos, no conjunto dos colégios, levando-se em conta a recepção e as observações vindas das províncias. Eu não entraria nos detalhes das modificações que podem ser indicadas entre as diversas versões do Ratio, mas vou reter uma única mudança que me parece particularmente significativa. Entre a versão de 1586 e a de 1591, o plano foi completamente alterado. Na primeira, o plano se desenvolve segundo obrigações a cumprir, isto é, segundo o currículo das aulas: trata-se de um programa de lições e de exercícios graduados que parte do curso de teologia para chegar na infima grammatica, isto é, a mais simples aula de gramática. Na segunda versão, a de 1591, e também a de 1599, o plano se desdobra segundo as funções de cada jesuíta no interior dos dispositivos de estudo, desde o papel do provincial até o humilde ofício do porteiro, passando pelo prefeito (diretor) de estudos: aqui é estabelecida uma hierarquia de funções e de poderes especializados, que se imbricam uns nos outros segundo uma arquitetura complexa, mas extremamente precisa. O que aconteceu entre os dois textos? Pode-se certamente invocar a dupla genealogia dos textos regulamentares jesuítas; uns, consagrados às lições e aos programas, outros, encarregados de definir as funções atribuídas a cada membro da Companhia. Mas é necessário, sobretudo, recorrer a todo o movimento de reflexão que se desenvolveu em seguida à crise que se abateu sobre os colégios e as dificuldades experimentadas quando se tentou manter no interior das comunidades jesuítas o entendimento entre os regentes e a disciplina. Pouco

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a pouco, ao longo das experiências de revolta ou de abandonos, emergiu a evidência de que o colégio não é somente um lugar de aprendizagem de saberes, mas é, ao mesmo tempo, um lugar de inculcação de comportamentos e de habitus que exige uma ciência de governo transcendendo e dirigindo, segundo sua própria finalidade, tanto a formação cristã como as aprendizagens disciplinares11. Donde a figura progressivamente central do diretor dos estudos que permanece, entretanto, subordinado ao superior; donde, no interior de cada estabelecimento, esta imbricação hierarquizada de poderes especializados definindo a esfera de intervenção própria de cada um. Donde, enfim – e isto é particularmente verdadeiro para os estabelecimentos com pensionistas –, a necessidade de munir-se de um conhecimento psicológico sobre as crianças extremamente detalhado para reconhecer não somente o nível intelectual em que se encontra cada uma delas, mas também a sua natureza, a fim de saber como agir apropriadamente sobre cada uma12. A cultura escolar desemboca aqui no remodelamento dos comportamentos, na profunda formação do caráter e das almas que passa por uma disciplina do corpo e por uma direção das consciências. A análise das congregações marianas fundadas pelos jesuítas a partir de seus colégios mostrou o papel essencial que estes grupos de piedade organizada desempenharam para uma catolicização profunda da Europa central (cf. Châtellier, 1987). A evolução mesma do Ratio nos remete, portanto, às práticas que a experiência progressivamente legitimou nos colégios. É necessário, sobretudo, imaginar nesta, um texto normativo que teria sido aplicado de maneira uniforme de Lisboa a Viena ou de Bruxelas a Roma. Se é verdade que a circulação dos textos, como a circulação dos homens, favoreceram a constituição de um modus agendi comum ao conjunto do corpo da Ordem, a regra de ouro de Inácio de Loyola – o que aliás, faz a força da Companhia –, foi sempre a lei da adaptação aos lugares e às circunstân-

11 Cf. particularmente as Constituições do Colégio Germânico de Roma, redigidas pelo padre G. Cortesono (Lukács, 1974, t.2, pp. 864-934). 12 Cf. particularmente o tratado do Padre M. Lauretano, diretor de estudos de língua e literatura greco-latinas no Colégio Germânico de Roma sobre a maneira de governar o dito colégio (Lukács, 1974, t.2, pp. 934-953).

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cias: toda uma série de regras próprias a cada província ou à Assistência (Alemanha, Itália, Espanha), foram, aliás, explicitamente mantidas; prova de que uma diversidade podia ser tolerada no interior do corpo, contanto que as diretrizes gerais fossem aceitas (cf. Lukács, 1986).

Projetos pedagógicos e realidade histórica A abordagem que acabamos de fazer mostra bem o quanto seria falso imaginar o universo jesuíta como um mundo fechado, fechado aos ruídos do exterior, e isto me leva a abordar a segunda pista de trabalho que gostaria de propor para reflexão: temos sempre tendência, ao lermos textos normativos ou projetos pedagógicos, de destacar a tentação “totalitária”, ou ao menos englobante de todo o ser da criança, que os caracteriza. Mas os tempos de crise nos revelam também o quanto, ao menos até a aurora do século XX (faço esta restrição porque, vocês compreenderam bem, sou um historiador de períodos mais antigos), resistências e contradições atravessaram a aplicação dessas ambições. Seja o caso da instauração da instrução primária obrigatória que foi realizada em diferentes países da Europa , em diferentes momentos do século XIX: esta construiu-se mais freqüentemente ligada a um projeto político que visa a associar cada cidadão ao destino da nação à qual pertence. Não se trata somente de alfabetizar, trata-se de forjar uma nova consciência cívica por meio da cultura nacional e por meio da inculcação de saberes associados à noção de “progresso”. Os professores primários tornam-se funcionários do Estado que se emancipam progressivamente da tutela dos padres e dos notáveis locais, sendo encarregados de difundir as luzes trazidas pelo advento das ciências. Como vocês todos sabem, o estabelecimento desta nova escola primária não se realizou pacificamente, e eu não preciso detalhar aqui a violência dos combates que pontuaram as lutas das Igrejas e dos Estados neste terreno. É que, no momento em que uma nova diretriz redefine as finalidades atribuídas ao esforço coletivo, os antigos valores não são, no entanto, eliminados como por milagre, as antigas divisões não são apagadas, novas restrições somam-se simplesmente às antigas. Donde as insolúveis contradições nas quais se exerceu o trabalho do professor primário, que constituem

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seu espaço de reflexão e de ação e o preservam dos totalitarismos institucionais construídos sobre a convergência de todos os meios em direção a um fim único. Os professores primários “republicanos” da Revolução Francesa ensinavam a ler usando a Declaração dos Direitos do Homem, a Constituição, mas também, sob a pressão das famílias, as preces cristãs e o catecismo (cf. Kennedy & Netter, 1981). A pesquisa desenvolvida por Jacques Ozouf junto aos professores primários da Terceira República mostra a que ponto o testemunho destes desmente os estereótipos que foram complacentemente difundidos por seus adversários: eles estão conscientes dos limites do seu saber, longe de ser uma falange arrogante, agressiva e sectária; eles medem prudentemente seus atos em seu campo de atuação, distinguindo muito bem o possível do desejável e tomando, por vezes, suas liberdades diante das diretrizes oficiais, quando elas não lhes parecem aplicáveis; eles não foram nem agentes de um genocídio cultural nem de uma cruzada anti-religiosa, mesmo se suas posições, ao mesmo tempo políticas e sociais, em seus vilarejos fixamnos em um papel predeterminado frente ao pároco. Enfim, a experiência de ensino cotidiano ensinou-lhes que, mesmo no mais intenso de suas esperanças, a escola não pode fazer tudo: a obrigatoriedade escolar colocou-os em presença do êxito, que lhes agrada obviamente evocar; mas também frente ao fracasso (cf. Ozouf et al., 1992). Poderíamos certamente mostrar como, atualmente, a redefinição das finalidades da escola, que elimina cada vez mais as fronteiras da escola primária e do colégio, na maior parte dos países europeus, prolongando a obrigatoriedade escolar e desembocando, ao mesmo tempo, em um prolongamento dos estudos gerais e no desenvolvimento das formações profissionais na instituição escolar, também implica conflitos, confrontos e debates relacionados à manutenção dos valores e das finalidades antecedentes.

A profissionalização dos professores Na análise histórica da cultura escolar, parece-me de fato fundamental estudar como e sobre quais critérios precisos foram recrutados os professores de cada nível escolar: quais são os saberes e o habitus requeridos de um futuro professor? Sobre este ponto, um estudo sobre a

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longa duração e não apenas sobre a curta duração permitiria, sem dúvida, medir melhor as heranças e as modificações que se operam no decorrer das gerações. Limito-me a destacar duas etapas importantes deste processo. Uma das primeiras figuras desta profissionalização ocorre quando a antiga Cristandade se desmembra em confissões plurais e, nos países católicos, na dinâmica que segue o Concílio de Trento: ser cristão não é mais, como nos séculos passados, somente pertencer a uma comunidade, manifestando-se como tal, mas ser capaz de proclamar pessoalmente as verdades da fé e ser instruído sobre as verdades de sua religião. Nós temos, aliás, refletido o bastante sobre a mutação fundamental que uma tal definição pôde representar? Para dar apenas um exemplo, quando, no século XVIII, nos vilarejos da bacia parisiense, párocos jansenistas totalmente imbuídos de cultura urbana requisitaram de suas ovelhas iletradas um enunciado mínimo das verdades teológicas para poderem ter acesso à comunhão e estabelecer, com a mesma medida, uma espécie de exame de passagem, com seu lote de fracassos, eles excluem da sociedade dos adultos os jovens que têm entre quinze e dezoito anos. O recurso contra esta discriminação humilhante foi, por vezes, ocasião de uma missão jesuítica, no decorrer da qual os sacramentos eram distribuídos com maior indulgência; segue-se que, bem antes da obrigatoriedade escolar do século XIX, é colocada uma questão que continua extremamente atual: se a pertença a uma comunidade passa pelo domínio de um saber (aqui, catequético), que destino se deve reservar àqueles que não se consegue instruir? E a intransigência quanto ao nível de exigência não levará à rejeição dos mais desfavorecidos? (cf. Julia, 1988; Boutry, 1986). De resto, a rejeição não é unilateral, mas recíproca, pois aqueles que a religião rejeita estarão entre os primeiros a rejeitá-la: as regiões fortemente marcadas pelo jansenismo foram também aquelas entre as quais a “descristianização” foi mais forte. Seria conveniente analisar, sob este mesmo ponto de vista, os efeitos acarretados, do lado luterano ou calvinista, pela prática, muito precoce – e ela é atestada desde os séculos XVI e XVII – do exame feito na frente do pastor antes da confirmação; os pastores na verdade se perguntam: todos devem ser admitidos? Que cristãos serão esses que não sabem ler ou que, sabendo ler,

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não compreendem o que lêem?13. A importância concedida pela doutrina pietista à confirmação, nas igrejas luteranas, como afirmação pública de uma convicção interior diante da comunidade reunida, não só reforçou a pressão em favor da obrigatoriedade escolar, mas também de uma maior visibilidade do fracasso (cf. Liedtke, 1991). No século XVI, na conjuntura da reconquista religiosa que se incentiva, seja do herético, seja do selvagem do Novo Mundo, não é pois espantoso que, no seio da Igreja católica, as ordens religiosas missionárias tenham-se investido das tarefas de ensino que devem atingir a totalidade dos fiéis: as elites e o povo. Mas se notará imediatamente a divisão que se opera desde cedo nos meios moderados, onde já se pode observar um primeiro corte entre o que é um ensino elementar no sentido próprio do termo (os elementos da fé) e o que é uma instrução voltada para a formação superior: a missão, pregação extraordinária que retorna, no entanto, em intervalos regulares, é a modalidade escolhida para atingir o conjunto de uma população em que todas as idades estão misturadas (cf. Châtellier, 1993); o colégio destina-se às futuras elites e os jesuítas sempre manifestaram a maior reticência em admitir em seus colégios as classes ditas de abecedários, julgando que tal ensino dos rudimentos não estava previsto por suas funções. Não nos esqueçamos de que um dos principais objetivos de Inácio de Loyola é a recatolicização da Alemanha: esta passa por uma reconquista da nobreza alemã14 ; donde a preocupação de competição intelectual que visa a fazer dos colégios jesuítas alemães universidades completas, nas quais a qualidade dos ensinos ministrados deveria ser, ao menos, igual à das universidades luteranas. Não podemos nos espantar com o fato de que, muito cedo, as congregações que ensinam nos 13

Cf. a título de exemplificação, o catálogo dos alunos da paróquia de Lebus na Prússia, redigido em 1779 pelo pregador Baumann: dentre 34 alunos de 14 a 15 anos que se preparavam para a confirmação, 4 não conheciam as letras, 9 sabiam soletrar com dificuldade, 15 liam gaguejando e de maneira quase sempre incorreta; 6 liam com dificuldade e sem compreender (texto publicado por W. Neugebauer, 1992).

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Cf. A carta de Inácio de Loyola aos Companheiros que partem para a Alemanha, 24 de setembro de 1549 (Giuliani, 1991, pp.757-762); carta a Claude Jay, 8 de agosto de 1551 (Giuliani, 1991, pp. 793-795); carta a Albert V, duque da Baviera, 22 de setembro de 1551, Giuliani, 1991, pp. 798-801).

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colégios tenham estabelecido em seu proveito uma identificação sistemática das capacidades suscetíveis de oferecer ao corpo da Ordem as competências apropriadas ao ensino: as Constituições da Companhia de Jesus prevêem, antes do ingresso, um exame geral que comporta uma análise das qualidades intelectuais dos candidatos jesuítas, e elas sublinham a necessidade de desencorajar, no decorrer do curso, os que não sejam capazes de segui-lo, estando a Companhia de Jesus sempre livre para recusar, até os votos finais, aqueles que ela não considere adequados às tarefas de sua vocação. Os catálogos trienais, compostos em cada província e encaminhados a Roma, julgam aliás, regularmente, o ingenium (inteligência), a prudentia (perspicácia), a pietas (devoção) e as vires (quer dizer, a saúde) de cada membro, instituindo assim um controle de cada um deles, pelas autoridades centrais. Entre os oratorianos franceses, os registros do noviciado, onde são detalhadas as qualidades dos noviços, mantêm quatro critérios: além das qualidades físicas (um candidato que manca ou que gagueja será mais dificilmente aceito), entra em jogo a inclinação para as ciências (os espíritos “obtusos” ou “pequenos” não são particularmente apreciados, contrariamente aos espíritos “abertos” ou “ágeis”). Mas também entram em jogo a natureza (a um caráter “sombrio” ou “melancólico” será preferível uma natureza “doce” ou “dócil”) e naturalmente a piedade, o que parece, depois de tudo, bem normal, em uma congregação cuja finalidade é primeiramente religiosa. Quanto ao modo de recrutamento dos professores do colégio na antiga universidade de Paris, que não é uma congregação religiosa e que antes funciona como uma corporação medieval, ele assemelha-se a uma formação preceptoral: cabe ao principal de cada colégio identificar os melhores elementos, retêlos no colégio e ensinar-lhes o ofício progressivamente , dando-lhes provas para corrigir, exercícios a fazer ou aulas para substituir, antes de estabelecê-los definitivamente em uma cátedra. Aqui também entram em jogo, segundo matizes variáveis e difíceis de documentar, não somente a competência, mas também o caráter, a piedade e os costumes (cf. Julia, 1994). Com relação a essas corporações que se propõem a construir ou a manter uma sociedade católica por meio da educação e enquadramento de suas elites, a figura do mestre de escola elementar e particularmente a

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do mestre do campo continuaram pouco profissionalizadas por muito tempo. Em países católicos, pelo menos, a aprendizagem das verdades da salvação pôde ser feita por via puramente oral, através de um catecismo aprendido de cor, freqüentemente mesmo em dialeto, posto que a Igreja, diferentemente dos Estados, privilegia a língua vernácula local em detrimento da língua imposta pelo poder central: que necessidade então de um professor, se não se faz sentir a necessidade da escrita? A forma propriamente escolar, com um local separado da igreja e um pessoal apropriado, não é, portanto, consubstancial ao ensino da doutrina, que pode servir-se de canais menos formais. Por outro lado, a competência desses professores elementares dependeu largamente não só do nível de exigência manifestada pelas municipalidades, que os remuneravam, como também da importância dos honorários que elas podiam pagar. Já que nenhuma formação inicial comum lhes era dada, certamente é preciso admitir uma extrema heterogeneidade desse pessoal, que se dedicava, freqüentemente, a outras atividades. A preocupação de pôr fim à errância das crianças pobres da cidade e exercer um controle sobre seus comportamentos, que podiam ser delituosos, desencadeia, no fim do século XVII, a criação de uma figura original: o irmão-professor. Jean Baptiste de La Salle pode bem ser considerado um inovador incômodo, que rompe com a tradição das congregações religiosas quando decide fundar um instituto de leigos – os Irmãos das Escolas Cristãs não são padres – que se excluem, por vocação, da cultura das elites para se consagrarem às escolas de caridade destinadas aos mais pobres: eles não ensinarão o latim, mas somente os rudimentos do ler, do escrever e do contar e eles o farão em francês. Para essas categorias urbanas desfavorecidas, entre as quais a escrita não tinha penetrado – ou tinha pouca penetração – a formação de um habitus cristão será baseada em uma pedagogia escolarizada nos mínimos detalhes: emprego do tempo, curso gradual de aprendizagem da leitura e da escrita, tecnologias de transmissão e de disciplina, centros de formação para os mestres. Mas sabe-se bem, ao mesmo tempo, o quanto esta nova figura do mestre de escola continuou minoritária no Antigo Regime. Um contra-exemplo disso é fornecido pela congregação das Escolas Pias estabelecida por Joseph Calasanz para o mesmo objetivo do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs. Posto que seu fundador não

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havia expressamente proibido que seus membros fossem padres, não escapou à deriva que a levou a responsabilizar-se por colégios e pensionatos para a elite, notadamente na Europa Central. Nos países protestantes, a situação pôde variar consideravelmente, segundo os Estados. A Reforma luterana funda-se, no entanto, na idéia de que os Estados devem criar e manter as escolas: é com efeito necessário, como lembra Melanchthon, ensinar às crianças os princípios de uma vida cristã e piedosa. Sabe-se o papel decisivo desempenhado pelo Praeceptor Germaniae na inspiração das Schulordnungen, nos diferentes Estados alemães no século XVI; a Schulordnung editada para Saxe (1528) serviu de modelo para a maioria das demais15. Sem dúvida, a influência dos reformados foi mais sensível na instalação das escolas latinas que no estabelecimento de um ensino elementar; isto não impediu que a Reforma favorecesse largamente o desenvolvimento de um controle regular das escolas e dos mestres pelas autoridades laicas, o que pôde, por sua vez, favorecer a emergência de um perfil “profissional”. Aqui, é preciso permanecer extremamente prudente, distinguir entre mestres da cidade e mestres do campo, entre grandes e pequenos Estados. Segundo W. Neugebauer, que estudou a Prússia entre os séculos XVI e XVII, o Estado Moderno não tinha os meios para impor uma política escolar: a despeito da legislação, as escolas permaneceram sob o controle das autoridades locais – e em grande parte nas mãos do clero – até o fim do século XVIII; devido à mediocridade de seu salário, o professor primário rural era condenado a exercer uma atividade paralela, sendo ela, na maioria dos casos, a de alfaiate (Neugebauer, 1985). Não é certo, entretanto, que os resultados obtidos para a Prússia possam ser generalizados para o conjunto da Alemanha: a fragmentação territorial em múltiplos principados, freqüentemente minúsculos, que muitas vezes foi considerada pelos historiadores como uma fraqueza no plano do poder político, revela-se, aqui, como um trunfo, na medida em que a política dos príncipes, sendo exercida sobre um espaço mais reduzido, pôde assegurar o controle da aplicação de suas decisões e um enquadramento mais eficaz da socieda15

Cf. Paulsen (1919), G. Mertz (1902), R. Vormbaum (1860); para uma análise recente dos métodos e dos conteúdos, cf. Strauss (1978).

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de. A Kleinstaaterei serviu, na verdade, aos propósitos do absolutismo e, sem dúvida, contribuiu para melhorar a competência dos professores (cf. Vogler, 1975; Le Cam, 1992). Seria preciso, aqui, ainda estabelecer as cronologias exatas e se perguntar como o impulso vindo do alto pôde encontrar-se com as aspirações culturais oriundas das populações: em que momento e em quais meios é atestada a leitura intensiva da Bíblia no foro familiar? É certo que no interior do espaço luterano e calvinista do Norte da Europa defasagens importantes podem ser identificadas. Em todo caso, não se pode fazê-lo na Suécia, onde o aprendizado da leitura e do catecismo ocorreu sem a presença das escolas e por intermédio apenas do pastor que anotava os resultados de seus jovens discípulos tanto no que diz respeito à capacidade de leitura quanto à compreensão dos conteúdos; uma espécie de modelo: esta alfabetização que não conhece a forma escolar parece ser um caso inteiramente particular (cf. Johansson, 1981). A segunda etapa da profissionalização poderia ser situada no momento em que os Estados substituem as Igrejas e as corporações municipais no controle do ensino: esta etapa situa-se no fim do século XVIII e coincide com a supressão da Companhia de Jesus, que obrigou, durante um período muito breve – 15 anos, de 1759 a 1773 – os Estados católicos a considerar substitutos para os professores de mais ou menos 600 colégios, distribuídos por toda a Europa católica. Estudando de maneira comparativa os grandes Ratio studiorum editados pelos diferentes príncipes ilustrados, seria necessário examinar com atenção o leque das condições disponíveis para o professorado do ensino secundário: a virada maior me parece ser, aqui, a passagem de uma seleção discricionária que se operava no interior do corpo religioso pela única autoridade das congregações ou dos principais, para a do exame ou do concurso, que introduz uma visibilidade que repousa sobre provas escritas e orais codificadas; o exame ou o concurso definem, tanto na forma das provas como nos conteúdos dos saberes propostos aos candidatos, a base mínima de uma cultura profissional a se possuir. Não será mais possível, daqui por diante, eliminar um candidato, senão com provas ostensivas de incompetência relativas às próprias provas e não mais simples suspeitas. Seria precioso poder beneficiar-se de estudos transversais e diacrônicos de vários países que

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analisassem de maneira aprofundada este momento específico do recrutamento dos professores, levando em conta simultaneamente três termos, a fim de esboçar o que é a cultura do professor ideal no século XIX: a evolução dos autores no que se refere ao programa dos exames e dos concursos e dos assuntos das provas efetivamente aplicadas, as performances efetivamente realizadas pelos candidatos (que podem ser controladas quando são conservadas cópias das mesmas), os relatórios das bancas, que prestam conta das expectativas e dos desejos – satisfeitos ou não – dos examinadores. Para tomar o único exemplo do concurso de magistério francês para o ensino secundário no século XIX, recentemente estudado por André Chervel (1993), percebe-se que, desde então, a piedade ou o caráter não mais são objeto de prova (como no interior das antigas congregações educadoras); durante o período da Restauração (1815-1830) os candidatos ainda devem fornecer certificados sobre a ortodoxia de sua conduta religiosa e a conformidade de seu comportamento político aos princípios monárquicos. Sobretudo, um julgamento sobre os habitus dos candidatos é imperceptivelmente reintroduzido nas provas: o candidato dito “brilhante” se distingue do bom aluno, mais lento, por um domínio da argumentação oral ou da explicação, uma facilidade, um gosto, em resumo, uma gama de qualidades que remetem não tanto ao exercício propriamente dito, mas à natureza do candidato, ela mesma socialmente conotada. Ao mesmo tempo, os candidatos ao concurso magistério devem curvar-se a uma regra absoluta, a de se restringir aos limites do pensável autorizado no concurso. É por ter transgredido esta regra que o futuro historiador Hyppolite Taine, aluno da Escola Normal, que tinha todos os habitus requeridos para ser aceito em primeiro lugar no concurso de magistério de filosofia, em 1851, foi finalmente recusado: não tinha ele pretendido tratar das divisões da moral separando-a da existência divina? Nos tempos de ordem moral consecutivos à Revolução de 1848, uma tal audácia não era de modo algum admissível e o presidente da banca sublinhou as razões que levaram os examinadores a rejeitar “um jovem ávido de renome e pleno de confiança em si mesmo, que busca distinguir-se, desviando-se dos caminhos traçados”. O dever prescrevia à banca “desencorajar tentativas semelhantes [...] É útil advertir aqueles

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que se destinam ao ensino da moral que não se poderá ter toda a liberdade de inovar em semelhante matéria”. Para bom entendedor, meia palavra basta! A cultura escolar é efetivamente uma cultura conforme, e seria necessário definir, a cada período, os limites que traçam a fronteira do possível e do impossível. Seria conveniente desenvolver uma análise similar a propósito da figura do professor primário. Desde os primeiros seminários de professores primários e das primeiras escolas normais nascidas no domínio germânico no final do século XVIII, foi necessário um século para que emergisse, através de toda a Europa, seu novo perfil profissional. Seria necessário aqui avaliar as heranças do passado, que se desfazem muito lentamente – a profissão de professor primário não tinha sido pensada, até muito recentemente, como uma “vocação”, leiga certamente, e nos dois sentidos do termo; mas esta denominação religiosa não é sem significado. Seria necessário também entender como esta figura subalterna progressivamente tornou-se autônoma e definida nas competências de uma profissão muito diferente daquela do professor secundário. O professor primário não ministra um curso magistral, mas seu papel é fazer as crianças trabalhar, circular entre as carteiras para verificar como se desenvolvem as atividades de cada grupo (quando deve, por exemplo, dar aula em uma classe multiseriada), mandar um aluno para a lousa para a correção, constantemente dar conselhos ou ordens a fim de melhor administrar a sucessão dos exercícios que cada aluno não chega a realizar necessariamente no mesmo ritmo. Na memória dos professores primários, as lições da escola normal não os preparava, de modo algum, para esta gestão cotidiana das práticas da sala de aula; donde sua bulimia pela leitura de revistas pedagógicas, onde eles esperavam encontrar suportes para a sua inexperiência (cf. Ozouf et al., 1992). Contrariamente ao trabalho do professor do ensino secundário, no do professor primário existe uma espécie de corpo a corpo físico com a aula do qual seria preciso reconstituir as modalidades históricas (cf. Chartier, 1992). A separação institucional das duas ordens de ensino, as finalidades completamente distintas que elas perseguiam (a instrução obrigatória de todo um povo, de um lado, o ensino de uma parte das elites, do outro) não puderam senão acentuar a oposição de duas culturas, primária e secundária.

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Conteúdos ensinados e práticas escolares A análise precedente remete-nos a um estudo daquilo que hoje se chama disciplinas escolares: estas não são nem uma vulgarização nem uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que põe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar. Como notou muito bem André Chervel, as disciplinas escolares são inseparáveis das finalidades educativas, no sentido amplo do termo “escola”, e constituem “um conjunto complexo que não se reduz aos ensinos explícitos e programados”16. O ensino clássico, tanto no Antigo Regime quanto no século XIX, comportava também toda uma educação moral contínua, através dos modelos propostos às crianças como exemplo na escolha das versões, dos temas ou dos assuntos a serem desenvolvidos. E não se pode esquecer que a inércia do sistema pode efetivamente mascarar, para os próprios agentes, as finalidades reais das disciplinas que ensinam: um exemplo manifesto disso é o desenvolvimento e o uso da gramática escolar do francês, concebida de início como um simples auxiliar da aprendizagem da ortografia e transformada pouco a pouco em finalidade em si mesma da escola primária. Contrariamente às idéias recebidas, o estudo histórico das disciplinas escolares mostra que, diante das disposições gerais atribuídas pela sociedade à escola, os professores dispõem de uma ampla liberdade de manobra: a escola não é o lugar da rotina e da coação e o professor não é o agente de uma didática que lhe seria imposta de fora. Mesmo se a corporação à qual pertence exerce uma pressão – quer se trate de visitantes de uma congregação, ou de inspetores de diversas ordens de ensino –, ele sempre tem a possibilidade de questionar a natureza de seu ensino; sendo a liberdade evidentemente muito maior nas margens do sistema (nos internatos ou junto ao preceptorado que pode ser exercido depois da aula). De fato, a única restrição exercida sobre o professor é o grupo de alunos que tem diante de si, isto é, os saberes que funcionam e os que “não funcionam” diante deste público. Os professores primários interrogados por Jacques Ozouf

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Nós nos inspiramos aqui nas reflexões pertinentes propostas por A. Chervel em artigo publicado em 1988.

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sublinham com encantamento o sentimento de ser rei no seu reino que experimentavam quando entravam na sua sala de aula, orgulhando-se de sua destreza e dos procedimentos que inventaram, procurando submeter a renovação da pedagogia às restrições de uma instrução coletiva (Ozouf et al., 1992). Fazer um inventário sistemático destas práticas, período por período, constituiria, a meu ver, um campo de trabalho efetivamente interessante: ele permitiria compreender as modificações, freqüentemente insensíveis, que surgem de geração em geração. Aliás, é a mudança de público que impõe freqüentemente a mudança dos conteúdos ensinados. Uma das primeiras gramáticas escolares do francês (a de Noël e Chapsal) foi abandonada a partir do momento em que o ensino primário tornou-se um ensino de massa. Seu conteúdo era julgado demasiado complicado, e era necessário chegar rapidamente a uma simplificação dos métodos e dos exercícios (cf. Chervel, 1977). Convém examinar atentamente a evolução das disciplinares escolares, levando em conta diversos elementos que, em ordem de importância variada, compõem esta estranha alquimia: os conteúdos ensinados, os exercícios, as práticas de motivação e de estimulação dos alunos, que fazem parte destas “inovações” que não são vistas, as provas de natureza quantitativa que asseguram o controle das aquisições. Aqui, vou-me deter sobre apenas duas delas. Sobre os conteúdos ensinados, muito trabalho já foi feito e bem feito. Em particular sobre os manuais escolares (cf. Choppin, 1993). Mas eu gostaria de fazer uma dupla advertência: o manual escolar não é nada sem o uso que dele for realmente feito, tanto pelo aluno como pelo professor. Por outro lado, não temos tido muito freqüentemente a tendência de fazer uma análise puramente ideológica desses manuais, que frisa o anacronismo? É claro que uma das razões maiores da crise da escola contemporânea e do universalismo laico que a fundamenta foi a descolonização: havia para os republicanos continuidade da emancipação pela escola na emancipação pela colonização. E os professores primários da Terceira República, interrogados em plena guerra da Argélia na década de 1960, reconheciam facilmente, acerca disso, que seus olhos se abriram muito tardiamente: sim, vibraram em uníssono com as conquistas que separavam os nativos dos feiticeiros e potentados locais e transformavam os pequenos selva-

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gens em civilizados; sim, a política colonial parecia-lhes uma necessidade, pois se tratava de acelerar o acesso de todos os povos à razão. É conveniente, portanto, recontextualizar muito precisamente os manuais em sua circunstância histórica (cf. Ozouf et al., 1992). Aqui, dois tipos de pesquisas poderiam trazer resultados convincentes: a primeira seria analisar sistematicamente o gesto que consistiu em expurgar os autores clássicos antigos e reescrevê-los sem cerimônia, como o fizeram os jesuítas, preocupados em não permitir que seus alunos conhecessem as indecências de um Terêncio ou de um Marcial17; a outra seria fazer, a longo prazo, uma comparação internacional do cânone dos autores ensinados tanto no nível primário como no secundário, e que são promovidos à dignidade de autores cujos textos são propostos para a meditação dos candidatos dos exames e concursos. Na França, em um século XIX que vai até 1880, o cânone dos autores clássicos tende a se organizar, no ensino secundário, em torno de alguns autores maiores do século de Luis XIV, enquanto que quatro autores sobre cinco citados nos manuais de ensino primário pertencem ao século XIX. O cânone, no ensino secundário, alarga-se em seguida ao século XVI e ao século XIX, segundo uma nomenclatura que praticamente não é mudada até os anos de 1960. É sintomático constatar que a explosão deste cânone coincide com a explosão escolar que caracterizou o decênio de 1960 (cf. Milo, 1986; Chervel, 1986). Tratando-se dos exercícios escolares, parece-me que o terreno acaba de se abrir e que nós estamos no coração mesmo da caixa preta da qual eu falava na introdução. Os primeiros resultados adquiridos são suficientemente promissores para que possamos esperar muito ainda desse lado: a variação das performances escolares identificadas nos mesmos ditados, com um século de intervalo, permitiu medir como mudou a relação dos franceses com a sua própria língua. O exercício de versão latina no século XVIII não é percebido pelos alunos nem corrigido do mesmo modo pelos professores no século XVIII e no século XX. O estudo diacrônico dos exercícios nos introduz, portanto, em uma historicização das modali17

Cf. sobre este ponto, algumas indicações rápidas em F. de Dainville (1940); cf. também P.-A. Fabre (a ser publicado).

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dades de relacionamento com a escrita escolar: neste campo ainda novo onde podemos enfim perceber concretamente a distância entre a realidade e a ambição inicial e a norma prescrita, tudo, ou quase tudo está por ser feito.

Conclusão Tenho plena consciência de aqui ter tratado apenas de uma ínfima parte do assunto que escolhi para falar. Gostaria, ao menos, de assinalar três lacunas de minha exposição que me parecem importantes: 1º) Não falei sobre a inculcação dos habitus tal como ela foi operada no espaço escolar: habitus cristãos, habitus cívicos, ou simplesmente civilidade pueril e discreta. Seria preciso, aqui, poder acompanhar, a longo prazo, os manuais de piedade e de civilidade, identificar a evolução dos mesmos, mensurando a atenção que conferem às hierarquias sociais, mas também distinguindo o que provém do fundo muito antigo dos Padres da Igreja, o que vem da civilidade de Erasmo ou de seus contemporâneos, e o que é acrescentado pelos manuais escolares ao longo das gerações (cf. Elias, 1939; Chartier, 1986; Revel, 1986). Mas em retrospectiva e no mesmo movimento, seria preciso recolher, através das autobiografias, como através de uma história oral, questionando as antigas gerações, tudo o que de uma cultura tradicional, ou de uma cultura específica de determinado grupo social, pôde resistir à tentativa de aculturação da escola, tudo que também pôde acolhê-la e sustentála. Todos sabem que os professores não conhecem tudo que se passa nos pátios de recreio, que existe, há séculos, um folclore obsceno das crianças (cf. Gaignebet, 1974) e hoje, como ontem (pensemos nas antigas abadias da juventude)18, existe uma cultura dos jovens que resiste ao que se pretende inculcar: espaços de jogos e de astú18

Cf. por exemplo, N. Zemon Davis (1971); para um exemplo regional, cf. N. Pellegrin (1982).

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cias infantis desafiam o esforço de disciplinamento. Essa cultura infantil, no sentido antropológico do termo, é tão importante de ser estudada como o trabalho de inculcação. 2º) Seria conveniente analisar atentamente as transferências culturais que foram operadas da escola em direção a outros setores da sociedade em termos de formas e de conteúdos e, inversamente, as transferências culturais operadas a partir de outros setores em direção à escola. A quais retraduções específicas procede a escola quando ela deixa passar no seu próprio dispositivo aprendizagens que não eram propriamente escolares e dependiam de culturas “profissionais”? Como, por exemplo, as aprendizagens da cultura comercial transmitidas nas lojas dos grandes negociantes foram escolarizadas? (cf. Hébrard, 1988). Segundo quais modalidades e quais inflexões a pedagogia da história que era reservada à educação do príncipe transformou-se, no século XIX, em uma disciplina própria dos colégios secundários? Como são reintroduzidos na escola, hoje, certos procedimentos que já tiveram sucesso na formação dos adultos? 3°) Última pergunta, mas não a menos desprovida de sentido: o que sobra da escola após a escola? Quais marcas ela realmente imprimiu nos indivíduos de uma sociedade onde há efetivamente sempre mais escola, já que a formação não pára de se prolongar (e os orçamentos nacionais para a educação vêem suas despesas aumentarem de maneira exponencial), mas onde a escola sofre a concorrência dos media infinitamente mais fortes, como a televisão? Quais são hoje os poderes reais da escola nas sociedades onde não só não existe uma religião majoritária, mas onde desmoronaram também as esperanças de uma regulação comum dos costumes por uma crença comum, uma religião “civil”, quer se trate da fé na nação, no progresso ou no triunfo do proletariado? Nós vivemos um momento inédito da história, o da individualização das crenças, em que a escola deve repensar sua articulação entre a sua visada universalista e o pluralismo do público que ela recebe, entre a esfera pública e a vida privada, protegendo a infância das agressões do mundo adulto, sem, contudo, deixá-la ignorar os conflitos que o atravessam. O tema da cultura escolar nos remete, assim, ao problema central da

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transmissão: as rupturas culturais vividas no curso dos últimos trinta anos não questionaram, primeiramente, toda idéia de tradição (no sentido etimológico do termo) e não estamos mais distanciados da geração dos homens que tinham vinte anos em 1945 que eles mesmos o estavam dos homens do século XVIII?

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Notas de Lugar Nenhum: sobre os primórdios da escolarização moderna David Hamilton* Tradução de Luiz Ramires** Este artigo trata das iniciativas inovadoras nos métodos de ensino empreendidas por autores como Hoole e Comenius no século XVII. As inovações introduzidas por eles não só representavam reformulações herdadas de períodos mais remotos, como também contribuíram para a reconfiguração da política e a ascensão do Estado Moderno. Centrado na questão da emergência paralela da escolarização moderna e do Estado Moderno, o autor investe na crítica às leituras evolucionárias a partir de uma história cultural que lhe dá sustento para afirmar a tese de que a escolarização moderna não teve ancestrais institucionais. Como argumentos em favor da sua tese, ao autor opera duplo movimento: uma preliminar crítica historiográfica, pautada em fontes originais, mas subjugadas por um arcabouço darwiniano de interpretação, e uma subseqüente exposição de complexos meandros por meio dos quais idéias e práticas desordenadas combinaram-se para dar nascimento à escolarização moderna. HISTÓRIA DA ESCOLA; ESCOLARIZAÇÃO MODERNA; MÉTODOS DE ENSINO: HISTÓRIA; HISTÓRIA CULTURAL DA EDUCAÇÃO.

This chapter deals with the innovating initiatives in the teaching methods taken by authors such as Hoole and Comenius in the sixteenth century. The innovations introduced not only represented a rework on ideas from remote ages but also contributed to reconfigure politics and the rise of the modern state. Focused on the parallel of modern schooling and the modern state, David Hamilton fosters as critical view on the evolutionary readings from a cultural history that provides him with support to assert the idea that modern schooling did not have institutional ancestors. As a supportive argument to his assumption, Hamilton operates a dual movement: a preliminary historiographical critique, based on original sources but subjugated by a Darwinian interpretative framework and a subsequent exposition of complex pathways through which disorderly ideas and practices intermingled to give birth to modern schooling. HISTORY OF SCHOOL; MODERN SCHOOLING; TEACHING METHODS: HISTORY; CULTURAL HISTORY OF EDUCATION.

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David Hamilton (1943 - ) é professor de Educação na Universidade de Umeå, Suécia. “Notas de Lugar Nenhum” foi escrito quando ele era professor de Educação na Universidade de Liverpool. Seus interesses em pesquisa derivam de uma crença de que a educação é um assunto mais profissional do que acadêmico. Além de estar trabalhando num livro sobre as origens da escolarização moderna, ele também dedica-se a explorar a relação entre pesquisa e prática educacional. Dentre as suas inúmeras publicações, merecem destaque duas de suas obras: Learning about Education: An Unfinished Curriculum (1995, Philadelphia, Open University Press); e, Towards a Theory of Schooling (1989, East Sussex, The Falmer Press).

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O presente texto de tradução contou com a revisão técnica de Mirian Warde.

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O livro A New Discovery of the Old Art of Teaching Schoole, de Charles Hoole, foi publicado em 1660. Compreende “quatro pequenos tratados” que relatam o “método e a ordem” e que “concernem à profissão de mestre-escola”. Charles Hoole (1610-1667) reuniu essas idéias quando era um aluno do liceu em sua cidade natal de Wakefield (Yorkshire), mais tarde como estudante do Colégio Lincoln (Oxford), e ao longo de trinta anos lecionando em “escola pública” em Roterdã, Londres e Essex. O “pequeno manual” de Hoole, entretanto, foi mais do que um compêndio de procedimentos educacionais. Como Hoole proclamava, era também uma “nova descoberta” da “velha arte”. Hoole utilizou fontes e idéias clássicas, e o que ele trouxe de novo – um significado próprio do século XVII para o termo “descoberta” – foi a conversão da velha arte numa forma que, em sua percepção, pudesse ser adotada por seus contemporâneos. Uma nova edição do manual de Hoole foi publicada em 1913; editada e apresentada por Ernest Trafford Campagnac, classicista e professor de Educação na Universidade de Liverpool, de 1908 a 1938. Aos olhos de Campagnac, a obra de Hoole tem uma dupla significação. Primeiro, ela “merece atenção” porque trata-se de “uma das mais ricas fontes de história da educação”. E, em segundo lugar, Campagnac achava que a obra de Hoole merecia ser republicada porque ainda era “acessível” aos “professores do nosso tempo”. Nela “ainda poder-se-ia”, sugeria ele, “encontrar utilidade prática”. Hoole não estava sozinho em seus esforços de repensar a prática educacional. Outros escritores do século XVII empreenderam esforços semelhantes para retomar e retrabalhar a sabedoria cumulativa dos séculos anteriores. De fato, o mais famoso inovador educacional europeu do período foi John Amos Comenius (1592-1670), um tcheco que falava quatro idiomas e viajava por toda a Europa. A Reformation of Schooles de Comenius – uma “reforma geral do aprendizado comum” – aparecera em inglês em 1642. Expressava a convicção do autor de que “métodos digressivos concebidos por cérebros fantasiosos” poderiam ser “retirados do caminho” e que “finalmente poder-se-ia lidar com todas as coisas numa única ordem e método”. Inovadores acadêmicos, como Hoole e Comenius, representaram um movimento reformista e modernista no pensamento educacional. Refor-

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mularam uma herança educacional que remontava à Reforma e ao Renascimento, recuando até idéias clássicas da Idade Média. Mas Comenius e Hoole não estavam buscando um retorno a um passado mítico. Reconheciam, ao contrário, que antigas idéias poderiam ser mobilizadas no interesse da inovação. Seus escritos, portanto, foram contribuições a uma transformação social muito mais ampla – a reconfiguração da política e a ascensão do Estado Moderno. Desse modo, no microcosmo, o quarto tratado de Hoole, Scholastic Discipline or the Way of Order in Grammar Schoole, era uma codificação ou representação da disciplina e da ordem do Estado Moderno. É contra esse pano de fundo político – a emergência paralela da escolarização moderna e do Estado Moderno – que obras como A Reformation of Schooles e A New Discovery of the Old Art of Teaching Schoole devem ser avaliadas.

Notas de Lugar Nenhum Mas de onde se originou a escolarização moderna? E por que ela assumiu as formas revistas e divulgadas por Hoole, Comenius e outros? A primeira dessas questões é tipicamente respondida pela forma adotada por Hoole: a nova (ou moderna) escolarização emergiu da escolarização antiga. Tais pressupostos, entretanto, são imediatamente limitadores. Eles dão atenção preferencial à continuidade em detrimento da mudança. Destacam a evolução ao invés da gênese das instituições sociais. Além disso, tais histórias evolucionárias – às vezes caracterizadas como histórias no estilo “uma droga após a outra” – são comparativamente fáceis de construir. Elas recontam as mudanças em termos de seqüências e conseqüências numa instituição já existente. Escorregando confortavelmente na suave trilha “darwiniana” (Grafton, 1983, p. 73), suas narrativas apresentam entraves injustificáveis. A complexidade do registro histórico é simplificada, mas não esclarecida. Este artigo não apela para a lógica – ou os atalhos – da história evolucionária. Busca entendimento em outro lugar – nos domínios da história cultural. Sua perspectiva é a de que os escritos históricos não são nunca abstratos, jamais são lineares. Eles não apenas interpretam as evi-

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dências, mas também representam uma resposta a debates contemporâneos. Constituem um diálogo entre o presente e o passado. Assim, a história cultural deve destacar essa dialética. Mais ainda, deve encontrar caminhos para reconhecer, e até celebrar, a existência desse diálogo, a reflexividade explícita do autor e – o que não é pouco – a permanente historicidade dos esforços do autor. Este artigo reconhece a fecundidade da referência de Walter Ong à “crise”, impelida pelo humanismo, que “resistiu à organização curricular como um todo e à profissão docente como tal” (Ong, 1958, p. 166). Ele vê possibilidades na afirmação de Terrence Heath de que “apesar da concordância geral sobre o que aconteceu, a história da mudança no interior das escolas e do currículo é pouco conhecida” (Heath, 1971, p. 9). Inspira-se nos revisionistas que estão reavaliando os “humanistas que revolucionaram as escolas secundárias e as faculdades de artes na Europa do Renascimento” (Grafton & Jardine, 1986, p. xii). E, acima de tudo, busca ir além das práticas historiográficas – ora hagiográficas, ora celebratórias ou predatórias – que debilitaram os estudos educacionais de língua inglesa por mais de um século. Da mesma forma, este ensaio parte de um pressuposto excêntrico (fora do centro): o de que a escolarização moderna não teve ancestrais institucionais. Se, por um lado, é conscientemente desafiadora e desconfortante, essa premissa de trabalho – de que a escolarização moderna veio de lugar nenhum – é também libertadora. Ela desatrela a investigação da escolarização moderna do curso da teorização linear, que coloca uma coisa após a outra. Dois recentes relatos de práticas educacionais anteriores ao século XVII – The Growth of English Schooling 1340-1548 (Moran, 1985) e Schooling in Renaissance Italy 1300-1600 (Grendler, 1989) – ilustram esses problemas da busca de caminhos. Tanto Moran quanto Grendler identificaram e analisaram novas fontes; mas, ao mesmo tempo, também se depararam com problemas recorrentes de interpretação. Grendler, por exemplo, lutou com o problema de que: o uso de scholas (escolas) nos documentos acadêmicos da Renascença, inclusive textos jesuítas do final do século XVI, é um pouco desconcertante.

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Pode-se traduzir a expressão tenet scholas [mantém escolas] mais literalmente como “mantém classes” ou “leciona”. Mas o sentido é “leciona escola” [p. 24n].

Três comentários podem ser feitos em relação a essa reveladora nota de rodapé. Primeiro, Grendler observou a ausência da palavra “classes”. Segundo ponto, ele traduziu um plural do latim (scholas) para um singular em inglês (school, isto é, escola). E, em terceiro lugar, ele observou a persistência de schola em “textos jesuítas” posteriores. Felizmente, o desconforto de Grendler pode ser aliviado. A palavra classe não reaparece nos documentos da Renascença até as primeiras décadas do século XVI (ver Hamilton, 1989, 2º capítulo). Enquanto isso, schola podia referir-se a um grupo de pessoas (cf. uma escola de pensamento), ao passo que o termo scholas remetia a grupos de pessoas (cf. classes). E, finalmente, as inovações educacionais associadas à reintrodução da palavra latina classis parece ter ocorrido anteriormente em escritos protestantes da Europa do Norte mais do que entre católicos europeus do Sul. Moran experimenta sentimentos comparáveis de apreensão. Sua narrativa evolucionária contém uma variedade de comentários qualificadores. Muitas escolas elementares, escreve ela, foram “transitórias” (1985, p. 222). O referido “status e treino do mestre de escola” era “repleto de ambigüidades” (p. 71). Tinha “um quê de mistério” no fato de ela encontrar “tão poucas” cópias manuscritas da “mais simples cartilha primária inglesa” (p. 44). E ela só conseguiu encontrar provas “não muito satisfatórias” do “uso de cartilhas inglesas nas escolas” (p. 45). O comentário de Moran sugere que existia uma tensão entre a (des)organização do ensino e as (claramente definidas) estruturas de escolarização. Embora a “confusão” dos deveres docentes não fosse “incomum durante este período”, Moran observa que é possível perceber “níveis separados de educação e mesmo escolas separadas” naquele momento (p. 56). No geral, parece que Moran projeta seus dados sobre um pano de fundo interpretativo de ordem social e estabilidade social. Outros comentadores, entretanto, talvez se sentissem mais à vontade utilizando os mesmos dados como índices de fluxo social e transitoriedade institucional.

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A ainda nascente e problemática estabilidade das escolas medievais é, contudo, sensivelmente reconhecida em Education and Society in Medieval and Renaissance England (Orme, 1989). Orme tinha bastante consciência, por exemplo, de que “só depois da conquista normanda, no final dos séculos XI e XII, é que as escolas começam a ser mencionadas com instituições separadas em lugares particulares e com número significativo” (pp. 3-4). No entanto, como Orme também aceita – e Moran demonstra – tais agências educacionais não foram distinta ou seguramente localizadas no interior de seu tecido social. “A maioria dos pensadores e escritores medievais”, conclui Orme, “não conseguiu distinguir as crianças como um grupo separado, ou a educação como um processo distinto da vida humana em geral” (p. 156). Moran e Grendler descobriram evidências valiosas; mas depararamse com manifesta dificuldade em divisar e apresentar suas interpretações. Escreveram com confiança sobre uma época em que as manifestações da escola e da escolarização estão desigualmente delineadas no registro histórico. Durante aquele período, por exemplo, estava apenas começando a tornar-se justificável distinguir o ensino doméstico do ensino escolar. Referências ao professor e ao ato de ensinar, portanto, não devem ser lidas como referências à escola e à escolarização. Nem a diversidade na existência de escolas deve ser equiparada a um sistema escolar com administração centralizada. Em suma, a prática educacional medieval não desfrutou da infra-estrutura conceitual que dá suporte ao arcabouço da escolarização moderna. Foi Arthur Francis Leach a “pedra de toque” que contrabandeou tal infra-estrutura para a interpretação (em língua inglesa) da provisão escolar na Idade Média. Suas pesquisas de trinta anos sobre The Schools of Medieval England (Leach, 1915) “constituíram a base de todo o trabalho posterior sobre a escolarização medieval e na Reforma até a publicação de English Schools in the Middle Ages, de Nicholas Orme, em 1973” (Moran, 1985, p. 4). No entanto, como observa Moran, Leach deparou-se com o mesmo tipo de dificuldades interpretativas que perturbaram gerações de seus sucessores intelectuais. As alegações de Leach, sugere ela, “nem sempre eram dotadas de suficiente apoio de suas fontes” (p. 3). Ele, também, fora compelido a explicações anacrônicas, ba-

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seadas na ordem e na estabilidade sociais. Pode-se imputar a ele, por exemplo, a defesa da existência, durante séculos, de uma escola a partir de “um ou dois registros”; da mesma forma como era “inclinado” a afirmar a “existência de uma escola elementar” quando os documentos originais referiam-se exclusivamente ao “ensino de jovens crianças” (p. 5, grifo meu). As evidências reunidas por Leach e seus sucessores iluminam as práticas e as mudanças educacionais durante a Idade Média. Mas a implicação – patente nos títulos de seus livros – de que tais mudanças também constituíram a institucionalização e sistematização em bloco da prática educacional é, a meu ver, um injustificado reducionismo do registro histórico. A atividade docente fora conscientemente organizada e debatida desde os tempos clássicos. Mas a consolidação e a persistência de tais atividades – “separadas da vida humana em geral” (grifo meu) – foi um processo diferente. A história da escolarização não é idêntica à história da educação; esse é um vigoroso argumento defendido por outra análise revisionista expressa no livro The Social Origins of English Education de Joan Simon (1971). As escolas da Inglaterra medieval devem ser lembradas, talvez, não como o sementeiro cuidadosamente organizado da escolarização moderna mas, ao contrário, em termos evolucionários, como os chamados “esportes” não domesticados (variações acidentais ou anormais). Essas escolas foram muito mais precursores mal nutridos do que robustos arautos da escolarização moderna. Não sobreviveram intactas. Ao invés, foram significativamente obliteradas por outros desenvolvimentos que são o tema do restante deste artigo. Este ensaio, então, tenta evitar o conservadorismo limitado dos relatos convencionais. Ele examina as fontes secundárias que vão desde a descoberta de uma versão completa de Institutio oratoria, de Quintiliano, no início do século XV, até o aparecimento de A New Discovery of the Old Art of Teaching Schoole, de Hoole, em meados do século XVII. No processo, presta-se particular atenção à teia de ênfases educacionais – tais como o livro-texto, o currículo, a catequese, a disciplina e a didática – que conferiram identidade cultural tanto à escolarização moderna quanto à sociedade européia moderna.

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O Status Mutante do Conhecimento Um dos principais processos de remodelação, trazido pelo Renascimento, foi a reconfiguração da base do conhecimento educacional da Academia. Fontes clássicas (p.ex. Aristóteles, Cícero) foram ressuscitados, revisados e, acima de tudo, retrabalhados. Ostensivamente, essa renovação tinha um propósito conservador – a fiel recuperação de textos corrompidos por repetidas cópias e/ou más traduções medievais. Os tradutores medievais trabalhavam de acordo com o princípio verbum et verbo (palavra por palavra). Suas convenções, entretanto, foram contestadas pelos gregos que se estabeleceram na Itália (p.ex. Manuel Chrysoloras, c1350-1414), por italianos nativos que haviam estudado na Grécia (p.ex. Guarino de Verona, 1374-1460) e por pessoas associadas aos tradutores gregos recém-chegados (p.ex. Leonardo Bruni, c1369-1444). Bruni, por exemplo, procurava representar frases inteiras em grego na forma de construções aceitáveis em latim; e rejeitava a transliteração de termos técnicos gregos em neologismos medievais ou latim barbarizado. Além disso, uma maior atenção às fontes também conduziu a uma consciência mais aguçada das circunstâncias que cercavam sua criação original. Honrar a elegância e a retórica da voz de um autor era, assim acreditavam os tradutores renascentistas, essencial à preservação do significado de um autor. O grego clássico, na opinião deles, merecia tradução para o latim clássico e para o medieval. E essa autoconsciência era claramente articulada nos comentários, anotações e até mesmo nas “polêmicas”, que acompanhavam seus esforços humanistas (Schmitt, 1983, p. 64). A influência dessas novas traduções e práticas afins foi multiplicada pelo advento da imprensa de tipos móveis (ver, por exemplo, Eisenstein, 1979). No final do século XV, praticamente todo o corpus de Aristóteles tinha, segundo Schmitt, sido “recém passado para o latim” e, no século seguinte, “foram feitas mais novas traduções de muitas obras e revisões de traduções já existentes [...] do que durante todos os séculos anteriores juntos” (1983, pp. 68, 70). Mas a combinação das novas técnicas de impressão e das novas téc-

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nicas de tradução também teve uma conseqüência qualitativa. As bases racionais da tradução renascentista também transformaram gradativamente em intencionais as práticas de adaptação e retificação. Começaram a surgir textos não tanto em diferentes traduções mas também em diferentes versões. Foram produzidas, por exemplo, na forma de edições, exposições, paráfrases, catecismo e compêndios paralelos. De fato, muitas dessas versões também foram produzidas para “uso na sala de aula” (Schmitt, 1988, p. 792), presumivelmente por tradutores que também atuavam como professores. Esse último desenvolvimento é de suprema importância educacional. De acordo com Schmitt, as variantes de sala de aula (p. ex. sumários estruturados) tornaram-se “cada vez mais populares durante fins do século XVI e dominaram os cem anos seguintes”. Além disso, os comentários de Schmitt implicam que essas novas variantes também começaram a impingir-se sobre a linguagem da prática educacional. Sua introdução correspondeu a uma redefinição do termo cursus (curso) o qual, sugere ele, foi “utilizado nesse sentido, pela primeira vez, no final do século XVI” (1988, p. 792). Não é, portanto, acidental que a palavra cursus tenha tomado tal forma simultaneamente à entrada da palavra “curriculum” no léxico educacional (ver Hamilton, 1989, 2º capítulo).

Pedagogia e Didática Como já foi indicado, os textos do século XVI vieram a se organizar visando uma gama de finalidades educacionais. Tais textos podem ser dispostos na forma de um continuum. Numa extremidade estão os textos educacionais destinados aos pais; ao mesmo tempo, no outro extremo, estão os textos reformulados para os professores escolares. Os primeiros atendem a propósitos pedagógicos (isto é, voltam-se à criação dos filhos); ao passo que os últimos podem ser caracterizados como dispositivos didáticos (isto é, destinam-se à instrução). Na mesma linha, ainda, os materiais elaborados visando a auto-instrução podem ser designados como textos autodidáticos. Com efeito, a inovação educacional do século XVI possibilitou uma distinção entre a pedagogia e a didática.

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A obra A New Discovery of the Old Art of Teaching Schoole (Hoole, 1660) encaixa-se inequivocamente no gênero didático. Mas não é tão fácil categorizar muitos de seus precursores. As práticas pedagógicas e didáticas se sobrepuseram e foram facilmente fundidas nos escritos educacionais do século XVI. Essa não separação dos conceitos educacionais, já abordada com relação ao uso no início do Renascimento dos termos schola e classis, é ilustrada num relato germinal das práticas educacionais do século XVI – William Shakespeare’s Small Latine & Lesse Greeke, de T.W. Baldwin (1944). O título de Baldwin advém de Ben Jonson (1572-1637) que alegava que Shakespeare tinha recebido apenas uma educação clássica perfunctória (daí o uso de “pouco latim e menos grego”). Jonson acreditava, portanto, que a Shakespeare faltava a erudição esperada de alguém que havia concluído um curso escolar (ver Baldwin, 1944, vol. 1, pp. 2, 9). O obra de Baldwin, com 1525 páginas em dois volumes, reavalia a declaração de Jonson contra o pano de fundo das práticas e influências educacionais quinhentistas: Se Shakespeare freqüentou ou não um único dia sequer uma escola menor ou um liceu, o certo é que essa escola e esse liceu exerceram uma poderosa influência modeladora sobre ele, já que influíam – e seu intuito era esse – sobre a sociedade como um todo em sua época. Diretamente e através desses outros instrumentos, Shakespeare seria moldado [p. vii].

Baldwin conclui que “carece absolutamente de importância o fato de Shakespeare ter ou não concluído o liceu” (vol. 2, p. 663). Se absorveu “do ar” ou adquiriu através de “exercícios formais” ou da “bagagem acumulada” do Renascimento e da Reforma, tais idéias difundiram não apenas práticas escolares mas também cenários culturais “menos formais” do mesmo período (vol. 2, pp. 663-664). Provas adicionais do entrelaçamento da pedagogia com a didática podem ser encontradas em outras publicações do século XVI. A problemática diferenciação entre formação e escolarização é evidente, por exemplo, no títulos e conteúdos de obras tais como Boke Named the Gouvernour (1531) e The Education or Bringing Up of Children (c1533),

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de Thomas Elyot, Scholemaster (1570) de Roger Ascham e The First Part of the Elementarie (1582) de Richard Mulcaster. Os livros de Elyot e Ascham “pretendiam ser guias para a correta educação dos filhos da nobreza e dos fidalgos” (Pepper, 1966, pp. viiviii). Traziam uma dimensão normativa (ou reformativa) às discussões sobre formação. Apesar do título de Ascham, tais argumentos estavam distantes da organização das escolas. Nem Elyot nem Ascham jamais haviam sido “mestre de um liceu”. De fato, de acordo com Pepper, a “primeira” obra a abordar o currículo das escolas comuns inglesas numa “peça sistemática de exposição detalhada “ (p. vii) surgiu um pouco depois e era The Education of Children in Learning de William Kempe (1588). Mulcaster, em contrapartida, parece ter ficado a meio termo entre as práticas pedagógicas e didáticas. Seguiu o mesmo estilo prescritivo – os dos guias para a “correta” educação – tal como Elyot e Ascham. No entanto, apesar de atuar como mestre-escola em Londres por cinqüenta anos, “em lugar nenhum” Mulcaster “descreveu [...] o real currículo das escolas nas quais lecionou “ (Pepper, 1966, p. viii). A dificuldade de interpretação do uso quinhentista do termo “mestreescola” também cerca a palavra grega pedagogus. Deveria ser a mesma traduzida, por exemplo, como servo, mentor, tutor ou professor? Será que denota um servo doméstico que cuidava da criação de um jovem? Tais servos tinham responsabilidades como mentores (isto é, de aconselhamento)? Ou poderiam encarregar-se da instrução didática ativa daqueles sob seus cuidados? Na prática, esses papéis provavelmente se sobrepunham – como era o caso, por exemplo, quando os servos não apenas acompanhavam os jovens até colégios distantes mas também participavam – como acompanhantes, mentores, tutores e instrutores – no progresso de seus estudos colegiais (ver, por exemplo, Grafton & Jardine, 1986, pp. 149-157). Essas dificuldades de tradução, entretanto, não precisam ser encaradas como resultantes de uma confusão conceitual. Ao contrário, são uma função de circunstâncias educacionais fluidas – ou assimétricas – do século XVII. Práticas duradouras de formação de crianças (isto é, pedagógicas) tornaram-se cada vez mais sujeitas à interferência de pressu-

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postos didáticos que, por sua vez, emergiam juntamente com a reformulação das idéias clássicas e de sua incorporação aos textos e práticas de colégios e escolas quinhentistas. Gradualmente, as práticas pedagógicas (o ensino como criação) tornou-se sinônimo das, e a ser dirigida pelas, mais novas práticas didáticas do ensino escolar (o ensino como instrução). De fato, como discutiremos em seguida, poderia haver uma significativa diferença entre os fundamentos autodidatas da Ratio studiorum (1599) dos jesuítas e o didatismo da Great Didactic de Comenius (1632). Como McLintock deturpadamente observou, “Comenius não se preocupava em nada com o estudo, o ensino e o aprendizado eram o seu objeto” (McLintock, 1972, p. 178).

Método e Disciplina A reorganização dos textos, juntamente com a priorização da didática, também pode ser avaliada em contraposição à importância contemporânea de duas outras noções – as de método e disciplina. A reorganização dos textos, para fins quer pedagógicos quer didáticos, significou que o aprendizado e/ou o ensino tornaram-se “metodizados” (Hoole, 1660, p. v). A metodização proporcionou um atalho ao aprendizado, assim como, seguir uma seqüência metodizada era seguir um cursus ou currículo. Desse modo, o traço definidor de um cursus ou currículo quinhentista não era seu conteúdo (derivado dos textos) mas seu caráter metódico – a composição e a ordenação que faziam parte de sua remodelação. Por esse motivo, houve uma íntima associação entre metodização e disciplina. Originária de uma raiz latina preocupada em “fazer com que” o aprendizado “entrasse” na criança, a disciplina denotava, segundo Hoskin (1990, p. 30), o “duplo processo” de “apresentar um determinado conhecimento ao aprendiz, e […] o de manter o aprendiz diante de tal conhecimento”. Nos séculos XVI e XVII, essa dualidade parece ter-se tornado mais explícita. Mesmo correndo o risco de uma excessiva simplificação: o Renascimento contribuiu para a idéia de que disciplina relaciona-se à

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apresentação do conhecimento – sua remodelação de acordo com o método e a ordem; ao passo que a Reforma possibilitou uma variedade de razões para manter os aprendizes diante de tal conhecimento. Desnecessário é dizer que tais significados diferentes sobreviveram até o século XX – ao ponto de uma disciplina denotar tanto um corpo de conhecimentos quanto uma modalidade de coibição. No século XVI, portanto, disciplina e didática tinham uma preocupação conjunta no estabelecimento da ordem e na promoção do método. Podiam referir-se à promoção de uma disciplina mental ou ao inculcar de uma disciplina corporal. Juntos, esses elementos prefiguravam a modelagem de corpos dóceis, isto é, passíveis de serem ensinados (Foucault, 1979, pp. 135 e ss.). No século XVII, também, as concepções de disciplina eram estendidas do corpo físico para o corpo político. A disciplina era tão relevante para a emergência da escolarização moderna quanto o era para o surgimento do “Estado secular soberano como estrutura dominante na sociedade” (Collins, 1989, p. 7). A ascensão do protestantismo oferece a ilustração dos duplos processos de disciplina mental e corporal. A “força dominante” na herança intelectual de Martinho Lutero, “eclipsando todas as outras influências pós-bíblicas “ (Dickens, 1976, p. 83), era a teologia de Agostinho de Hippo (354-430). O entendimento herdado de Agostinho era o de que a Queda de Adão tinha tornado a humanidade impotente para salvar a si mesma. A humanidade sofria, portanto, de uma “doença moral hereditária” (Cross, 1957, p. 107) que a tornava “irremediavelmente corrupta [e] moralmente incapacitada” (Dickens, 1976, p. 84). Lutero (1483-1546) veio a compartilhar a visão de Agostinho de que faltava à humanidade os recursos para superar tal corrupção moral e espiritual. Esse déficit era retificado, em termos luteranos, pelo dom de Deus da retidão ou da fé. Além disso, os luteranos chegaram a acreditar que a aquisição instantânea da fé – ou a justificação pela fé – também precisava ser complementada por um processo secundário e permanente de limpeza – a santificação. Numa formulação popularizada por Phillip Melanchthon (1497-1560), a justificação é o processo em que se é declarado reto e a santificação é o processo em que é tornado reto (McGrath, 1994, p. 387).

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Essas idéias sobre justificação e santificação foram ampliadas nos escritos de João Calvino (1509-1564) a respeito da “dupla graça”: Primeiro, a união do crente com Cristo conduz diretamente à justificação do mesmo [...] Em segundo lugar, por conta da união do crente com Cristo – e não por conta da sua justificação – o crente inicia o processo de tornar-se como Cristo através da regeneração. Calvino assevera que tanto a justificação quanto a regeneração são resultantes da união do crente com Cristo através da fé [McGrath, 1994, p. 388].

Assim, entre os protestantes, havia uma íntima associação teológica e histórica que cercava as noções de santificação, regeneração e reforma. A reforma da vida social – com relação às escrituras (a palavra de Deus), a observância religiosa (a fé) e a promulgação da retidão (santificação) – era também a reforma (ou regeneração) das instituições sociais. Não surpreende, portanto, que os reformadores luteranos trabalhassem visando a “inculcação de disciplinas práticas” que santificariam “o membro útil da igreja e da sociedade” (Strauss, 1976, p. 77). A organização integrada da vida pessoal, da vida familiar e da vida pública para atender aos propósitos disciplinares sobrepostos de ordem mental, corporal e social é um traço permanente da Europa nos séculos XVI e XVII. Luteranos, calvinistas e católicos reformularam sua herança cristã, derivada de Agostinho, de Tomás de Aquino e outros. Criaram e seguiram uma ampla estrada intelectual, pavimentada com ordens eclesiais, ordens escolares e ordens políticas. Essa estrada foi o elo de união entre a fundação calvinista da Academia de Genebra em 1559; a publicação do esquema de estudos jesuíticos católicos (Ratio Studiorum) em 1599; a disciplina jansenista (cf. agostiniana) católica das Petites Écoles de Port Royal, de Paris no século XVII (ver Barnard, 1913); o aparecimento, em inglês, de A Reformation of Schooles de Comenius (1642); e, no mesmo ano, da declaração feita pelo filósofo político, Thomas Hobbes (1588-1679), de que o objetivo da “ciência civil” era investigar os “direitos dos estados e os deveres dos súditos” (apud Skinner, 1978, vol. 2, p. 349).

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O Ensino e a Pregação como Estilo de Expressão Mas se era preciso inculcar uma disciplina, como poderia a mesma ser estruturada? O que, em termos quinhentistas ou seiscentistas, constituía o método e a ordem de uma disciplina? O modelo era efetivamente fornecido pela disciplina clássica da retórica. Currículos e disciplinas deveriam ser apresentados, isto é, dados de uma maneira muito parecida com um discurso ou sermão (ver, por exemplo, Howell, 1956, passim). A ocorrência desse uso é, de fato, evidente no Elementarie de Mulcaster (1582). Sua “promessa” era a de “auxiliar os pais em seu desempenho virtuoso e assistir aos professores em sua orientação aprendida, que tanto o estilo de exposição em um pudesse proceder com ordem como a recepção no outro pudesse com prazer se beneficiar”. Além disso, Mulcaster priorizava os destinatários de sua obra, os mestres acima dos pais: “Proferi meus préstimos em geral a todos eles, mas em primeiro lugar de todos os eles ao professor primário” (Mulcaster, 1582, p. 5, em inglês moderno). É por essa razão – uma vinculação entre o ensino, a pregação e a oratória – que o Institutio oratorio de Quintiliano (c35-c100 d.C.) recebeu atenção detalhada nos séculos XV e XVI. O Institutio de Quintiliano era uma elaboração dos ideais educacionais e dos modelos práticos defendidos por Cícero (106-43 a.C.). Seu pressuposto essencial era o de que a criação de oradores deveria se dar ao redor de uma educação metodizada e disciplinada em argumento e eloqüência. No Renascimento, também se aceitava que tais artes práticas fossem igualmente bem apropriadas ao progresso de “poderosas e lucrativas profissões” (Grafton & Jardine, 1986, p. xiii). Mas a inserção dos modelos de Cícero não era simplesmente uma questão de injetar idéias frescas no pensamento educacional da Renascença. Era um processo muito mais dilacerador. Representava um reordenamento do trivium – o estágio preparatório das artes liberais (a saber, gramática, lógica e retórica). Durante a Idade Média, a gramática e a lógica (também conhecidas, na época, como dialética) haviam recebido particular atenção. Mas os argumentos de Cícero conduziram ao des-

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locamento da lógica pela retórica. Isto é, a lógica do argumento era considerada mais útil do que a lógica da prova. Como observa McConica: [...] por toda a Europa do Norte, as faculdades de artes passavam das disciplinas especulativas e dialéticas para as concepções orais e retóricas da linguagem; a lógica sobrevivia em todos os lugares, mas era a lógica da assembléia e do átrio de debates, ao invés da lógica do filósofo da linguagem [1983, pp. 42-43; ver também McConica, 1979, p. 294].

Inspirados pelos preceitos ciceronianos, acadêmicos e estudantes abandonavam a atividade medieval da disputa e, em seu lugar, elaboravam, ensaiavam e apresentavam declamações. E a compilação de tais declamações era o centro de sua educação, baseada no método e na ordenação. Inspirados, talvez, pelo aforismo de Cícero – “a pena, o melhor e principal professor de oratória” (ver Kennedy, 1962, p. 117) – tais esforços também eram precursores dos textos de seminário, ensaios estudantis e sociedades de discussão que ocuparam subseqüentes gerações de alunos (Costello, 1958, pp. 31-4). Mas qual era a relação entre a retórica e a oratória? Escrito na época antiga de Cícero, De oratore (55 a.C.) é muito mais do que um manual de retórica. As habilidades retóricas não deviam ser aprendidas no vácuo mas, ao contrário, deveriam ser a culminação de uma educação muito mais abrangente – a puerilis institutio (o treinamento dos jovens) convencionalmente desfrutada pelos privilegiados jovens romanos (ver Gwynn, 1964, passim). Para elaborar uma oração de mérito, um orador precisava conhecer todo o campo do saber, e não simplesmente as regras de uma apresentação elegante e persuasiva. Institutio oratoria de Quintiliano foi publicada 140 anos depois de De oratore. Baseava-se nas experiências do autor quanto à ocupação de uma “cadeira pública (publicam scholam)” em retórica latina (Gwynn, 1964, p. 182). A forma dessa posição não é clara. Smail descreve a posição de Quintiliano como “Professor de Retórica”, uma posição que era o “primeiro reconhecimento oficial da responsabilidade do Estado em matéria de instrução pública” (1938, p. vi). Quintiliano ocupou esse cargo do ano 70 a 90 d.C., durante os quais ele não apenas atuou como profes-

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sor, mas também como “suplicante” em casos jurídicos, experiências que vieram a se tornar “ricas histórias de conhecimento e experiência práticos” (p. vii). O título da Institutio oratore, que pode ser traduzido como A Educação de um Orador, o separa de manuais mais restritos voltados às artes retóricas. Para Quintiliano e Cícero, um orador não era simplesmente alguém versado na limitada arte da retórica mas, nas palavras (traduzidas) de Quintiliano, um homem dotado de instrumentos suficientes para levar: uma vida reta e honrada [...] [um] cidadão ideal, apto a assumir sua parte na condução dos negócios públicos e particulares, capaz de governar cidades por meio do seu sábio conselho, de estabelecê-las sobre uma fundação segura de boas leis e de aprimorá-las através da administração imparcial da justiça [Citado por Smail, 1938, p. 5].

A tais ideais – em seus originais, na tradução ou em variantes retrabalhadas – apelavam os humanistas renascentistas os quais, por sua vez, os transportavam para as práticas de pregação e de docência nos séculos XV e XVI. Um dos primeiros tratados em inglês devotados “exclusivamente” à arte da pregação foi originalmente escrito em 1555 por um teólogo protestante “influente” (André Gerhard). Tendo surgido inicialmente em latim, uma versão em inglês apareceu em 1577 sob o título The Practise of Preaching, Otherwise called the Pathway to the Pulpit: containing an Excellent Method How to Frame Divine Sermons. Como observa Howell, a obra de Gerhard baseava-se na “retórica de Cícero” mas reformulada de maneira tal a demonstrar uma “consciência da diferença entre o orador e aquele que fala no púlpito” (1956, pp. 110-112). Outro elo entre a oratória e a atividade docente é sugerido por um conjunto incompleto de sinopses de declamações, geralmente atribuído a Quintiliano, conhecido como Declamationes minores. Mesmo desconsiderando-se a autoria, mais da metade das declamações resumidas constantes nas Declamationes minores são acompanhadas por um sermo (plural: sermones). Esses, dentre outras coisas, compreendiam sugestões práticas para a elaboração e apresentação de um argumento. Por exemplo:

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Se eu às vezes repito a mesma coisa diversas vezes em minhas análises destas controversiae, lembre-se de que eu o faço em parte em nome dos novatos, em parte porque a análise envolve repetição. Pois àqueles que não estejam nas classes iniciais devem ser ensinados os princípios gerais que se aplicam a todas as controversiae, e a análise (divisio) é especialmente importante na espécie de controversia que estamos fazendo agora [Citado por Gwynn, 1964, p. 217].

Não seria descabido supor que tal aconselhamento clássico sobre o método e a ordem também tivesse apelo aos professores do Renascimento e aos pregadores da Reforma preocupados com o estilo de exposição – ou didática – de sermões e de currículos.

Retórica e Doutrina Mas a atenção aos ideais clássicos também deu margem a disputas teológicas e divisões políticas. Se as idéias clássicas eram pré-cristãs (isto é, pagãs), como poderiam manter-se ao lado de fontes cristãs de autoridade? Uma tentativa de reconciliação originava-se na recuperação, no século XIII, das obras de lógica de Aristóteles. Albertus Magnus (c1200-1280) e um de seus alunos, Tomás de Aquino (1225-1274), inseriram os princípios lógicos aristotélicos no quadro da teologia cristã medieval. Aceitaram que as doutrinas da fé cristã não poderiam, em última instância, ser estabelecidas pela razão. No entanto, simultaneamente, achavam que as práticas aristotélicas não tinham condições de confirmar a teologia cristã com um cânon logicamente coerente de idéias. O escolasticismo é o nome que se deu ao movimento medieval, que floresceu entre 1200 e 1500, o qual enfatizava a validação racional das crenças religiosas. Não obstante, a harmonização das idéias cristãs e pagãs nunca foi completa. Noções de uma “dupla lógica” ou “dupla verdade” sobreviveram, reconhecendo a “subordinação da verdade relativa da filosofia à verdade absoluta da teologia” (Dickens, 1976, p. 80; Kraye, 1993, p. 17). Disputas quanto à hierarquia e à subordinação jazem por detrás de

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um outro importante capítulo no fracionamento da doutrina teológica – o chamado “Grande Cisma”. A morte do Papa Gregório XI, em 1378, levou a pleitos rivais pela sucessão. Uma facção italiana apoiava Urbano VI, enquanto Clemente VII recebia apoio francês. Papas paralelos coexistiram até 1417; e, por um breve período ao redor de 1409, o Papado atraiu três pretendentes. A disputa foi finalmente resolvida pela ascensão do Papa Martinho V, em si mesma uma conseqüência do Concílio de Constância (1414-17). O “Grande Cisma”, entretanto, não eliminou a rivalidade teológica. Interpretações conflitantes permaneceram. O poder da Igreja estava nas mãos dos Concílios Eclesiais ou do Papa? Mais rivalidades teológicas surgiram das reformulações da Bíblia Vulgata – a tradução latina autorizada, elaborada durante o século V. Um dos mais importantes humanistas, Desiderius Erasmo de Roterdã (c1466-1530), descobriu anotações no texto grego do Novo Testamento que havia sido elaborado por Lorenzo Valla (1407-1457). Com o auxílio dessas notas, Erasmo publicou o primeiro Novo Testamento em grego, impresso em 1516. Pela primeira vez, teólogos e outras pessoas tinham a mesma oportunidade de comparar um texto grego antigo com a versão da Vulgata. A versão de Erasmo não apenas questionou a exatidão da Vulgata, como também lançou dúvida sobre as práticas que se reivindicavam como positivamente sancionadas pelas escrituras latinas. Por exemplo, a Vulgata falava do casamento como um sacramentum – uma cerimonia que desfrutava do imprimatur de Jesus. Seguindo Valla, Erasmo salientou que a palavra original em grego tinha conotações mais fracas, significando simplesmente “mistério”. Outro exemplo relacionava-se a Maria, a mãe de Jesus. A Vulgata considerava Maria como sendo “cheia de graça” o que implicava que ela, também, era uma portadora significativa dos poderes de Deus. Novamente, Erasmo seguiu Valla e destacou que o original grego poderia facilmente significar apenas “alguém que tinha encontrado favor” (ver McGrath, 1988, pp. 39-40). De modo geral, os tradutores humanistas injetaram conscientemente incertezas novas na doutrina cristã. Além disso, a invenção da imprensa propiciou a circulação de textos que chamavam a atenção para tais incertezas – como no caso dos “livros-texto, traduções e edições entusiastica-

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mente bem-sucedidas, constantemente reimpressas, revisadas e reeditadas” de Erasmo (Jardine, 1993, p. 5). A reformulação de textos para fortalecer a disciplina do discurso público provocava todo o tipo de reações políticas contrárias. A eloqüência era uma prática que também servia à política na prática. Nas palavras de McGrath, “para os humanistas, a retórica promovia a eloqüência; para os reformadores, promovia a Reforma” (1988, p. 48). Os esforços dos humanistas, portanto, foram transpostos para uma variedade de subdisciplinas paralelas. Essas surgiam das diferenças religiosas e geográficas mas, em conjunto, constituíam a ampla estrada da escolarização moderna. De fato, a escolarização moderna surgiu de uma fusão parcial dessas diferenças. E o processo que acentuou esta fusão educacional foi a separação gradual das premissas teológicas e políticas.

Igreja e Governo O rótulo “protestante” relaciona-se aos seis príncipes alemães e aos quatorze governos municipais que se opuseram ao fim da tolerância luterana tal como decretada pela Dieta de Speyer (1529). Como esse fato ilustra, as disputas da história da Reforma estavam vinculadas a unidades geográficas e políticas que entraram em conflito com a autoridade do Vaticano. Por sua vez, grupos separatistas começaram a dar atenção à arte do autogoverno e à manutenção de sua própria autoridade mundana. Mas qual deveria ser a base de tal autoridade? Os debates luteranos das décadas de 1520 e 1530 ilustram esse problema. Na medida em que os fiéis baseavam suas práticas na autoridade das escrituras, qual era o papel a ser desempenhado pelas instituições visíveis da Igreja? E qual era a base teológica para a inserção de tais instituições entre a união do indivíduo que crê em Deus? Tal questionamento levou Lutero a uma nova perspectiva quanto à Igreja. Devia ser uma fraternidade ou congregação – o chamado “sacerdócio de todos os crentes” – sem nenhuma existência real, exceto nos corações dos fiéis. Essa nova interpretação permitiu que os luteranos rejeitassem as formas de autoridade que, anteriormente, tinham sido investidas nas estru-

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turas da Igreja. A Igreja não podia reger seus membros porque ela não possuía uma autoridade separada. A responsabilidade pela manutenção da ordem social, através dos esquemas de santificação, foi cada vez mais adotada pelas instituições públicas, deixando à Igreja a responsabilidade pela pregação do Evangelho. Depois de 1530, contudo, parece ter ocorrido uma completa “volte face” (Skinner, 1978, vol. 2, p. 74). Lutas no interior da igreja luterana perturbavam a convivência entre a Igreja e as autoridades civis. As responsabilidades supervisoras dos governantes e magistrados não podia mais ser garantida. Há uma disjunção entre Teologia e Política. A autoridade política dos conselhos locais, tal como a autoridade dos Concílios Eclesiais de Roma, pode ser legitimamente contestada – recorrendo-se a outras autoridades (p. ex., as novas traduções da Bíblia). As conseqüências dessa reação à autoridade política deram-se em dois níveis. Primeiro, divisões na “vertente dominante” ou “magisterial” da teologia da Reforma possibilitaram uma abertura para os luteranos “radicais”, alguns dos quais se encaminharam com o objetivo de fundar a Igreja reformada ou Calvinista (McGrath, 1988, p. 6). E, em segundo lugar, Lutero deu seu apoio à mudança da responsabilidade educacional das instituições particulares para as públicas. Com efeito, as famílias ou congregações de fiéis deveriam ser organizadas de maneira a assegurar sua fé. Não é desprovido de significado, por exemplo, que Lutero tenha publicado seu Pequeno Catecismo e o Grande Catecismo (para adultos e crianças) em 1529 e, no mesmo ano, tenha escrito para Margrave George de Brandenburg sugerindo que “uma ou duas universidades” bem como “boas escolas primárias” fossem estabelecidas em “todas as cidades e vilas” (cit. por Eby, 1971, pp. 98-99). De fato, a Igreja luterana voltou sua atenção da pedagogia doméstica para a didática pública. Uma tal re-orientação tornou-se um traço forte no sistema político luterano, reunindo idéias sobre pregação, ensino e supervisão política. “Somente a educação pública”, sugere Strauss, poderia introduzir estes traços de modo uniforme e equitativo; O destino do Estado como um todo era, portanto, pensado como dependente do ensino público da doutrina e da disciplina [1978, p. 152].

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O realinhamento protestante da prática política e teológica também tinha paralelos na prática educacional católica. Mas as reformas educacionais católicas e protestantes diferiam num aspecto importante. Lutero era influenciado por Agostinho, ao passo que a reforma católica era inspirada no tomismo. O século XVI foi efetivamente marcado por um fortalecimento da influência tomista: o Papa Pio V declarou Tomás de Aquino “Doutor da Igreja “ em 1567, incentivando o pensamento tomista a ganhar um “firme controle” sobre as práticas dos colégios e seminários católicos pós-Reforma (Dickens, 1976, p. 80). Tais diferenças podem ser discernidas na fundação e desenvolvimento da Companhia de Jesus. Depois de ver sua carreira de soldado profissional ser encerrada em virtude de ferimentos, Inácio de Loyola (1491-1556) assumiu uma carreira espiritual que o conduziu através de peregrinações, à vida de eremita e às universidades de Alcalá e Salamanca. Loyola finalmente dedicou-se aos estudos em 1528 na Universidade de Paris. A Companhia de Jesus data de 1534. Loyola e seis companheiros fizeram votos de uma vida de pobreza, castidade, trabalho missionário nas cruzadas e absoluta obediência ao Papa. E a petição jesuíta ao Papa, aprovada em 1540, previa uma sociedade de clérigos que propagassem a fé por meio de exercícios espirituais, sermões, obras de caridade e a instrução de crianças e outras pessoas nos princípios cristãos. O “esporão do esforço missionário militante” dos jesuítas (Dickens, 1968, p. 80) estava nos Exercícios Espirituais – um manual de meditações ordenadas mas transformadoras, sobre a vida e a morte de Cristo. Os jesuítas acreditavam que a fé não era alcançada tanto pela infusão instantânea de uma graça sobrenatural mas pelo repetido exercício do intelecto humano. Tanto os Exercícios Espirituais (elaborados antes de 1535) quanto o manual escolar dos jesuítas, a Ratio studiorum (1599), refletem esse senso programático da disciplina (a saber, um caminho para o conhecimento). Desse modo, talvez seja uma simplificação excessiva caracterizar a Ratio studiorum como uma fonte didática. Certamente, ela foi fortemente influenciada pelas considerações ciceronianas sobre o método e a ordem. Mas em termos históricos, é provavelmente mais razoável perceber os Exercícios Espirituais, a Ratio studiorum, a Reformation of Schooles

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de Comenius e A New Discovery of the Old Art of Teaching Schoole de Hoole como um contínuo que exemplifica a substituição gradual da pedagogia pela didática. De fato, o didatismo associado de forma estereotipada à prática jesuíta pode ter aparecido mais tarde – através das tensões que surgiram entre o trabalho missionário dos jesuítas e as prioridades políticas de seus patronos e patrocinadores seculares.

Da Fé à Cidadania Nesse caso, contudo, as diferenças entre a teologia católica e a protestante foram menos do que permanentes. Uma considerável fertilização mútua ocorreu à medida que teólogos, professores, pais e pedagogos repetidas vezes mudavam suas filiações religiosas. Um renomado teórico dessa vertente cruzada foi Justus Lipsius (1547-1606) que foi luterano em Jena (1572-74), calvinista em Leiden (1579-90) e católico em Louvain (1592-1606). Efetivamente, Lipsius mudou de fé com tanta freqüência que acabou estigmatizado na imprensa como Lipsius Proteus – um homem que, “com tanto desprendimento”, reformulava suas idéias em função de suas circunstâncias cambiantes (Grafton, 1983, p. 65). Apesar – ou por causa – de seu pragmatismo teológico, Lipsius promoveu uma significativa contribuição ao pensamento do século XVI: a extensão da noção de disciplina ao domínio político. Lipsius também recorreu a fontes clássicas – notadamente Cícero e Sêneca. De Cícero ele tomou a importância da retórica como construção da argumentação racional; e, do estóico Sêneca (que também impressionou João Calvino), Lipsius tomou o pressuposto de que o domínio das emoções poderia ser alcançado através da aplicação da razão. Através da ligação com “várias centenas de correspondentes [europeus]”, Lipsus tornou-se pivô de rede política “neo-estóica”, pós-Reforma, que operava “junto ao calvinismo e ao jesuitismo” (Oestreich, 1982, pp. 60, 68). As implicações práticas do projeto neo-estóico foram auxiliadas pela Politics de Lipsius (1589) e através da produção dos manuais afins em 1604: a Manductio e a Physiologica. A última consistia em apresentações sistemáticas do estoicismo de Lipsius que foram utilizadas em apoio

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ao auto-estudo ou instrução (Morford, 1991, pp. 168-171). Dentre outras coisas, a intervenção neo-estóica transpôs a disciplina do zelo pessoal na virtude do dever público. Um apelo racional ao dever foi considerado para obliterar ou neutralizar o sofrimento (ou o ônus) que poderia advir das atividades religiosas, sociais ou políticas. Em suma, o neo-estoicismo traduziu os deveres do indivíduo em responsabilidades da cidadania. Segundo Oestreich: O cidadão ideal no mundo político, tal como retratado por Lipsius [...] é o cidadão que age de acordo com a razão, responsável perante si mesmo, controla suas emoções e está pronto para lutar [1982, p. 30].

Tais responsabilidades informaram gradualmente novas teorias do Estado Moderno – conceitualizações das relações que poderiam ser forjadas entre diferentes segmentos de um grupo social. O absolutismo político, por exemplo, que cresceu a partir do neo-estoicismo sustentava que somente um monarca forte poderia manter a unidade política e a paz militar. Um dos mais influentes teóricos absolutistas foi Jean Bodin (15301596) que escapou por pouco do Massacre do Dia de São Bartolomeu (Paris, 1572). A crítica de Bodin de teorias políticas anteriores – iniciada nos Six Books of a Commonweal (1576) – abordava a fragilidade da ordem existente. O absolutismo, portanto, ganhou credibilidade política mais ampla porque elevou a soberania política acima do sectarismo da Reforma. Isto é, priorizava o poder do Estado sobre o poder eclesial. Além disso, a meta fundamental de um governo absolutista era o de “garantir a ‘ordem’ mais do que a liberdade” (Skinner, 1978, vol. 2, p. 287). A busca do neo-estoicismo e suas vertentes foi marcada por três corolários ideológicos. Primeiro, o Estado devia tornar-se um locus de autoridade centralizada, disciplina pública e dever pessoal. Em segundo lugar, a manutenção de tal poder político devia ser alcançada através de uma variedade de instituições formais (p. ex., o corpo diplomático e exércitos permanentes); e, finalmente, as aspirações políticas do Estado Moderno deviam ser incentivadas através de uma matriz institucional

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patrocinada pelo Estado – a escolarizaração moderna (ver também Melton, 1988, capítulo 1).

Conclusão Esses foram, então, alguns dos tributários políticos e ideológicos que fizeram de A New Discovery of the Old Art of Teaching Schoole de Charles Hoole um novo paradigma da prática educacional. O objetivo de Hoole era “descobrir a velha arte de ensinar Eschola, e como a mesma podia ser aprimorada em cada aspecto adequado aos anos e às capacidades de tais crianças como são agora comumente ensinadas” (p. 1). Além disso, os esforços de Hoole para injetar método e ordem no ensino e aprendizado destinavam-se a recorrer não somente aos pais mas também aos mestresescolas, seus contemporâneos. Em relação a esses últimos, sugeriu ele, o ensino escolar (neo-estóico) era “uma vocação muito necessária” – uma profissão, “comandada por Deus”, cujos “grandes desencorajamentos [...] com fortaleza [poderiam] ser vencidos”. No entanto, Hoole reconhecia que tais argumentos morais eram insuficientes para compensar o “peso de ensino escolar”. Ao contrário, as “exasperantes” provocações do ensino escolar – de fato, sua “tortura diária” – poderiam ser melhor enfrentadas por um procedimento técnico – a adoção do método e da ordem. Porém, em última instância, o apelo de Hoole dirigia-se a outro lugar, ao “benefício da Igreja e do Estado”. Adequadamente organizado, o ensino escolar poderia alcançar o “treinamento” de crianças tornando-as “instrumentos úteis de muita valia [na Igreja e no Estado]”. E sem a sustentação política proporcionada pelas instituições da escolarização, o “Estado” definharia, como “o corpo”, porque “nenhum membro desempenharia sua função correta” (pp. viii-xiv). Mas Hoole não foi o único responsável por relatar essas idéias. A emergência da escolarização não foi um processo linear e evolucionário. Como este artigo sugere, idéias desordenadas combinaram-se, extraídas que foram de diferentes sistemas complexos. A justaposição e interação dessas idéias gerou novas premissas e práticas. E a relevância dessa nova constelação de idéias e práticas – a sopa primordial da escolaridade mo-

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derna – foi contemporaneamente reconhecida e divulgada por inovadores europeus e norte-americanos, entre eles Hoole e Comenius. Seus esforços abraçaram tanto a agregação de idéias (re)tiradas do passado e, conseqüentemente, a criação de uma base de lançamento para a nova ordem mundial que projetavam para o futuro.

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A Idéia de Europa no Período Fascista análise de um livro de história da pedagogia* Giovanni Genovesi** Tradução de Maria de Lourdes Menon*** O artigo propõe-se a evidenciar a imagem de Europa presente no manual de Michele Federico Sciacca, O problema da educação na história do pensamento filosófico e pedagógico. Após apresentar os critérios metodológicos que presidiram a análise, o texto evidencia: a falta de contextualização histórica; o entendimento superficial dos conceitos de educação e pedagogia; a apologia da civilização cristã; a exaltação do historicismo de Vico e do “espiritualismo italiano” em contraste com uma concepção anti-historicista do iluminismo; e a condenação do positivismo, em geral, em contraposição a uma avaliação favorável do positivismo filosófico italiano. Em suma, na perspectiva do livro analisado, a idéia de Europa não pode suscitar senão a imagem de competitividade e de perigo. O livro detém-se numa consciência provinciana de um nacionalismo mesquinho que considera a Itália a nação mais civilizada da Europa. IDÉIA DE EUROPA; HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO; HISTÓRIA DA PEDAGOGIA; MANUAIS ESCOLARES.

The proposition of the article is to make evident the image of Europe present in the Michele Frederico Sciacca manual, “The education problem in the philosophical and pedagogical thought history”. After presenting the methodological criteria that managed the analysis, the text points out: the lack of historical contexture; the superficial understanding of the education and pedagogical concepts; the Christian civilization apology; the Vico historicism exaltation and the “Italian spiritualism” in contrast with an anti-historicist conception of enlightenment and the positivism, generally in contraposition with a favorable evaluation from the Italian philosophical positivism. Summarizing, in the perspective of an analyzed book, the Europe conception can’t suggest otherwise the image of danger and competitiveness. The book detains itself in a provincial conscience of a poor nationalism that considers Italy the most civilized nation in Europe. EUROPE CONCEPTION; EDUCATION HISTORY; PEDAGOGICAL HISTORY; SCHOOL MANUALS.

*

Texto do trabalho apresentado no I Congresso da SPICAE (Sociedade de história comparada da educação) ocorrido em Cassino de 25 a 27 de novembro de 1999 sobre o tema “A imagem e a idéia de Europa nos livros escolares de 1900 a 1945”. Publicado anteriomente em Ricerche Pedagogiche, n. 132-133, pp. 1-12, 1999. ** Professor de Pedagogia e de História da Educação na Universidade de Ferrara, Itália. Diretor da revista Ricerche Pedagogiche e do Boletim do CIRSE (Centro Italiano per la Ricerca Storico-Educativa), do qual é o atual presidente. Publicou inúmeros trabalhos na forma de artigos e de livros, entre os quais destacamos: Storia dell’educazione. Sinossi delle idee e dei costumi educativi e scolastici dall’antichità ai nostri giorni (Ferrara, Corso Editore, 1994) e Pedagogia: dall’empiria verso la scienza (Bologna, Pitagora Editrice, 1999). *** Tradução de Maria de Lourdes Menon, professora de italiano em Campinas. Tradução revista por Dermeval Saviani.

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1. Considerações Gerais e Critérios Metodológicos A imagem de Europa que se pode extrair de livros como aqueles de história da filosofia e da pedagogia é certamente sugerida por indícios indiretos, como bem se pode intuir. A própria natureza desse tipo de texto não implica, certamente, um reconhecimento sistemático das condições políticas dos vários países dos autores que são confrontados. É sobretudo o modo com que estes autores são apresentados que nos faz entender qual a concepção de Europa, e também do resto do mundo, que o compilador do livro tem e que, mesmo se de maneira quase sempre indireta, faz-se presente na organização de todo o trabalho. É claro que podem existir também parâmetros, por assim dizer, objetivos, como por exemplo o do espaço concedido a autores de outras nações européias com relação ao concedido aos italianos, a mesma articulação de discurso com o fim de fazer emergir a influência que determinado autor teve nos fatos e no desenvolvimento do pensamento humano; mas estes são aspectos derivados do critério geral que anima o autor do livro. Procurarei identificar tal critério expondo os resultados do exame de um manual de história da filosofia e da pedagogia redigido por Michele Federico Sciacca1, para uso dos Institutos de Magistério durante os vinte anos do período fascista. Trata-se de um livro de história da filosofia e da pedagogia, porque os programas da época previam a união das duas disciplinas, uma vez admitido e não permitido que a segunda, a história da pedagogia, pudesse ser considerada uma disciplina autônoma. Fez-se a escolha de apresentar o livro de Sciacca2 porque o volume é 1

Michele Federico Sciacca, nascido em 1908, docente de história da filosofia na Universidade de Pavia e posteriormente de filosofia no Magistério de Gênova, parte de posições atualistas para depois confluir precisamente na corrente católica de cunho tomista. O livro que aqui consideramos é Il problema dell’educazione nella storia della filosofia e pedagogia (para uso dos Institutos de Magistério), Napoli, Morano, 1941-XIX, volume único. As referências no texto serão assinaladas pelo número da/s página/s entre parênteses.

2

Esta obra foi publicada em português no Brasil, em 1966, pela Editora Herder, hoje EPU, em co-edição com a Editora da Universidade de São Paulo. A tradução foi feita por Antônio Pinto de Carvalho, doutor em Filosofia e em Letras, antigo

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editado no período em que já começa a decadência do fascismo. Estamos em 1941, a Itália está já há um ano em guerra e o clima social e político era tal que poderia já permitir aberturas manifestadas pela união dos intelectuais. De fato, o livro de Sciacca, ainda que não sem ambigüidade e com uma firme vontade de não se comprometer ou, de qualquer forma, de se camuflar, empenha-se em evidenciar enfaticamente os valores da Igreja e afastar o atualismo gentílico. Mesmo se depois retoma nas notas comentários à doutrina do fascismo. Em suma, o manual de Siacca mostra-se linear e acessível do ponto de vista dos estudantes, quase o ponto de chegada do livro-modelo, que fornece as noções essenciais previstas pelos programas à luz de poucos conceitos básicos, que não importa se são exatamente aqueles de educação e de pedagogia. De fato, no livro fica bastante confusa a definição do que possa ser a educação e, em particular, a pedagogia, incorporada sem meios termos na filosofia. Em relação aos critérios com os quais procedi ao exame do livro, eles se caracterizam pela atenção aos seguintes aspectos: a) atenção à contextualização histórico-social do autor tratado; b) tratamento pedagógico, setor que aqui interessa; c) espaço dado ao autor estrangeiro ou à corrente estrangeira e às referências a eles feitas no desenvolver das várias ligações dos argumentos confrontados; d) interpretação com a qual foi apresentado o autor ou uma determinada corrente cultural educativa não italiana e a conseqüente importância a ela atribuída com as relativas motivações (se declaradas); e) coerência da análise dos vários autores com base nos conceitos de educação e de pedagogia eventualmente expressos pelo autor do manual. O uso cruzado de tais critérios de análise forneceu-me elementos suficientes e, de qualquer forma, interessantes, professor das Universidades de Coimbra e de Lisboa, a partir da quinta edição italiana: Il Problema dell’Educazione nella storia del pensiero filosofico e pedagogico, publicada em 1960 pela Casa Editrice Giuseppe Principato, Milano – Messina (Itália). Ver, M.F. Sciacca, O Problema da Educação na história do pensamento filosófico e pedagógico, 2 vols., São Paulo, HERDER/USP, 1966. Ao que tudo indica, houve alteração da primeira edição, que o autor do presente artigo toma por base, para a quinta edição, na qual se baseou a tradução brasileira. Com efeito, desta não consta o capítulo “A formação do homem no Estado fascista” nem o apêndice “A doutrina do fascismo de Benito Mussolini” (N. da T.).

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para chegar a supor qual imagem e qual idéia de Europa estão contidas no livro em questão e, sobretudo, se tal idéia e tal imagem estão em consonância com a apresentação de um texto de educação vista, neste caso, em sua vertente histórica.

2. A Falta de Contextualização Histórica Em primeiro lugar é necessário observar uma grave lacuna de fundo que desvaloriza o livro, uma lacuna que no entanto, apesar de neste estar muito acentuada, é encontrada também na maior parte dos livros atuais. Trata-se do fato de que a apresentação dos autores, individualmente, é totalmente desvinculada da situação histórica em que viveram. O pensamento deles, assim, é analisado in vitro, sem nenhum confronto com as problemáticas sociais dos países onde viveram e atuaram. Isso evidentemente corresponde a uma postura idealista, compartilhada, no fundo, também por quem não era idealista no sentido estrito, por quem reduz a história à história do pensamento, história das idéias, como se estas não fossem originadas da realidade efetiva, mas fossem, elas mesmas, a realidade ou, de qualquer modo, a única realidade que valesse a pena considerar. Tal posição leva a uma conseqüência por certo não positiva: aquela segundo a qual o mundo pode ser considerado, enfim, como um todo único, até mesmo homologável por força de uma circulação de um único pensamento que o caracteriza. Um pensamento que se manifesta, certamente, de várias formas, mas que não demora em reconhecer-se sempre igual à sua raiz. Se o mundo é o pensamento que o gera, não existem diferenciações e rupturas em sentido próprio, mas somente diferentes facetas fenomênicas que não têm dificuldade em integrar-se, em se complementar e dialetizarse. Nesta perspectiva há uma substancial unidade entre os homens, ao menos aqueles pensantes, de todo o mundo. Não tem nenhuma importância se o representante daquela particular forma de pensamento é italiano ou de uma outra nação da Europa ou outro continente. A intelligentzia, principalmente no nível mais alto, aquele que merece ser lido, interpretado e apresentado aos jovens, é unida por postulado, não tem barreiras

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nacionais: ela representa a própria essência do homem como tal, cosmopolita e sem limitações territoriais. Nesta ótica, Europa ou América, Ásia ou Austrália e assim por diante, não são outra coisa senão subdivisões convenientes, repartições territoriais metodológicas. Em princípio elas são o grande, único e unido cenário onde o Pensamento recita a sua parte de criador e de regente da realidade. Infelizmente neste alargamento desmedido da unidade do mundo, perde-se a importância das caracterizações particulares, dos problemas que cada determinada realidade apresenta e que levam a hipóteses de solução que a eles estão estreitamente ligadas. A ilusão de um Pensamento unificador elimina, inevitavelmente, as diferenças substanciais que caracterizam o nascimento dos Pensamentos individuais e acaba por isolar o problema de fundo: que a unidade não é uma doação, mas uma conquista, uma penosa reconstrução das várias pedras que compõem o mosaico, tendo claro o desenho que este deverá assumir. Neste caso, que aqui interessa, o da idéia de Europa. Digo logo que a consciência de tal idéia, de tal desenho, não existe no livro examinado. Existe, claro, a idéia geográfica de Europa e, num outro âmbito, aquela de Europa que, na marcada visão antropocêntrica que a cultura ocidental sempre cultivou, eleva-se naturaliter sobre todos os outros continentes como sede de um antropocentrismo à enésima potência, mas não tem a idéia de uma Europa que tende a harmonizar suas diferenças e que possua verdadeira consciência de uma unidade própria econômica, política e, portanto, cultural. A unidade da Europa é, sobretudo, uma abstração, uma consolação acadêmica que faz retomar as suas origens nos ideais do homem e da democracia grega que, no final das contas eram somente expressões de uma pequeníssima porção não somente do orbe terráqueo, mas até da própria Europa. O próprio império romano, quase sempre apresentado como um momento de unidade do mundo conhecido, não era outra coisa senão a adesão, por várias razões que vão da força à tolerância por interesse, de diferentes povos que estavam, contudo, bem longe de acabar com as diferenças das populações presentes, então, na mesma Europa. A fortiori, um mesmo discurso vale para o renascido Sacro império romano na época carolíngea, num mundo que, na própria Europa, tendia inexoravelmente

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a diferenciar-se, a nacionalizar-se, através de processos mais ou menos longos e, de qualquer forma, a não reconhecer mais um único pólo de agregação. Se a expansão do Cristianismo e o prolongado uso da língua latina na cultura ocidental pode dar ainda a ilusão de uma unidade, ao menos em âmbito europeu, no período do Humanismo e do Renascimento, também por uma circulação de idéias que se mostra favorecida não só pelo uso do latim, mas também e, sobretudo, por um confirmado e conclamado retorno às origens da cultura européia, de fato são exatamente esses movimentos que vão acelerar a manifestação de tendências que já tinham sido atraídas pela tardia Escolástica, que levam à particularização e à diferenciação, em suma, a um processo de reivindicação da autonomia, no aspecto político e religioso, epistemológico e territorial. Praticamente, é justamente a partir do Humanismo que toma corpo de maneira substancial um processo que torna claramente visível a necessidade de procurar e de criar uma unidade naquilo que unido não é, porque nunca foi. O problema da unidade da Europa faz parte deste problema. Um problema que não parece ser percebido, senão, em termos diferentes daqueles que procurei aqui sintetizar e que agora veremos em maiores detalhes.

3. Educação e Pedagogia A introdução do volume é dedicada a esclarecer o que deve ser entendido por educação e por pedagogia. Encara-se o problema em dois parágrafos, um intitulado A importância da obra educativa (pp. 7-11) e o outro, Necessidade da pedagogia (pp. 11-13). A postura é, como foi dito, de tipo espiritualista: “Educação é formação da personalidade humana livre, consciente do próprio valor de realidade espiritual” (p. 7). O indivíduo que se educa adquire uma sempre “mais clara e mais compreensiva consciência de si” (ibidem). Somente o homem pode iniciar um processo similar, dado que, na visão antropocêntrica que sempre guiou e guia os teóricos da educação, ele só pode ser pessoa concebida sempre como fim e nunca como meio (p. 8). A obra educativa, que tende a “elevar os outros àquele nível de

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perfeição que acreditamos ser digno da nobreza da natureza humana” (ibidem), ou seja, iluminar a sua razão com a luz da verdade e os seus corações com os valores do espírito, é imparcial. Ela diz respeito à pessoa como um todo, já que educando o seu espírito educa-se também o seu corpo; diz respeito a toda atividade humana e dura por toda vida porque tende a perseguir um ideal de perfeição, do qual santos e heróis são os modelos mais próximos e que não pode nunca ser atingido. Para iniciar tal busca, a educação se faz necessariamente “comércio de almas, compenetrações de espíritos” (p. 10), in primis aquele do educador e do educando os quais participam, ambos, do esforço de educar-se. O ideal de perfeição do mestre e do educando coincidem porque o educando toma-o como seu, conscientemente, e o persegue em plena liberdade com a participação do mestre. Por isso a educação é exercício da liberdade, “exercício que é disciplina interior e não acúmulo inútil de regras externas” (p. 11). Esta exaltação da liberdade acaba, depois, por anular-se, no momento em que se afirma, com passagens de claro cunho idealista que o espiritualismo católico faz seu, que “o educando deve traduzir em si a obra do mestre, de modo que a sua vontade de se educar e aquela do mestre de educar, tornem-se uma vontade única” (ibidem). São conclusões como estas, por outro lado carregadas de notável ambigüidade, que definitivamente conseguem fazer conciliar uma idéia de educação que quer se apresentar como caracterizada pela liberdade e pela consciência, pelo esforço de tender ao ideal de aperfeiçoamento em comunhão com os outros, com a instrumentalização efetiva da mesma educação no final do Estado fascista, a cuja doutrina se faz referência e se comenta em apêndice. Com relação à pedagogia, é definida como a teoria que determinando os fins e os métodos, estabelece e organiza a atividade educativa. Neste sentido a pedagogia, como teoria da educação, não é senão filosofia, “ou melhor, é reflexão filosófica sobre o momento educativo” (p. 13). Portanto, a pedagogia é filosofia mesmo não se resolvendo “sic et simpliciter na filosofia” (ibidem). Com estas definições rápidas e peremptórias, que esclarecem pouco ou nada e que são de qualquer forma insuficientes para abordar a história de alguma coisa que não se conseguiu claramente abranger, conclui-se a Introdução. Como se vê, ela não

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toca absolutamente o problema da idéia de Europa. Não obstante, lança as premissas negativas afim de que os leitores para quem o livro se dirige, os alunos dos Institutos de Magistério, não possam formar para si, entre outras, uma idéia de Europa a partir de uma concepção lógica e argumentada da educação e da pedagogia. Se houver, e é isso que procuraremos ver, ela será veiculada através de outras dimensões, culturais no sentido geral, políticas, de opinião, filosóficas também, mas não, certamente, educativas e pedagógicas.

4. A civilização como civilização cristã, melhor se também italiana Tem início, então, o excursus histórico e filosófico-pedagógico através dos séculos a partir da educação na antiga Grécia. Não é o caso de considerar em detalhe as várias passagens interpretativas que Sciacca realiza ao apresentar, não obstante com forte acentuação dos aspectos filosóficos, as várias fases da primeira parte (“A idade antiga”) e da segunda (“A idade cristã e a Idade Média”). É suficiente notar um aspecto que se revela fundamental porque é a chave interpretativa de todo o volume e do qual nasce uma forte contradição que o autor não sabe resolver ou da qual, talvez, não esteja consciente. Trata-se da forte ênfase com a qual Sciacca evidencia a contribuição inovadora e, eu diria, regeneradora da cultura e da sociedade como um todo, do Cristianismo nas suas duas componentes, de religião e de filosofia (Revelação). O Cristianismo, efetuando a passagem do intelectualismo ao voluntarismo (p. 144), representa a descoberta do “homem como objeto livre, isto é, como objeto moral” (p. 147) que encontra no amor o fundamento de si próprio e de toda a realidade. Um amor que, sustentado pela fé em Cristo e pela esperança da chegada do reino de Deus (p. 146), leva o homem à comunhão com todos os outros seres do universo numa inspiração de ativa fraternidade. Uma vez fixados estes parâmetros, Sciacca tem em mãos um instrumento de aferição para avaliar os progressos da civilização humana, que como tal não poderá ser outra senão a civilização cristã. Cumpre-se

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uma operação que revela já plenamente a contradição de usar um princípio que iguala e irmana os homens como momento de discriminação dos próprios homens e do seu pensamento que, de qualquer forma, mesmo no assunto religioso-cristão do autor, é sempre uma manifestação de Deus. A idéia ecumênica do Cristianismo poderia dar o tom, exatamente, na definição de uma concepção de colaboração e de confronto dialético entre todos os povos da Terra e, portanto, da própria Europa no espírito de tolerância e de fraternidade. Não é isso que ocorre, dado que o autor se serve da idéia cristã para procurar, não sem uma vontade de nacionalismo, o fio condutor dos traços de progresso da civilização. Assim, a valorização do Humanismo e do Renascimento é feita sobretudo sobre a base de um revigorado espírito cristão que resgata a cultura do pântano intelectualista no qual tinha se atolado a Escolástica tardia que, com o scotismo e, especialmente o occamismo “uma vez excluída a possibilidade, mesmo limitada, de uma justificação racional do conteúdo da fé [...] esgota-se em discussões dialéticas e em sutilezas sofísticas, em um labirinto de problemas inúteis e irrisórios” (pp. 222-223). O Humanismo e o Renascimento, apresentados em continuidade com a Escolástica sobretudo pelo espírito cristão que os anima, são vistos por Sciacca como os “séculos de glória da civilização italiana”, ou seja, “como um dos momentos mais exuberantes e fecundos do caminho da civilização cristã, que é a nossa verdadeira civilização” (p. 232). Praticamente a contribuição cultural do resto da Europa é colocada entre parênteses e, principalmente, não só é minimizada, mas vista de modo negativo justamente porque não é cristã, católica e romana, como a da Reforma. Humanismo e Renascimento são apresentados, portanto, como fenômenos refinadamente italianos, separados da Reforma protestante considerada um movimento substancialmente anti-humanista e, portanto, em tudo culturalmente inferior. Escreve Sciacca: “Renascimento e Reforma protestante são dois movimentos antitéticos. Não têm em comum nem mesmo o comportamento de revolta contra o princípio de autoridade e de libertação da investigação de sua submissão à teologia. De fato [...] o Renascimento reivindica a liberdade da investigação não contra a autoridade teológica mas, mais que tudo, contra a autoridade aristotélica e em

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nome da distinção entre ciência e teologia (já consolidada por S. Tomás) e não de discrepância entre ciência e teologia com vantagem [...] de uma e de outra. Portanto, o assim chamado individualismo do Renascimento não tem nada a ver com o individualismo da Reforma, a qual com o princípio do livre exame e a revolta aberta contra a Igreja, nega a essência do Cristianismo e rompe com aquela Idade Média, da qual, ao invés, o Renascimento é uma continuação e um aprofundamento. Além disso, a Reforma, tendo se constituído em religião positiva, é obrigada a cristalizar-se nas fórmulas dogmáticas luteranas, isto é, numa escolástica piorada [...] Especulativamente a Reforma é inferior ao Renascimento [...] No obscuro misticismo protestante, que nega o valor da pessoa humana e nega a santa fecundidade das obras [...] perverte aquele jubiloso Cristianismo que é próprio do Renascimento e que se exprime na ativa conquista do Reino de Deus, na exaltação da ação guiada pela boa vontade, atenua-se o impulso em direção ao infinito e ao amor pelo belo, pelo bom, pelas coisas. A Reforma perdeu aquilo que há de mais fecundo na pregação de Jesus e desemboca numa visão pessimista que condena o homem e a natureza” (pp. 233-235, passim). Com exceção da interpretação forçada e, de qualquer modo, apodíctica, não argumentada, apresenta-se uma visão não só contraposta, mas que classifica os dois pólos em questão como inferiores e superiores sem justificativa e que quer somente enfatizar, com um forte sopro nacionalista de fundo católico, o papel fundamental da Itália. Papel fundamental que a Itália mostrará também no dar vida ao movimento da Contra-reforma católica, continuadora “do espírito do Renascimento” e, contra “o individualismo e o subjetivismo da Reforma protestante”, empenhada “na restauração [...] daqueles valores éticos e religiosos que tornam possível a vida unida” (p. 254). Este tom nacionalista é reproposto na opinião sobre Maquiavel, considerado um pensador de forte dimensão ética quando lido pelo ângulo italiano, e ao contrário, como teorizador [...] da infâmia e da malvadeza política” (p. 244) se lido, como o é, pelo ângulo europeu. É muito clara a intenção de reivindicar uma natural legitimidade interpretativa italiana em relação à má vontade que os europeus demonstram em relação a nós.

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O Humanismo e o Renascimento são fenômenos culturais principalmente italianos: “Na filosofia fora da Itália, não há nada que possa ser, mesmo de longe, a eles comparado” (p. 265). Deste ângulo, não se admira que se declare com absoluta decisão que “Galilei e não Bacon é, assim, o verdadeiro fundador da ciência moderna” (p. 265). Todo o pensamento moderno, aliás, continua Sciacca, “nasce com o Renascimento italiano e dele obtém os seus desenvolvimentos” (ibidem). O próprio Erasmo não apresenta, na visão de Sciacca, um pensamento educativo “muito original em comparação com aquele dos nossos melhores humanistas” (p. 277). Sem falar do Humanismo alemão que, como se viu, partia de premissas “ruins”, não fosse outro, para a nulla vis humanista de Lutero e bastante escassa de Melanchthon, e portanto destinado a ser efêmero (ibidem). Estas afirmações apodícticas de tom nacionalista não parecem, certamente, as melhores premissas, não somente para formar uma idéia positiva de Europa, mas para considerar a contribuição que os seus vários países deram para o desenvolvimento do pensamento. Passadas de modo rápido e geral (cinco páginas escassas) as propostas de reforma educativa de Rabelais e de Montaigne, assim como aquelas da Reforma protestante da qual o autor não pode deixar de observar alguns resultados decisivos como a universalidade da instrução elementar e o legítimo dever do Estado de encarregar-se da instrução do povo (p. 282), Sciacca dedica cinco páginas inteiras para “a obra educativa da Contra-reforma” enaltecendo a obra dos Jesuítas para quem “a obediência absoluta, a mortificação de si próprio, compreendidas não como devoção exterior ou preguiça espiritual, mas como disciplina interna, são também elas afirmações de personalidade e, como tais, educativas” (p. 286). Certamente o ideal de uma educação uniformizadora e caracterizadora, aquelas que importavam na Europa da época, renova a ilusão de uma unidade cristã no mundo ocidental. Ilusão porque o projeto dizia respeito somente aos poderosos, excluindo sistematicamente as classes pobres e, sobretudo, porque se trata da contemplação de uma unidade como uniformidade sob a égide ética e política do catolicismo, e não como orquestração da diversidade.

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5. Do Historicismo de Vico ao Anti-historicismo Iluminista A análise continua sem grandes problemas particulares, ou seja, acomodando-se mais ou menos nos lugares comuns e “afogando” as considerações pedagógicas nas análises das idéias filosóficas dos vários autores sem se dedicar a uma reflexão sobre as conseqüências educativas, até Giambattista Vico. O pensador napolitano é apresentado, mesmo que indiretamente, como precursor do atualismo estadólatra gentiliano. É este, de resto, o “resultado de grande relevo” (p. 384) a que chega o historicismo de Vico segundo Sciacca que, assim fazendo, pretende realizar duas operações numa só: exaltar a força especulativa do pensador italiano e, ao mesmo tempo, indicar que as nações civilizadas mais prósperas são aquelas governadas com espírito totalitário. Esta é, de fato, a verdadeira indicação que resulta de Vico. Escreve Sciacca: “O individualismo cartesiano que, levado às suas conseqüências se concluirá na Revolução Francesa, é abandonado e substituído pelo princípio da formação da personalidade humana dentro da vida do Estado. O homem obedecendo à autoridade, obedece à sua mais profunda humanidade e realiza a sua liberdade” (ibidem). E assim, sob uma dialética das idéias, organizam-se nações democráticas e liberais como França e Inglaterra, que procuram inspirar a sua conduta nos princípios da Revolução Francesa ou da Carta Magna e da Gloriosa Revolução. O verdadeiro Estado civilizado, moderno, desenvolvido e forte é aquele inspirado na autoridade e no totalitarismo. A idéia de Europa que dialoga e interage, ao invés de discordar entre si e uniformizar-se, está fortemente comprometida. Nesta linha, e aqui o autor demonstra certamente coerência, tem origem uma desvalorização de todo o período iluminista considerado anti-historicista, individualista e contra a autoridade da tradição representada pelo Estado e pela Igreja. “O princípio da autoridade – escreve Sciacca – era substituído por aquele do individualismo, do indivíduo como centro de toda a vida social. Os iluministas, deste modo, exatamente para tornar o indivíduo independente, submetiam-no à sua própria natureza e o reduziam a um dos tantos anéis da engrenagem mecânica da vida social. O indivíduo, livre da auto-

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ridade do Estado e da Igreja, tornava-se escravo das cegas e infrangíveis leis que governam a vida humana. Além disso, arrancado de sua concretude e colocado contra a história, anulava-se em uma abstração. E o iluminismo processa a história. Todas as formas de organização social e política, as instituições econômicas e jurídicas, as crenças religiosas consagradas pela tradição e que constituem o conteúdo da história são submetidas a uma implacável revisão crítica, que deve liberar a humanidade do estorvo do passado e constituir uma nova ordem, que traga perfeição e felicidade à sociedade. Os iluministas com o seu anti-historicismo, perdiam de vista a legitimidade e a força viva daquilo que é historicamente real [...] Assim, este movimento, principalmente na França, prepara a verdadeira ruptura com a história: a Revolução que conclui tragicamente, entre torrentes de sangue e esplendores de armas, a idade das luzes” (pp. 387-388, passim). O movimento cultural, ao qual recorre a libertação dos povos do absolutismo déspota e irracional, e através do qual terá início a possibilidade de organizar a Europa política e socialmente, de modo menos mesquinho e míope que aquele imposto pelos governos de famílias das dinastias reinantes, é tachado sem meios termos, sem nenhuma cautela e discernimento, como furiosa e brutal iconoclastia destinada somente a fechar-se de maneira truculenta e desastrosa. As iniciativas filantrópicas a favor da escola, da laicização da escola, da difusão da instrução ao povo são registradas sem muita insistência ou limitando-se a comentar que elas eram fruto de uma tensão utilitarista que caracteriza todo o Iluminismo. Com relação ao Iluminismo italiano, menciona-se Antonio Genovese e Filangieri, o primeiro movido mais pelo “sentido de concretude e de realismo” (p. 413) e o segundo pela “abstração racionalista” (ibidem), mas merecedores de menção porque em ambos “é vivo [...] o conceito do interesse do Estado mais que do direito do indivíduo” (ibidem) que, todavia, diferentemente de que indicava Rousseau, deve ser educado primeiro como cidadão e depois como homem (ibidem). Finalmente, à formulação educativa “realista e anti-humanista” do Iluminismo (p. 416), que com o Filantropismo, havia influenciado também a Alemanha, “logo reagirá a pedagogia do Romantismo” (ibidem). O “intervalo” kantiano, ao qual são dedicadas trinta páginas e das

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quais uma é para mencionar rapidamente os “corolários pedagógicos”, permite a Sciacca “lançar-se” num terreno que o mantém, como filósofo e historiador da filosofia, mais coerente. Além da rápida menção a Rousseau “sempre lembrado com originalidade” (p. 449) e da importância dada a Kant pela formação autônoma da pessoa que está consciente de subordinar os seus atos “à lei do dever que coincide com a liberdade” (ibidem), não se acrescenta mais nada. Nada, por exemplo, sobre os problemas da paz, sobre aqueles da autonomia da própria pedagogia, sobre as tensões cosmopolita e racionalista que agitaram profundamente a reflexão kantiana com uma inspiração que quer ser verdadeiramente de âmbito europeu e mundial pela sua mensagem educativa de alta especulação moral para um eu que tende a colocar-se como o verdadeiro legislador de si próprio. Em resumo, não se entende, absolutamente, que o Iluminismo não se concluía somente na revolução e no sangue das guerras napoleônicas (p. 451), mas também no grande esforço do criticismo kantiano que tenta superar os limites do mecanicismo naturalístico intrínsecos à corrente iluminista e que, em grande parte, acabou por ser destorcido pelo idealismo romântico do período oitocentista alemão.

6. O Idealismo e o Espiritualismo do Período Oitocentista O cosmopolitismo kantiano foi transformado em potente estímulo ao nacionalismo; aquilo que em Kant é pura metodologia, função, como o “Eu penso”, transforma-se, no idealismo, em Ente metafísico criador que não possui mais dualismos porque tudo se resolve no Espírito absoluto. As portas estão agora escancaradas para a unificação forçada, para a eliminação das diferenças entre númeno e fenômeno, entre sujeito e objeto, entre natureza e espírito: os dois momentos coincidem uma vez que o Absoluto é a única nascente da atividade consciente. O deterse sobre estes aspectos, interpretando-os não só como mecanismos, e especulativos, mas como modalidades de interpretações da história humana e como verdadeiras soluções da convivência política, não permi-

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te, certamente, ressaltar a possibilidade de se formar uma imagem de Europa que se liberte da homogeneização imposta por força de um totalitarismo imperante. Não é a Europa das nações que surge, mas sim aquela submetida ao domínio de uma nação, aquela mais forte e mais organizada a induzir a vontade de todos para que coincida com a instituição ou as instituições que encarnam o Espírito absoluto ou no qual ele se encarna. Não entro no mérito das análises de Pestalozzi ou de Froebel, de Schopenhauer e de Herbart porque, além de comentar a interpretação que Sciacca faz deles – uma interpretação, por outro lado, que não tem nada de original – não me parece que evoque nenhum aspecto relacionado direta ou indiretamente à idéia e imagem de Europa, se não pelo aspecto negativo – mais acima ressaltado como lacuna geral – de ignorar qualquer contextualização histórica das idéias dos autores citados. Detenho-me, ao contrário, no capítulo dedicado ao “Espiritualismo italiano” que Sciacca vê como portador de “um novo sopro de vida na nossa milenar civilização romano-católica” (p. 496). Partindo deste pressuposto, Sciacca se lança em afirmações tais como “os nossos grandes espiritualistas do Risorgimento iluminam, com uma luz ideal, todo o movimento do pensamento europeu” (ibidem). Além de entrar no mérito de tal dimensão, talvez procurando apurar realmente quanto do pensamento dos espiritualistas italianos tenha influenciado o pensamento europeu e, até mesmo quanto dele foi conhecido na Europa, parece-me que afirmações como estas acima citadas são pouco cautelosas, ditadas principalmente por uma alta dose de chauvinismo e, igualmente, por uma vontade de injetá-las nos jovens leitores contra qualquer esforço no sentido de orientar visões mais abertas e européias. As grandes afirmações com relação à secular tensão da península por causa da unificação numa pátria independente e autônoma que animam os escritos dos pensadores aqui considerados, e de modo mais exagerado os escritos de Gioberti, teriam necessidade daquela precisa contextualização histórico-política, que mencionei acima, e não de comentários genéricos, sob o aspecto crítico, mas “venenosos” do ponto de vista nacionalista. “Eles – escreve Sciacca referindo-se aos espiritualistas – apelam sempre para uma fé ética e religiosa que, para além das negações

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desagregantes, une os homens, súditos e cidadãos da mesma Pátria, ministros do mesmo Deus, obedientes aos mesmos ideais” (p. 497). Como se vê estamos diante de um tipo de pensamento que tende ao misticismo e bastante confuso, mas sem dúvida impregnado de nacionalismo. E Sciacca exagera ainda na dose, admitindo, sem acrescentar nenhuma nota crítica, conceitos de destino nacional, de missões que a Itália deve cumprir como eleita pela providência entre as outras nações européias. “Todo povo, e mais que qualquer outro, o povo italiano – continua o nosso autor sem hesitar –, possui energias nacionais vitais, as quais é necessário potencializar para a sua sempre maior grandeza e para que cumpra a missão que lhe está reservada no conjunto da história universal” (ibidem). Não se pode deixar de refletir sobre o fato que a sempre maior grandeza de um povo aumenta o perigo de que esta seja alcançada em detrimento da grandeza de outros povos que, por sua vez, tentarão a mesma operação em nome de uma missão dada a eles pela História, por Deus, pela providência ou por quem quer que seja. Nesta perigosa escalation a convivência na Europa – mas também no mundo – compreendida simplesmente como “expressão geográfica” não sugere outra coisa senão a idéia de uma luta constante, às vezes latente e às vezes manifesta, de todos e contra todos, e não, é certo, de uma pacífica convivência que sabe crescer e se fortalecer buscando motivação e energia no encontro dialético das diferenças e criando um clima de colaboração e de tolerância ativa que alimenta a educação, nutrindo-se dela por sua vez. A “tirada” nacionalista-patrioteira que Sciacca coloca como conclusão do primeiro parágrafo deste capítulo não parece realmente tal a ponto de estimular a pensar nos termos acima expostos. Ela, por outro lado, na sua pirotecnia retórica não desprovida de efeito, mas nem tampouco de confusão, é um testemunho esclarecedor das dificuldades em definir uma clara concepção educativa e, ao mesmo tempo, da vontade de avançar defendendo-se atrás do comentário aos espiritualistas, dos distinguo em relação ao aval que o idealismo estadolatra gentílico havia dado ao totalitarismo fascista. Trata-se de uma página que vale a pena referir inteiramente, mesmo porque parece que Sciacca a usa como manifesto para sintetizar as linhas básicas da união entre catolicismo e fascismo. Portanto, não obstante o fato do autor comentar, aparente-

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mente, o espiritualismo, evidentemente olhando bem além, não por acaso – mesmo com uma evidente anti-historicidade – usa tout-court a expressão “o pensamento italiano”. Assim, de fato escreve: O pensamento italiano aceita o conceito orgânico da sociedade e do Estado contra o individualismo da Revolução Francesa, mas sem degenerar na estadolatria de Hegel: considera o Estado como soberania ética e agente em todos os aspectos da vida nacional contra a doutrina liberal do Estado ausente e mal necessário, mas coloca a soberania e o conteúdo ético do Estado na dependência de um mundo moral que transcende qualquer Estado, porque transcende a história, mesmo operando no Estado e na História dos povos: renuncia ao anti-historicismo iluminista, mas rejeita o conceito da História como Deus terreno e único, conceito que acaba por negar a própria história: faz seu o princípio da liberdade do homem e do cidadão, mas evita confundir a liberdade como arbítrio do indivíduo ou com a absoluta autonomia da vontade, isto é, com uma liberdade que não é própria do homem; rejeita o princípio da ordem natural que necessariamente dirige o homem e as coisas com um mecanismo que exclui toda finalidade, assim como rejeita a concepção dialética desta ordem, a qual não o nega, absolutamente, como tal, mesmo se lhe dá um novo significado dinâmico e instaura, no lugar de uma concepção mecânica da natureza humana e física, uma concepção finalista, na qual a história se torna realização de ideais eternos de verdade e de bem e não luta de formas históricas que se destroem reciprocamente, e a necessidade mecânica é um mundo iluminado pela Providência divina: rejeita ainda, com o conceito da ordem natural, outro a ele ligado, do homo oeconomicus, substituindo-o pelo conceito de homem objeto espiritual que se serve das necessidades econômicas como meio para a realização de fins morais, religiosos e políticos [pp. 499-500].

7. Do Positivismo à Contemporaneidade Depois de uma panorâmica, pragmática e, por muitos aspectos, fraca e, mais ainda, de caráter recognitivo sobre a pedagogia do Risorgimento, Sciacca examina o discurso sobre o Positivismo que – e não poderia ser

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de outro modo dados os viscerais pressupostos anti-iluministas do nosso autor – é tachado de grave confusão e incoerência. Ele, de fato, “cometeu o erro de confundir, sempre, filosofia e ciência, mundo humano e mundo físico, espírito e matéria e de fazer, não raramente, péssima ciência sobre a base de pressupostos filosóficos e péssima filosofia sobre a base de pressupostos científicos [...] Também em pedagogia o positivismo (mais uma forma mentis que uma doutrina filosófica) foi levado a uma forma de naturalismo, que quase sempre despreza a importância educativa dos valores ideais e desconhece a profunda diferença entre o desenvolvimento espiritual e o processo de formação física” (pp. 532-533, passim). Não obstante este péssimo juízo geral, Sciacca salva (bondade sua!) do naufrágio o positivismo italiano, pelo menos o filosófico, uma vez que “o científico dos biólogos, psicólogos, físicos, médicos, etc. [...] é um misto de ciência e de filosofia, ou seja , nem ciência nem filosofia, mas muitas vezes um conjunto de grosserias” (p. 541). O positivismo filosófico, ao contrário, “tem um sentido especulativo dos problemas filosóficos e pedagógicos que falta também nos maiores representantes do positivismo estrangeiro. Na Itália, de resto – prossegue Sciacca procurando ligar o nosso positivismo a Galilei – ele não é um movimento de importação” (pp. 541-542). Resta, de qualquer forma, o fato que, também o nosso positivismo – para o qual se acena brevemente a Ardigò e Gabelli – a idéia final é totalmente liqüidante, definindo-o somente como “a expressão de uma época da nossa história”. O capítulo seguinte, dedicado a “O pensamento contemporâneo”, é um rápido panorama sobre a filosofia do início do século XX: em seis páginas e meia se esgota “o pensamento alemão” (duas páginas), “o pensamento francês” (três páginas e meia) e “o pensamento anglo-americano” (uma página). Para “a filosofia italiana”, porém, são concedidas dez páginas, das quais quatro e meia são para Croce e três para Gentile. Somente uma página é dedicada à dimensão educativa, mas com uma exposição muito caótica e formalmente pouco feliz como se deduz deste trecho: “A ação do educador é realmente educativa quando o educando se reconhece naquele: a educação é auto-educação. O objeto do educador não é a criança como um ser da humanidade, nem é sujeito da criança o mestre, como um ser no qual está instaurada toda a humanidade. Todo o

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saber se reduz à unidade do processo criador que coincide com a formação moral da personalidade. Filosofia, pedagogia e ética formam uma unidade no ato concreto da educação” (p. 564). Não se trata mais aqui de sugerir ou não uma idéia positiva de Europa, mas de um escrito realmente infeliz que não consegue comunicar senão obscuridade. O volume compreende depois, uma parte V (A atividade do espírito e os seus momentos) subdividida em três capítulos. O primeiro, intitulado “A filosofia e os seus problemas”, expõe a concepção filosófica do autor, impregnada de espiritualismo que tende a identificar a própria instância metafísica que une filosofia e religião, com um complemento postiço sobre a “metodologia educativa” de pouco mais de duas páginas nas quais se ressalta que a metodologia educativa “não é um sistema de regras impostas de fora à consciência do educador”, mas “estudo do processo de espontânea formação do espírito” (pp. 585-586, passim). No todo tratase de páginas muito imprecisas porque são, geralmente, desprovidas de qualquer argumentação. Pode parecer também que, para os propósitos do discurso aqui em questão, ou seja, a idéia de Europa, causassem pouco dano. No caso específico é verdadeiro, certamente. Mas não o é do ponto de vista geral; se pensamos que a construção de alguma coisa que valha a pena ser vivida, como acredito que possa ser considerada a formação de uma concepção positiva, ou seja, harmônica e colaborativa, pacífica e aberta para a formação racional e democrática de todos, da Europa, são necessárias contínuas e claras sugestões para se meditar de modo sempre mais complexo e profundo, e não, certamente, retóricas enfumaçadas ou afirmações ou convicções expressas de modo apodíctico. O segundo capítulo é dedicado a “A formação do homem no Estado fascista” onde são comentadas, em parágrafos pobres e referências à “Doutrina fascista” inserida no apêndice, as retumbantes afirmações sobre um Estado que rejeita com força o liberalismo e o socialismo, que se coloca “espiritualisticamente” acima de todos os cidadãos, que não admite nada além de si, e que se coloca como Estado forte e autoritário e que promove exclusivamente uma educação nacional. A conclusão com relação a uma idéia de Europa não poderia ser mais clara. O terceiro capítulo, “Acenos sobre a literatura infantil”, esgota-se em cinco páginas que se limitam a ressaltar que o livro, por ser um verda-

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deiro livro educativo para crianças, não deve ser “exteriormente pedagógico”, mas uma verdadeira obra de arte (p. 596). E lista, rapidamente, uma sucessão de autores de livros (evidentemente entendidos como obras de arte!) para a infância, dentre os quais somente dois estrangeiros: Defoe e Verne. Também para este capítulo vale quanto foi dito para o primeiro, com o agravante de que o inexperiente leitor poderia ter a impressão de que as outras nações fossem totalmente estranhas à produção de livros para a infância, tesouro e produto quase que exclusivo da Itália fascista. O volume conclui-se com um apêndice que traz, obrigatoriamente, “A doutrina do Fascismo de Benito Mussolini”. Não me aprofundo em nenhum comentário, dado que não é nada além de uma parte postiça do livro, cuja responsabilidade não deve ser atribuída ao seu autor. Limitome a constatar a sua presença e a observar quão pouco, com sua visão totalitária e absolutista do Estado que marginaliza ou sufoca e que, de qualquer modo, não admite diversidade e contrastes, poderia servir para a formação educativa em geral e, em particular, para dar uma idéia positiva de Europa.

8. Considerações Conclusivas No todo, para concluir, a imagem de Europa que resulta de um tal manual é aquela de uma simples expressão geográfica, repleta de nações que, mesmo tendo exprimido ou podendo exprimir idéias e conceitos sobre o problema educativo, não conseguiram fazê-lo e não o fazem tão bem quanto a Itália, que é o verdadeiro berço da civilização, compreendida como civilização cristã. As idéias nascidas na península são sempre boas e vigorosas e serviram aos outros povos para que crescessem e se desenvolvessem. Quando (às vezes acontece ou aconteceu) também a Itália teve que retomar reflexões e sugestões que surgiram em outros lugares, foi capaz não somente de reelaborá-las de forma original, mas também de reuni-las como já havia exprimido e amadurecido anteriormente a ponto de saber colher a melhor parte. Além disso, não poderia ser diferente, dado que a Itália é o berço da civilização cristã e a Providência atribuiu-lhe uma missão a cumprir que,

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substancialmente, é aquela de se tornar sempre maior e mais potente. Nesta empresa o Fascismo é um formidável e indispensável aliado. Inspirado numa visão espiritualista da sociedade e do mundo, ele persegue, com força e decisão, o fortalecimento constante do povo italiano. Por isso o Estado não pode permitir ser perturbado, nesta sua alta função missionária, por partidos e sindicatos que exprimam discordâncias ou entraves. Tudo deve retornar ao interior do Estado que, único, atua para o bem e a prosperidade da Itália colocando-se contra tudo e contra todos, indivíduos, associações ou nações, que se coloquem como freios para o alcance do seu objetivo. Também a educação, portanto, deve fazer parte não somente do Estado, mas seguir as mesmas finalidades que ele se propõe. Deve ser uma educação nacional. Nessa perspectiva, a idéia de Europa não pode suscitar senão a imagem de competitividade e de perigo. Aquilo que conta e aquilo que deve ser educado é a consciência, inteiramente provinciana no seu mesquinho nacionalismo de serem cidadãos italianos, a nação mais civilizada da Europa.

La Educación Histórica del Deseo Agustín Escolano Benito*

O artigo interroga-se sobre o desejo como leitmotiv essencial do mundo da vida e do mundo da cultura e educação. Destaca a importância da aventura da utopia na ação educativa, esta última percebida como prática cultural. Discorre sobre estudos acerca do desejo realizados no campo da história, demonstrando a revalorização do estatuto epistemológico e prático do desejo nas análises da modernidade. Conclui sinalizando para uma educação do desejo como forma de emancipá-lo criticamente das velhas e novas tutelas que o protegem. DESEJO; MEMÓRIA; CULTURA; EDUCAÇÃO. The article questions itself about the desire as an essential leitmotiv of the life world and of the culture and education world. It points out the importance of the utopia adventure in the educative action, this last one noticed as a cultural practice. It discourses about studies on the desire accomplished in the history field, showing the revalorization of the epistemology and practical statute of the desire in the modernity analyses. It concludes signalizing into a desire education as a way of emancipating it critically from the old and new tutorship that protect it. DESIRE; MEMORY; CULTURE; EDUCATION.

*

É catedrático de História da Educação da Universidade de Valladolid (España), presidente da Sociedade Espanhola de História da Educação e membro do Comitê Executivo da ISCHE (International Standing Conference for History of Education), isto é, a Associação Internacional de História da Educação. É, ainda, fundador e diretor da Revista Espanhola de História da Educação (Universidade de Salamanca). Áreas de investigação: Manualística, Culturas Escolares, História da Escola e do Currículo, História Comparada da Educação.

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El Ethos del Deseo Este ensayo bascula hacia un leitmotiv esencial del mundo de la vida, y también de la cultura y de la educación: el deseo. Del deseo emerge en realidad no sólo la voluntad de construir la vida y la cultura, sino incluso el viaje a la memoria, a la hermenéutica de la tradición. El deseo no es sólo impulso, energeia, hacia la realización del sentido, sino la fuerza que orienta el discurso, en bucle retrospectivo, hacia la narratividad de la experiencia histórica y personal, o una prolongación de ésta. La educación es, en primer término, urgencia y deseo. Ella se origina como necesidad en la lógica interna de los sistemas sociales, y se manifiesta asimismo como expresión de una íntima y autorreferente vocación proyectiva o poiética del mundo de la vida y de la cultura. Si la memoria, que sólo puede ser reclamada por las solicitudes del presente y por los retos del futuro, asegura la continuidad del transfondo mítico de la historia personal y colectiva, el deseo introduce en esta dialéctica la aventura por la utopía, el ethos del entusiasmo que nace en la ilusión y el sueño. “Lo deseo más que lo espero. Hay muchas cosas en la república de Utopía que, más que confiar o esperar en ellas, las desearía para nuestras ciudades”. Así cerraba Tomás Moro (1986) su proyecto para la nueva polis. Toda utopía es en verdad, como afirmaba Ernst Bloch (1977), una forma histórica del “principio esperanza”, pero también es, ante todo, una expresión de la voluntad y el deseo. “El paraíso está en nuestros deseos” – se puede leer en Ultimas noticias del paraíso, de Carmen Sánchez (2000), el último premio Alfaguara. Luego viene la aventura, mezcla de razón y de pasión, por encontrar la utopía en los surcos de la memoria y en los anuncios del porvenir que darán fundamento y coherencia a la educación como proyecto. La salida hacia el futuro suele ser casi siempre como el juego de un laberinto: un viaje nómada por corredores tortuosos que ha de estar guiado por la intuición, pero también por la memoria. Se puede atravesar este laberinto como un ciego, por azar. Pero si se quiere evitar rondar en el dédalo hasta el infinito, y repetir los mismos errores, el nómada necesita signos o guías, comenta Jacques Attali en su reciente y sugerente Traité

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du Labyrinthe (s.d., pp. 173-175). Mas si no encuentra el hilo mágico que le señale el camino, el hombre que se forma tendrá necesidad de la memoria y de la hermenéutica. La experiencia es la clave para educar a los navegantes en la aventura del deseo y hasta para descifrar algunos códigos herméticos del camino. Y por eso tal vez la educación de la memoria haya sido un elemento esencial en la iniciación de los jóvenes de la mayor parte de las culturas antiguas. El arte de la memoria, un capítulo central en la retórica clásica, se constituyó así en una de las claves en la educación histórica de los deseos. Por eso, Mnemósyne fue para los griegos la madre de las musas, y para Cicerón el mejor guardián de la virtud de la prudencia y de todo el tesoro de invenciones que creó la cultura humana (Yates, 1977, pp. 7-17). En la Iconología de Cesare Ripa, del XVII, la memoria aparece representada por una mujer con dos rostros que sostiene con una mano la pluma y con la otra un libro. La memoria puede abarcar la totalidad del pasado, gracias a lo cual podemos autorregularnos con previsión y cálculo en relación a las cosas por venir (Ripa, 1997, pp. 66-69). El libro podría ser, en este sentido, el registro de la experiencia que inspiraría la nueva escritura, la que emanaría del ámbito del deseo, aún por materializar. Pero más allá de sus vinculaciones con la memoria, el ethos del deseo estaría desde luego, como vio Nietzsche, en la voluntad de vivir y en la creación de valor y de sentido, esto es, en la fuerza de la moral ascendente, que tiene que ver también con la voluntad de poder. Nuestro tiempo asiste, como hace un siglo, a una nueva crisis de la modernidad, que ha sido denunciada ad nauseam por la crítica de la cultura de las últimas décadas. No es fácil, por eso mismo, suscitar una nueva estimativa que oriente la moral del deseo. “¡Qué difícil es cuando todo baja no bajar también!” – escribió Antonio Machado en Los Complementarios (1957, p. 14). Más, en todo caso, la esperanza de un nuevo programa emancipador sólo emerge del análisis crítico de la genealogía de la crisis. Un sugerente ensayo de Raimundo Cuesta me ha ayudado a enfocar con racionalidad el tratamiento de esta incertidumbre. El deseo, según él, ha de ser cultivado en el seno de comunidades críticas que se afanan en

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construir pedagogías radicales, y debe sustentarse al tiempo sobre el desarrollo histórico “deseante e insatisfecho” – expresión que toma de Ernts Bloch – y un futuro utópico desiderativo. La positividad del impulso ético se recuperaría, así, mediante una cierta educación histórica del deseo que mostraría cómo aprender a desear un mundo mejor (Cuesta, 1999, pp. 71 y ss.). A ello nos referiremos más adelante. Confieso que cuando rotulé este programa desconocía que el deseo hubiera sido objeto de reflexión para los historiadores, casi siempre abocados hacia la mirada retro. El trabajo de Cuesta me aportó información acerca de los usos que la historiografía británica reciente había hecho de la expresión “educación del deseo”. La biografía de E. P. Thompson (1998) sobre William Morris hablaba de enseñar al deseo a desear más, mejor y de un modo diferente, y un libro de Harvey J. Kaye, de 1992, se anunciaba bajo el sugestivo título The Education of Desire. En todas estas referencias se apuntaba hacia un uso emancipador del pasado en relación con el futuro y en definitiva a la necesidad de pensar históricamente la realidad, como concluye el propio autor. El ethos del deseo vendría así a configurarse como una síntesis dialéctica entre el impulso y la genealogía de la moral y la cultura históricas, entre las emergentes expectativas del mundo del mundo de la vida y la experiencia acrisolada por la sociedad. Este esfuerzo de convergencia entre la ética y la historia puede orientar la búsqueda del sentido, en una época que sufre a diario la tentación de abocarse al nihilismo y al vacío, como advirtió Lipovetsky (1986), o de entregarse a los dictados performativos y acríticos de la tecnología, según concluía Lyotard (1984). En la perspectiva estrictamente historiográfica, la lectura del pasado ha de permitir, como sugiere Chartier (1998), situar los discursos y los relatos en las estrategias utilizadas para producir sentido, pero eludiendo al tiempo la dogmática de los metarrelatos y la nostalgia de la gran teoría. No en vano, la historia se está viendo hoy también afectada por los aires deconstructivos que provienen de la postmodernidad, y ello ha introducido un notorio y saludable relativismo en cuanto a la aplicación de los modelos teóricos clásicos, y un retorno a la narratividad. No es fácil sentirse un extranjero al tratar de contextualizar nuestros deseos, pero a veces hay que intentarlo como ejercicio de creatividad y

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profilaxis. Maxine Green (1995, pp. 82-85) habla del profesor como extranjero que ha de ensayar situarse con perplejidad e interrogativamente en el mundo en que vive y frente a su pasado. Al igual que el viajero que regresa a casa después de una larga estancia en otro lugar, el nuevo observador “descubre que tiene que pensar de nuevo los rituales y las costumbres de su pueblo para poder entenderlos”. Ya no puede, sin más, “asumir el patrón heredado”. Para darle sentido otra vez a su cultura, ha de reordenar y reinterpretar todo lo que ve bajo su renovada mirada. Obligado a releer una realidad siempre diferente, se sentirá más vivo que nunca. Nuestros deseos, continuamente renovados, también invitan a revisar sin estereotipos la tradición y a reconstruir críticamente y sin prejuicios la memoria. En esta nueva lectura de la historia los grandes relatos están ya bajo sospecha, y sólo la nostalgia o la rigidez ortodoxa puede refugiarse en ellos. Tras la renuncia a los discursos de las teorías fuertes, el análisis se aboca inevitablemente a la narratividad, y bajo la lógica de un nuevo constructivismo hermenéutico indaga en la escritura y en los silencios, que también pertenecen a la lingüisticidad del logos, las tramas intertextuales que otorgan sentido a la memoria y la hacen inteligible. Luego comunica estos hallazgos con los deseos. Las historias nos han formado a todos y, al igual que el narrador las utiliza para construir ficciones, nosotros nos servimos de ellas para prolongar nuevos relatos, nuevos experimentos, en los que fundar la esperanza. En esta dialéctica tal vez podríamos coincidir con Tomás Moro. También nosotros podemos desear, aún dentro de la prudente espera. El ethos del deseo se sitúa así justamente en el juego entre la memoria y la esperanza.

La Crisis del Deseo Es un lugar común de la critica sociopedagógica de los últimos años advertir que nuestra educación está sumida en un mar de incertidumbres, que apenas guarda memoria de sus tradiciones, ni aún a veces de los ensayos de las últimas vanguardias, y que no tiene horizontes que guíen el sentido y atribuyan significación a sus proyectos y a sus prácticas.

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La crisis de los relatos y la fractura de los lazos sociales que regularon los códigos de comunicación en las instituciones de educación y cultura en épocas todavía recientes han afectado también a los deseos y a la construcción del ethos que dimana de ellos. Más aún, si “educar e instruir son – como indicó Lyotard en la La postmodernidad explicada a los niños – actos filosóficos” (1995, p. 115), el discurso pedagógico contemporáneo ha debido verse afectado inevitablemente, en su logos y en su pragmática, por la crisis antes notada. La narrativa de la modernidad se nucleó en torno a relatos que implicaban a la vez deseos: la realización de un espíritu universal, el desarrollo de las libertades, la sociedad sin clases, la paz perpetua, la ilustración general… Estos desiderata perdieron fuerza y legitimidad como creencias plausibles y como discursos realizables y dieron paso a las diversas formas de lo que Vattimo (1988) denominó el “pensamiento débil”. A esta crisis de confianza siguió la disolución de las formaciones sociales en que sustentaban aquellos relatos, hoy sólo justificados por la retórica política y mediática, pero sujetos desde luego a sospecha metódica y moral. No es que estos discursos se vean como inmorales. Lo que sí se percibe en crisis es su credibilidad, puesta en tela de juicio por el cinismo retórico con que se han interpretado y aplicado por los intelectuales orgánicos de las grandes ideologías. Los valores decaídos han sido reemplazados por las ideas que a modo de nuevo convoy semántico definen la sociedad-red y el mundo de la globalización. No existe ya nostalgia de la gran teoría o del relato perdido, que puede aún sobrevivir incluso como rudimento sin función o como mito nostálgico en las generaciones formadas antes de la crisis, pero no en los jóvenes. Por otro lado, se esta exacerbando el papel de la tecnología, y especialmente la relacionada con el mundo de la información y los nuevos lenguajes. Esta, siguiendo la lógica de la racionalidad instrumental, sustituye a menudo como valor a los metarrelatos y adquiere por sí misma el crédito que puede satisfacer ciertos deseos culturales. Este giro sociomoral está afirmando la ética de la performatividad, basada en criterios de valor exclusivamente eficientistas. Hace tiempo que el sociólogo neoliberal Daniel Bell (1977) señaló, al analizar las contradicciones culturales del capitalismo tardío, cómo el

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triunfo de la racionalidad tecnológica en la sociedad industrial avanzada podía agudizar la dialéctica entre los valores de la misma ética de la burguesía. De una parte, el orden tecnoeconómico se aboca por su propio tropismo a la eficacia, esto es, a lo que después Lyotard denominó performatividad (eficiencia de la actuación sin valor añadido). Bajo este impulso, la razón y el deseo se orientarían hacia el buen funcionamiento del sistema y al rendimiento de la tecnoestructura. Los actores, en el caso de la educación, serían definidos como tecnológos o ingenieros del planeamiento, gestión y control de los procesos de aprendizaje y enseñanza. Ahora bien, esta lógica del deseo burgués, tal como opera en la sociedad avanzada no podía ser incompatible con otras dos aspiraciones de las cultura democrática: la oferta de condiciones de igualdad para el desarrollo de todos los miembros de la comunidad, cualquiera que sea su origen y situación, y la de facilitar la satisfación a las necesidades de autorrealización y bienestar personal de los individuos. Estos desiderata pueden sin duda entrar en contradicción con las estrategias de la performatividad, toda vez que, como sucede en el mundo de la educación, los intereses y aspiraciones – los deseos, en definitiva – de los sujetos no siempre guardan concordancia con los valores de logro que los sistemas imponen, o viceversa. Tales disonancias, que en gran que parte han sido inducidas por el imperio de la racionalidad tecnológica e instrumental, están condicionando las interacciones del hombre con la cultura y con la educación. En primer lugar, porque abocan hacia una orientación reductiva del deseo en torno al ámbito de lo tecnoeconómico. También porque aún siendo la tecnología, como es obvio, una producción de la cultura humana, nunca se le atribuyó sin embargo el estatuto académico de excelencia que la habría constituido en contenido deseado de formación general, y no sólo de la especializada. Este asunto, que nos parece crítico y estratégico en el desarrollo actual de la cultura escolar, requiere alguna mayor reflexión1. Con la Ilustración, la técnica entró en el currículum bajo una lógica estrictamente utilitaria2. Luego, la revolución industrial y burguesa segregó 1

Véase Benito, 1998a, pp. 11-39.

2

Véase Benito, 1998b, pp. 33-51.

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la educación profesional superior, que orientó bajo un sesgo selectivo y corporativista, de la menestral o artesana, reducida a subcultura empírica precariamente academizada. Humanidades y tecnología configuraron en el pasado lo que los sociológos de la escuela francesa denominaron, hace unos años, las dos redes del sistema educativo. Pero últimamente se han oído voces, entre las que se cuenta la del Collège de France, que propugnan, como hizo la comisión Bourdieu, una oferta más abierta de las formas de excelencia cultural socialmente reconocidas y rechazan los viejos esquemas de jerarquización del saber, en los que lo práctico, lo técnico y lo aplicado siempre aparecieron subestimados frente a lo teórico y lo humanístico. Este cambio exigiría revisar el papel que las disciplinas escolares representan en el cursus honorum de la sociedad, y en consecuencia supondría otorgar a la tecnología y a toda la cultura material en general la estimación social y legitimidad académica concordantes con el carácter de la nueva sociedad (Bourdieu, 1985, pp. 1315 y 26-27). Desde este planteamiento, la crítica de la racionalidad instrumental no debería orientarse sólo a señalar los límites de una cultura obsesivamente performativa, sino también a estimular el deseo en favor de los valores de la tecnología como contenido de una educación humanística a la altura de los tiempos. Con ello, la técnica se dotaría de un nuevo estatuto epistémico y curricular, esto es, se configuraría como una disciplina que incluiría, además del estudio de los cambios en los modos de producción, el análisis de las consecuencias antropológicas y sociales de sus usos, y que se ordenaría también a la formación general y humanizadora de los individuos. La reconceptualización de la tecnología que aquí se sugiere comporta, pues, una visión del poder de la racionalidad instrumental como forma de cultura que ha de ser críticamente asumida, más allá de sus obvias contribuciones al progreso de la civilización material. Desde esta perspectiva, el deseo no puede orientarse sólo al ámbito de lo performativo, sino que ha de buscar también en la cultura técnica una cierta racionalidad emancipadora y humanística. La difusión de los contenidos intelectuales de la tecnología y de sus usos morales podría contribuir sin duda a una educación general de los deseos. Este giro

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pedagógico implica, por tanto, grandes virtualidades para una educación moderna orientada para el futuro. La crisis del deseo se acentúa, por otro lado, con el desconcierto que la pérdida de estabilidad en los relatos y el consiguiente nuevo malestar de la cultura han inducido en el mundo de la educación y en el desempeño del oficio de enseñante. En algunos análisis se señala cómo el deseo se encauza por la vía pragmática de los ensayos lúdicos en la dialéctica deconstrucción/construcción, frente a las decadentes pretensiones emancipadoras de la gran narrativa, en la que no se cree. En otros, se percibe una especie de estrategia provocativa, arguyendo que para salir de la crisis precisamos ideas perturbadoras que permitan “pensar de nuevo” la educación y su historia. Henry A. Giroux (1998), en la presentación de los textos del Symposium on Posmodernism and Education, enfatiza la importancia de repensar la escuela para redefinir el compromiso público de los profesores como intelectuales. Thinking Again es precisamente el título de la compilación que recoge los materiales de la conferencia de la Philosophy of Education Society, reunida en Oxford en 1995. Volver a pensar es pues una derivada ética que nace de la crisis del deseo que ha suscitado la postmodernidad. Narrativas complejas, historias diversas, lenguajes múltiples. Tales son los signos con los que se anuncia la nueva cultura. Estos son los fragmentos cuyo análisis y tratamiento sólo pueden abordarse desde unas renovadas relaciones entre pedagogía y cultura, experiencia y lenguaje, moral y sociedad. Las democracias cívicas y culturales avanzadas ensayan afrontar esta perturbación del deseo asumiendo críticamente el debate sobre el pluralismo de identidades, sin renunciar a un nuevo diálogo con los clásicos de la modernidad, como intentó, por ejemplo, Rorty con Dewey. Desde este planteamiento – algo intrépido ciertamente – se puede incluso releer Democracy and Education como un texto postmoderno que anticipa la emergencia de las ideas constructivistas de más avanzada vanguardia. Igualmente se puede mostrar cómo las propuestas de Derrida, Foucault o Lyotard pueden servir tal vez para iluminar de forma creativa el puzzle de la educación contemporánea y la orientación de las dudosas intenciones y confusos deseos de los profesores. Estos son sólo algunos puntos, entre otros muchos que se podrían

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considerar, que deberían debatirse para definir con claridad el perfil de la educación que deseamos.

El Deseo Cautivo Derribados los fundamentos de la tradición construida por una bildung comúnmente aceptada, depuestos los criterios que introducían orden en los sistemas de valor y en las disciplinas, el discurso que emerge tras la crisis posmoderna retorna a un revival del deseo y del papel que este puede jugar en la búsqueda de la reconstrucción del sentido. La vida personal y social es inviable sin una comunidad de significados, que es la matriz de toda cultura, de cuya orientación también dependen en definitiva la escuela y el desarrollo de los individuos. Andy Hargreaves (1999) ha llamado la atención recientemente sobre un hecho obvio acerca del cual pocas veces se ha recapacitado: las emociones pertenecen al corazón de la enseñanza, y sin embargo están prácticamente ausentes en la literatura sobre el cambio educativo. Los enseñantes son seres apasionados, aunque empleen en su trabajo libros y máquinas. Educar, dice también Fried en su estudio titulado The passionate teacher (1995), es una profesión llena de emociones. No se sugiere con ello que una crisis cognitiva como la que deriva del comentado malestar de cultura se vaya a resolver recurriendo a la llamada inteligencia emocional o al irracionalismo, pero sí se invita a la estrategia racionalizada de reforzar los impulsos del deseo hacia la responsabilidad. La ley de la existencia humana es la “ley del deseo” en su significación ética, que puede adoptar por supuesto diferentes modos de expresión. Esto se lee en el estudio, de corte neolacaniano, titulado “The Responsability of Desire”, que se incluye en el compendio de Oxford antes citado (Blake et al., 1998, pp. 111 y ss.). En este mismo volumen se insertan trabajos que igualmente aluden al mundo de los deseos: “Learning by Heart”, “The Learning Pharmacy”, “Telling Stories out of School”. El mismo Jacques Derrida (1995) se refiere al “aprender con el corazón” como una estrategia que enriquece semánticamente la comprensión del texto. Esta actitud, lejos de sobrepasar las leyes de la economía de la

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enseñanza, da entrada a un audaz enfoque que puede enriquecer el campo intelectual de la enseñanza, conmocionar la moral de la voluntad y estimular los deseos de los agentes que en ella intervienen. Tal vez la inflexión hacia el deseo que esta línea del posmodernismo sugiere, bien distinta desde luego de la tecnoperformativa, antes comentada, podría parecer a algunos irracional y aun perversa, pero incluso sus formas más relativistas son sin duda útiles para remover las presunciones de etnocentrismo y universalismo que subyacen en muchos discursos y lenguajes convencionales. La lógica de los deseos puede subvertir y desestabilizar los sistemas culturales clásicos y modernos, sin que tenga que abocarse a argumentos únicos y coherentes, que en el actual estado de crisis ni son posibles muchas veces, ni tal vez deseables. El énfasis en los deseos podría en cambio encauzar los valores emergentes de lo que Giddens (1993) ha llamado la Alta Modernidad, eludiendo así los riesgos de disolución del sujeto en un mundo fragmentado y sin centro. Dentro de esta lógica de los deseos se podrían asumir los enfoques pedagógicos recientes que conjugan la razón y la pasión (el logos y el eros) en el tratamiento de las relaciones de género, la atención a la diversidad, la dialéctica entre lo etnolocal y lo global, los problemas interculturales, el nuevo ecologismo… Todas estas cuestiones van a ser abordadas en este curso3 en ponencias específicas por especialistas reconocidos, lo que me exime de desarrollarlas aquí expresamente. Lo que sí me interesa enfatizar en esta introducción, sin embargo, es la revalorización del estatuto epistémico y práctico del deseo en el análisis de la modernidad avanzada. Desde esta perspectiva, la crítica de la modernidad no sería ya una “corriente emocional” de talante “antimoderno” que aspiraría a colocarse en la posilustración y aún en la poshistoria, como se temía Habermas, sino una nueva fase de la conciencia histórica por la que discurrían los conflictos que se suscitan desde las mismas fuentes del deseo. La educación es, en todas las sociedades y en todos los tiempos, una práctica cultural que emerge del deseo en sus distintas formas de expresión: 3

Refere-se a “La memoria y el deseo”. Curso de verão da Universidad de Vallodolid, oferecido em julho de 2000 (N. da Ed.).

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a) Si los deseos provienen de la cotidianidad del mundo de la vida, esto es, de la cultura empírica de los agentes que intervienen como sujetos en los procesos de formación, se manifiestan en expectativas sociales prácticas y en aspiraciones de autorrealización de los individuos. b) Si los deseos se formulan en los entornos académicos que los interpretan y definen como instituciones de mediación, pueden adoptar la forma de intenciones derivadas del conocimiento experto. Los lobbies académicos se erigen a menudo en proyectistas de deseos y objetivos que se promueven en los programas de educación formal. Esta cultura es probablemente una forma de arbitrismo. c) Si, finalmente, la fuente de los deseos radica en la voluntad de poder, es decir, en la moral y cultura políticas, las aspiraciones educativas se expresarán en el lenguaje normativo de los códigos y en las leyes internas de regulación de las burocracias escolares. En todos estos planos, el deseo no es energía espontánea e incondicionada. Tanto el “cuidado de sí mismo” – tomada esta expresión en el sentido foucaultiano –, como los proyectos sujetos a mediación académica, o las expectativas de la política educativa, son registros regulados, cautivos, gobernados. Michel Foucault (1982, 1996) explicó bien en sus últimos escritos los mecanismos por los que se estructuran las llamadas “tecnologías del yo”, o lo que es lo mismo, la “gobernabilidad” de los deseos que construye y configura la nueva subjetividad. Antes, en Surveiller et punir, había examinado el origen de las estrategias de disciplinarización por las que las instituciones normalizaban a los individuos socializando sus deseos mediante pautas de control y policía social que han llegado a configurar toda una tecnopolítica de los cuerpos y de las mentes. En realidad, todas estas políticas de vigilancia y gobierno de sí mismo y de la comunidad son formas de la “biopolítica” que incluyen la hermeneútica del sujeto y de la pedagogía, según ha hecho notar Miguel Morey (“Introducción”, em Foucault, 1982, p. 38). En ellas se abordan los métodos de policía y administración de los sueños y utopías, es decir, de los deseos, técnicas que incluso se llegarán a constituir en disciplinas

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académicas en interacción con las nacientes ciencias del hombre. A estas tecnologías de dominación y control de los otros y de uno mismo es a lo que se refiere Foucault al hablar de gobernabilidad (1996, p. 49). Es evidente que las culturas política y académica gobiernan y manipulan nuestros deseos. La primera con estrategias de policía y gestión que regulan lo que es plausible desear y de qué modo puede ser satisfecho el deseo posible. La segunda regula este mismo deseo mediante la hermenéutica y la mediación racionalizadora entre el sujeto y las organizaciones conforme a reglas aceptadas por la comunidad de teóricos. Pero también los deseos individuales están cautivos. Las tecnologías del yo han creado juegos de verdad en los que se han constituido prácticas para el gobierno de sí mismo. Foucault estudia a este respecto, en la tradición clásica, cómo la noción socrática del “cuidado de sí” fue sufriendo metamorfosis entre los estoicos, cínicos y epicúreos del período helenístico, y cómo la pedagogía cristiana fue igualmente ideando prácticas de gobierno del yo (sí mismo, soi, self) que configuraron toda una tecnología de la regulación del deseo. La Ilustración, al enfatizar el papel político de la razón, también amenazó la relativa autonomía de los individuos, como puso de manifiesto Kant al denunciar los abusos del poder moderno en nombre de la racionalidad. Y, en general, todos los aparatos de los Estados han terminado por constituirse en lo que Norbert Elias denominó coacciones civilizatorias. Ellas son las que, en definitiva, cautivando las libertades y los deseos, abocan a la tutela de la felicidad.

La Educacion del Deseo Mas, aunque cautivo, el deseo también puede ser educado para emanciparse críticamente de las viejas y nuevas tutelas que le protegen. En una entrevista a Michel Foulcault en 1982 en la Universidad de Vermont, el filósofo- historiador francés sostenía que era preciso enseñar a la gente que, pese a las sutiles formas de cautividad que acosan a las mentes y a los cuerpos, los hombres y las mujeres eran más libres de lo que se sentían, que los juegos de verdad construidos históricamente podrían ser también no sólo criticados, sino incluso destruidos (ver 1982, pp. 142-

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143). Y este era el papel que justamente correspondía a los intelectuales: desvelar la genealogía de las sutiles retóricas que gobiernan el deseo e impulsan nuevos cauces para la libertad. Para ello habría que ensayar juegos inéditos, aunque nunca se pudiera prever cómo estos experimentos iban a terminar. Esta era la mejor estrategia de apoyo a la espontaneidad de los deseos, en la que se podría confiar. Retomar el deseo podía ensayar vías para crear libertad, aun a riesgo de que el inevitable poder de las renovadas influencias pudiera otra vez reducirlo a nuevas formas de gobernabilidad. Ser libre, esto es, elegir libremente, es – lo señalaba ya Aristóteles – “inteligencia deseosa” o “deseo inteligente”. Las pasiones, los deseos, orientan nuestro estar en el mundo, comenta Emilio Lledó (s.d., pp. 85 y 146) al hilo de estas notas. Una larga tradición puede enmascarar en las palabras el orden de los deseos, mas para eludir este riesgo está la hermenéutica. Si se suprimiera la historia, el deseo se consumiría en sí mismo. De este modo, la interpretación del lenguaje y de la memoria se constituiría en otra forma de educación histórica del deseo, o lo que es lo mismo, en la construcción de un deseo culto y cívico, más allá de las tentaciones psicologistas de fundar la voluntad en el narcisismo o el espontaneísmo irresponsable. Una educación crítica del deseo no puede dejar, pues, de ser histórica. Algunos análisis han querido educar las actitudes ante la crisis del deseo en nuestra sociedad mediante el recurso a la ejemplificación histórica. Se ha subrayado, a estos efectos, que la disolución de los discursos que se gestaron a partir de la racionalidad moderna e ilustrada, así como de los lazos sociales que se asociaron a estos relatos, es comparable en parte a la crisis que siguió a los momentos de esplendor de la Grecia clásica. Según es sabido, la decadencia de la polis y de las filosofías mayores de Platón y Aristóteles dieron origen a una mentalidad más abierta y a una sociedad más dispersa, del mismo modo que a una cultura y a una educación – la helenística – cada vez más ecléctica y relativista. Los grandes relatos perdieron funcionalidad como fuentes del deseo, y como discursos analíticos y dialécticos que lo interpretaban, dando paso a filosofías “menores” como las que se orientaron a la retórica, el enciclopedismo, el epicureísmo o el estoicismo.

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Es evidente que esta analogía es un anacronismo por las diferencias de tiempo y cultura que se dan entre los hechos comparados, pero la educación histórica del deseo puede encontrar en ella elementos críticos de reflexión. ¿A qué responde hoy, en este orden de cosas, el contractualismo ecléctico, esa especie de bonanza consensual que todo lo asume, incluso la disidencia? o ¿Cómo entender asimismo el nuevo enciclopedismo del conocimiento en red y las formas retóricas que suscita la sociedad de la información? ¿Qué tipo de moral emerge en estas relaciones entre el saber y la sociedad? Emilio Lledó ha llamado igualmente la atención en su Memoria de la Etica (pp. 292-293) acerca de las afinidades de nuestra época con la helenística. Pero en vez de abocarse hacía un pesimismo histórico irreversible, considera que los filósofos que siguieron a la decadencia de la polis supusieron en verdad un paso adelante en la reflexión critica sobre la condición humana. En realidad, entonces como ahora, se empezó a no percibir el mundo como algo oculto por los discursos que lo describían, es decir, como una estructura menos teórica y alienante. La atención al cuerpo, al placer y a la sensibilidad, que no sólo fue postulada por los epicúreos, sino por otras filosofías morales de la época, era una llamada al encuentro con uno mismo y una reacción a las ideologías que podían encubrir la realidad con el engaño de una esperanza insaturable. La única esperanza legítima sería ahora la felicidad que ciñe el deseo a la ciudadela de nuestra existencia. Donde los epicúreos dicen placer, los estoicos hablan de virtud, pero en el fondo concurren en el cuidado del “sí mismo”. Para Séneca (1984), los conceptos de Epicuro eran “venerables” y “rectos”. Su escuela “tiene mala reputación, y no la merece”. En realidad, el hombre sabio ha de acertar a unir “cosas incompatibles” y hasta “enlazar el placer con la virtud” (pp. 67-70). Aquella máxima de Epicuro que invitaba a ser libre en la propia barca, huyendo de toda forma de paideia era en realidad una búsqueda de la imperturbabilidad del ánimo por la superación de la desarmonía de los deseos mediante la ataraxía y la hedoné. Si la polis no une ya en la esperanza, y la amistad (la philía) no puede ser política, habrá que indagar la felicidad y acercarse a ella por el cuidado de sí mismo en armonía

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con la naturaleza y la razón colectiva a través de la comunicación. La negación de la cultura y de la paideia sería, así, una especie de ejercicio de prudente escepticismo para el acceso a otro tipo de educación que asegurase la felicidad y el progreso (Lledó, pp. 286, 291). Tal vez hoy la crisis de cultura impide formular un discurso unívoco de educación deseada, y por eso quizás sea más razonable girar hacia la educación del deseo, es decir, de los ímpetus poíéticos que emergen del mundo de la vida y que se comunican por el diálogo en construcciones intersubjetivas. Este giro supone una actitud de confianza en la lingüisticidad del logos que puede permitir, por un lado, deconstruir las representaciones públicas de la realidad y de la cultura (implícitamente también de los modos de educación), que desde esta posición crítica han de ser sometidas a sospecha, por cuanto impiden manifestarse al deseo en su autenticidad. Luego, la genealogía y la racionalidad comunicativa ayudarían a elucidar la explicación genética, así como a la búsqueda de consensos críticos. Los análisis de Foucault y las propuestas habermasianas, la exégesis histórica del discurso y la racionalización de los actos de habla que emergen del mundo de la vida, acercarían a emancipar al deseo cautivo y a educarlo conforme a las reglas de la ética y la pedagogía de la comunicación.

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Por uma Bibliografia Material das Escritas Ordinárias o espaço gráfico do caderno escolar (França – Séculos XIX e XX) Jean Hébrard* Tradução de Laura Hansen** A partir de meados do século XIX, na França, a escola não mais restringe suas ambições a uma alfabetização limitada ao “somente ler” ou mesmo ao ler, escrever, contar. Ela visa difundir vários “savoir-faire” complexos que permitem a cada criança entrar nas múltiplas funcionalidades da escrita. O caderno escolar, que substitue então a simples folha de papel, torna-se o espaço de escrita no qual acontecem todas estas aprendizagens. O aluno descobre aí não somente como ordenar o espaço bidimensional próprio à ordem gráfica, mas também como, pela escritura, dominar o tempo de seus trabalhos e de seus dias. Misturando ao texto esquemas, figuras e mesmo imagens, ele se dá os meios de dispor de um instrumento próprio a organizar a enciclopédia de seus conhecimentos. O estudo dos cadernos escolares aparece assim como um exemplo privilegiado da aplicação dos métodos da bibliografia material aos objetos manuscritos portadores de escrituras ordinárias. HISTÓRIA DA ESCOLA; ESCOLA PRIMÁRIA; APRENDIZADO DA ESCRITA; CADERNO ESCOLAR; BIBLIOGRAFIA MATERIAL; A ESCOLA NA FRANÇA.

In France, from the middle of the 19th century, the school doesn’t restrain its ambitions to a limited literacy to the “just reading” or even to the reading, writing and counting any longer. It seeks to spread several complicated “savoir-fare” that permit each child to go into the multiple writing functions. The school notebook, that substitutes the simple sheet of paper, becomes the writing space in which all the apprenticeship takes place. The student then finds out not only how to organize the bi-dimensional space proper to the graphical order, as well as through the writing, control the time of his tasks and his days. Mixing to the text, schemes, pictures and even images, he is given the means to dispose of a proper instrument to organize his knowledge encyclopedia. The school notebooks study turns up like a privileged example of the material bibliography methods application to the handwritten objects carrying ordinary writings. SCHOOL HISTORY; ELEMENTARY SCHOOL; WRITING LEARNING; SCHOOL NOTEBOOK; MATERIAL BIBLIOGRAPHY; THE SCHOOL IN FRANCE.

*

Professor associado ao Centre de Recherche sul le Brésil Contemporain da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. Aí desenvolve pesquisas comparativas sobre a história social das práticas culturais da escrita. Participou das grandes investigações francesas sobre a história do livro e da leitura.

**

Formada em Psicologia pela PUC-SP (1997). Atualmente, é doutoranda do Laboratoire de Psychopathologie Fondamentale da Universidade Paris-7-Denis Diderot. O texto conta com revisão técnica de João Hansen.

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Ler, escrever, contar não foram sempre os fundamentos obrigatórios da instrução popular (Hébrard, 1988, pp. 7-58). As escolas, tanto as pertencentes ao mundo da reforma protestante quanto as do mundo da contra-reforma católica, assumiram tardiamente o objetivo de conduzir as crianças da cidade e, depois, as do campo, para além do “somente ler” que, no fim do século XVI, parecia ser o horizonte intransponível da instrução cristã. Aprender a escrever para fazer contas e para redigir algumas cartas comerciais exigidas desde o século XVII pela boa direção de uma loja ou de uma barraca não era uma coisa fácil. É necessária a perspicácia de algumas congregações, como a dos Irmãos das Escolas Cristãs, na França, para que a oferta da escrita pareça um dos meios mais eficazes para levar à escola e, portanto, ao catecismo, as crianças dos meios populares urbanos influenciados pela propaganda reformada ou, mais simplesmente, já descristianizados (Poutet, 1970). Depois das turbulências da Revolução, a preocupação de uma alfabetização mais completa difundida pelas idéias liberais e filantrópicas começa a visar as populações dos campos ainda imersas em uma cultura que privilegiava a oralidade. Agora não é apenas a formação cristã que está em jogo, porque trata-se de subtrair as populações do campo dos rumores, temores e paixões que são as sementeiras das revoltas camponesas. Os notáveis e as elites que atravessaram os tempos convulsionados da Revolução têm ainda na memória a lembrança dessas revoltas. Instruindo, a escrita pode erradicar as antigas culturas camponesas e abrir o espaço rural francês para a modernidade e a paz social1. Para se redigir um texto simples, é preciso primeiro aprender a escrever. Em um mundo onde o papel é caro, onde pluma de ganso, difícil de ser cortada pelos dedos pouco hábeis das crianças, é o instrumento obrigatório da escrita, a aprendizagem desta exige tempo, portanto, dinheiro. É só no começo do século XIX que esta técnica complexa libera-se defini1

Sobre o papel da escola entre a Monarquia de Julho e a Terceira República, o debate foi reaberto por François Furet e Jacques Ozouf em 1977. As conclusões dos autores que levam a minimizar o impacto das políticas escolares do século XIX não implicam que não tenham sido pensadas e colocadas em prática de maneira voluntária por numerosos governos deste período (Hébrard, 1990, pp. 95-109). Sobre um dos aspectos mais originais destas políticas, ver Hébrard (1991, pp. 547-577).

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tivamente das corporações especializadas dos mestres de escrita e de aritmética (Métayer, pp. 1217-1237), que até então a reservavam aos alunos cujos pais aceitassem pagar caro por um ensino individual, que passava obrigatoriamente pela redação dessa pequena obra-prima que é o caderno de caligrafia e de aritmética (Chassagne, 1989, pp. 137-144). Então, mesmo se o professor estivesse plenamente habilitado a ensinar a caligrafia, tal ensino era reservado àqueles alunos que não tinham abandonado a sala de aula depois dos dois ou três curtos anos necessários para aprender a ler. Em 1833, a oferta de escola está suficientemente generalizada. Cada município deve abrir ao menos uma escola para meninos. A demanda das famílias rurais supera a simples alfabetização cristã (o “somente ler”), que as satisfazia até então. Assim, mesmo que a França tenha conhecido, desde o século XVIII, uma escola centrada no ler-escrever e no contar, foi somente a partir das grandes reformas escolares da primeira metade do século XIX que esse novo trivium se torna o instrumento essencial de uma educação do povo urbano ou rural pela escola. Não é suficiente, contudo, que a demanda e a vontade de oferta sejam explicitamente formuladas para tornar possível a difusão da escrita. É preciso haver mestres capazes de ensiná-la: o que deveria ser o objetivo das primeiras escolas normais que nascem, aqui e e ali, depois das leis Guizot (Gontard, 1963) . É necessária uma doutrina pedagógica que permita orientar eficazmente as aprendizagens; para este uso são destinados dois instrumentos, a gramática escolar, completamente dedicada à ortografia (Chervel, 1977), que nasce nesses mesmos anos; e os novos métodos de leitura, que combinam leitura e escrita, e que são publicados por Louis Hachette, editor quase oficial do Ministério da Instrução Pública (Nique, 1987) no período da Monarquia de Julho (1830-1848). São necessários, enfim, os instrumentos que possam permitir a escolarização dessa aprendizagem que durante muito tempo foi artesanal, limitada à relação dual do mestre com o aprendiz: tal será o papel da ardósia e do quadro negro para os iniciantes; ou o do caderno para os que já têm a mão mais treinada; e também, a partir de 1860, o papel da pena metálica que libera mestres e alunos da servidão limitadora da pluma de ganso2. 2

Sobre o material escolar no século XIX, ver os artigos correspondentes no

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O caderno é um instrumento comum do aluno de colégio desde o século XVI. No Ratio studiorum, é freqüentemente designado pela expressão “livro branco” e seu uso é proposto em alternância com o do texto impresso com grandes espaços permitindo ao aluno anotar acima da linha a explicação, dada pelo regente da aula, sobre o texto clássico, grego ou latino, trabalhado3. Desde o começo do século XVII, ele também é o suporte obrigatório da obra-prima caligráfica que se produz na agência do mestre escrivão aritmético. Em contrapartida, o caderno torna-se ausente, na maior parte das vezes, das pequenas escolas até o século XIX (Chassagne, 1989). Quando a classe tem alguns “escritores”, mais freqüentemente é sobre folhas de papel empilhadas e não-costuradas que realizam os exercícios de escrita. Estes limitam-se à cópia de exemplos caligrafados (ou impressos por meio de chapas gravadas) em páginas que são penduradas na frente do aluno4. As recomendações insistentes dos grandes reformistas da pedagogia do século XVII sobre a necessidade de não mais se contentar com folhas soltas5 mostram a contrario o que devia ser a prática rotineira das aulas.

3

4

5

Dictionnaire de pédagogie et d’instruction primaire, sob a direção de Ferdinand Buisson, Paris, Hachette, 1882. Sobre o “livro branco” , ver por exemplo o Ratio studiorum do colégio de Messina em 1548 ou em 1553 ou ainda o Ratio do colégio romano em 1564 e 1565 (Lukács, 1974). Eu agradeço a Dominique Julia que me indicou as referências. Sobre a impressão dos textos clássicos ver Anthony Grafton (1981, pp. 37-70) (que estuda o conjunto de textos clássicos anotados por um estudante do colégio de Reims, em Paris, por volta de 1572-1573) e Jean Letrouit, pp. 47-56. H.C. Rulon e Ph. Friot, 1962, e Jean Hébrard, “Des écritures exemplaires: l’art du maître écrivain en France entre XVIe et XVIIIe siècleî”, Mélanges de l’école française de Rome, Italie et Méditerranée, 107, 2, 1995, pp. 473-523 (trad. port. feita pela editora Autêntica, no prelo). Em A Escola Paroquial, Jacques de Batencour escreve: “O mestre da escola terá o cuidado de fazer trazer a cada um dos escritores uma mão de papel [a “mão” é uma medida de contagem do papel: uma mão compõe-se de 25 folhas] encadernado e coberto propriamente por uma folha de cartão; o papel não será umidecido mas bem seco, bem colado para que possa receber a tinta sem se borrar, eles manterão sempre o papel bem limpo, bem claro, sem orelhas o que o professor punirá rigorosamente (1654, p. 256). Jean-Baptiste de la Salle, um século mais tarde recomenda: “O professor tomará o cuidado de que seus alunos tenham sempre papel branco na escola. Neste caso, ele fará os alunos pedir papel para os pais quando restam unicamente seis folhas no pacote de papel. Ele terá mesmo o cui-

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A generalização do caderno na escola primária, que pode ser situada no primeiro terço do século XIX, é certamente um acontecimento importante na evolução da alfabetização escolar. As fontes documentais existentes não nos permitem, porém, estabelecer uma verdadeira história do caderno escolar. Se estamos assegurados de sua presença numa parcela não negligenciável das classes desde 18336, é somente a partir de 1860, quando sua prática é verdadeiramente corrente, que nós encontramos um corpus suficiente de cadernos nas coleções conservadas. Uma razão pode ser alegada para explicar esse déficit de dados das épocas anteriores: somente durante o Segundo Império (nos anos de 1860) é que começaram as grandes exposições internacionais que, dando espaço para as inovações escolares, induzem à coleta de objetos educativos que podem ser expostos7. É forçoso constatar, todavia, que não se pode dar a mesma explicação para justificar a boa conservação de cadernos redigidos nos colégios no século XVIII: eles são numerosos nas coleções públicas8 dado de, se algum aluno for negligente em trazer papel, ele não levará para casa o papel já escrito antes de vir com papel branco na escola. Todos os alunos trarão, a cada vez, pelo menos meia mão [12 folhas] de bom papel... Não se pode aceitar que o aluno traga papel que não esteja costurado, ou que não esteja dobrado em quadrado; é preciso que as folhas sejam costuradas em todo seu comprimento...” (Salle, 1994). Nós salientamos que até esta data o termo “caderno” não é utilizado (Cf. Jean Hébrard, 1999, pp. 9-50), tr. port.: Hébrard, 2000, pp. 29-62. 6

Quando François Guizot, ministro da Instrução primária, organiza, no começo das aulas de 1833, uma grande pesquisa sobre o estado do ensino primário, tenta recensear todos os signos precursores de uma modernidade pedagógica que deseja desenvolver graças às leis escolares que ele acaba de promulgar. O uso dos cadernos é um dos sintomas desta modernidade. Os pesquisadores perguntam então aos professores se seus alunos escrevem sobre cadernos. O desenvolvimento desta pesquisa atualmente em curso no Serviço de História da Educação do Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica permite afirmar que, desde essa data, numa academia mais para retardatária como a de Nîmes (departamento do Gard, de l’Archède, do Vaucluse e da Lozère), mais de uma classe em duas utiliza cadernos.

7

As primeiras coleções de cadernos do Musée Pédagogique (criado em 1879 sob a inciativa de Jules Ferry) provêm dessas exposições. Os fundos encontram-se hoje no Musée national de l’éducation.

8

O Musée National de l’Éducation abriga uma bela coleção de cadernos do Antigo Regime. Numerosas bibliotecas os conservam em seus fundos antigos, como testemunha o Catalogue général des manuscrits des bibliothèques publiques en France, Paris, 1888.

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e são negociados com preços a cada vez mais altos nas vendas especializadas. A contradição que se manifesta, portanto, para os cadernos da escola primária, entre testemunho e conservação, deverá ser esclarecida. Enquanto ela aguarda ser explicada, indica-nos um modo de análise que privilegia o enfoque antropológico em detrimento do enfoque histórico. Na medida em que o caderno escolar não é acessível, na sua realidade factual, a não ser no momento em que as práticas pedagógicas unificaram o seu uso, e isso por várias décadas, ele pode ser constituído em um conjunto de documentos característicos de um período importante da história escolar, o que se situa entre os anos 18609 e os anos 196010. O caderno escolar é, nesse período, o suporte de uma prática de escrita que poderia ser a matriz de uma alfabetização escolar específica, a que leva a França rural a entrar definitivamente numa cultura “moderna” do escrito. A aprendizagem da leitura e da redação de textos pôde efetuar-se sobre outros suportes além do caderno. Pedaços de papiros egípcios, tabletes de argila mesopotâmicos, cacos de vasilhames gregos (ostraca) têm traços de trabalhos de alunos11. O uso de tabuinhas de madeira cobertas de cera, freqüente nas escolas da antigüidade greco-romana, foi mantido durante toda a Idade Média e são conhecidos alguns trabalhos de pensionistas de escolas monásticas que utilizam o mesmo suporte. Sabe-se também que, desde a mais alta antigüidade, os alunos utilizavam areia fina para escrever; e que somente no século XVIII a ardósia12 substitui, parece, essa ancestral muito econômica do rascunho, que ainda era prescrita pelos zeladores do modo de ensino mútuo na primeira metade do século XIX. 9

Este limite pode ser justificado pela pesquisa que nós fizemos alhures sobre os exercícios de redação na escola primária (Chartier e Jean Hébrard, 1993).

10 Este segundo limite poderia ser justificado pela aparição, ao longo desta década, de novos instrumentos (caneta esferográfica, caneta hidrográfica), de novos suportes em folhas (os de listar, as fichas policopiadas para completar, fichários editados) e, sobretudo, de uma assimilação do caderno aos arcaismos pedagógicos que as inovações dos anos 1970 vão combater. 11

Naissance de l’écriture. [Catálogo da exposição realizada no Grand Palais em Paris em 1981], Paris, Reunião de Museus nacionais, 1981; Goody, 1977.

12

E. Brouard, Art. “Ardoises”, em Buisson, op. cit.

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Cada um desses objetos mereceria um estudo aprofundado. É o caso do quadro negro, superfície coletiva apagável, que permite a generalização do ensino simultâneo inventado pelos Irmãos das Escolas Cristãs (Salle, 1994). É o caso da ardósia, último avatar desses suportes propícios aos ensaios que servem ao mesmo tempo ao cálculo escrito (a divisão e a subtração impõem ensaios e, portanto, apagamentos sucessivos) e ao treino de mãos pouco hábeis num tempo em que o papel continua caro. É o caso do caderno, ao qual nós aqui nos restringiremos13. O caderno, tanto por sua inserção na história da escola quanto pela preocupação de conservação da qual ele foi objeto, é certamente um testemunho precioso do que pode ter sido e ainda é o trabalho escolar de escrita. Graças às coleções do Musée National de l’Éducation14 e a alguns arquivos privados de que fomos amavelmente comunicados15, dispomos, no que se refere à escola primária, de um conjunto de vários milhares de peças que se estende sem ruptura de 186016 até hoje. Cadernos de deveres (deveres da escola e deveres de casa, separados ou juntados), cadernos reservados a uma disciplina particular (escrita para as classes dos primeiros anos escolares, história, geografia, lições de coisas17, redações para os alunos maiores), mais raramente cadernos de correções de deveres, constituem o essencial do fundo. É preciso acrescentar, a partir dos últimos anos do século XIX, os “cadernos de rodízio”18 (mantidos a cada dia por uma criança diferente) e, os que foram conservados 13

O presente estudo retoma os elementos de uma pesquisa cujos primeiros resultados tinham sido publicados em colaboração com Christiane Hubert em Enfances et Cultures, 2, 1979, p. 47-59, sob o título “Fais ton travail!”

14

Musée National de l’Éducation, 39, rue de la Croix-Vaubois, 76130 Mont-SaintAignan. O MNE é um serviço do Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica.

15 Eu agradeço particularmente a M.-A. Touyarout, A. Xerri e J.-C. Pompougnac. 16

O Museu possui também um pouco mais de uma centena de cadernos de escola primária do período que vai da Revolução a 1860.

17 “Leçon de choses” (lição de coisas) é o nome da seguinte prática: o professor coloca frente aos alunos um objeto. Por exemplo, uma maçã. Os alunos devem então descrevê-lo: tamanho, cor, forma, textura, dimensão etc. 18

O “caderno de rodízio” era um caderno coletivo da classe. A cada dia, uma criança é encarregada de escrever as aulas nele. É chamado “de rodízio” pois é um caderno que “roda” na classe e cada aluno tem sua “rodada”.

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mais tardiamente, os “cadernos de provas mensais” destinados à avaliação contínua do aluno ao longo de toda a sua escolaridade. Há um grande ausente nos arquivos: o “caderno de rascunho” [Documento nº 1]. Parece que o papel não foi uma memória melhor que a ardósia ou o quadrado de areia fina. Mesmo sob a impulso de alguns inspetores preocupados em dar carta de nobreza a tal caderno – ele tornou-se cahier d’essai19 (a expressão ocorre, parece, em 1950) –, ele não foi reconhecido como digno de ser conservado pelos professores ou pelas crianças e suas famílias. Não se pode esquecer que, sobre a ardósia e sobre o rascunho, efetua-se um trabalho caracterizado, contrariamente ao primeiro, pela sua existência precária e efêmera. É sobre os cadernos, contudo, que nos limitaremos: de um lado, porque são os únicos documentos disponíveis em grande quantidade durante uma duração suficiente; de outro, porque o uso deles parece constituir, depois da metade do século XIX até hoje, uma parte essencial do tempo escolar; e, enfim, porque gostaríamos de mostrar que, no momento mesmo em que o exercício se torna o centro do trabalho escolar de alfabetização, o caderno não só se oferece como suporte do mesmo, mas ainda lhe confere a sua verdadeira significação.

Exercícios de Todos os Tipos Examinando detidamente pilhas de cadernos, pode-se constatar a extraordinária permanência das produções de alunos por mais de um século: os trabalhos de Saint-Just P., aluno normando, em 1893, assemelham-se completamente aos de Marguerite B., de Asnois na Nièvre, que não se esqueceu de decorar com uma guirlanda de flores um ditado comovente do começo do ano letivo de 1914, que se intitula “A Mobilização”, no qual ela cometeu dois errinhos. Esses dois cadernos são muito parecidos ao de um aluno anônimo de uma escola de Castres, que conserva o estojo de penas metálicas, em 1956. 19

A expressão “cahier d’essai” é usada para obrigar os alunos a escrever com aplicação no caderno de rascunho (“cahier de brouillon”).

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É particularmente a permanência das disciplinas votadas ao caderno o que chama a atenção. Nele o ditado20 reina soberano, sendo apenas suplantado nas classes dos primeiros anos escolares pelo exercício de escrita; ele é freqüentemente seguido do exercício de análise gramatical ou sintática e de exercícios de vocabulário (famílias de palavras, homônimos, sinônimos, antônimos, definições). Só um pouco menos freqüente que o ditado, o problema de aritmética constitui o segundo pólo do caderno. Substituído nos primeiros anos escolares por páginas de operações ou listas de números, ele incide quase sempre sobre os mesmos temas: despesas, distâncias e pesos, juros e descontos (com muito mais freqüência do que os famosos problemas de “caixa d’água”), cálculos de superfície e de volumes, assim como problemas de cálculo do número de estacas necessárias para a demarcação de terrenos e manutenção de casas e de propriedades agrícolas. A isto é preciso acrescentar dois outros exercícios que intervêm mais episodicamente: a redação (o exercício de estilo nos cadernos mais antigos) e o mapa de geografia, essencialmente regional. Evidencia-se que os conteúdos relativamente variados dos cadernos não reproduzem exatamente a repartição das disciplinas no emprego do tempo cotidiano da aula. Há disciplinas que aí se encontram absolutamente sub-representadas, na medida em que elas não engendram exercícios específicos: a história, por exemplo. Porém elas são encontradas em outros lugares, deslocadas, nos ditados ou nas redações, como testemunham estes títulos pinçados ao acaso na produção de 1893: “Marceau”21 , “Condé em Rocroy”22 , “As cidades no tempo de São Luís”23. Elas se aproximam muito dessas outras disciplinas essencialmente “instrutivas”, as ciências da natureza, a agricultura, a tecnologia, a educação domésti-

20

O ditado, na França, é um ditado de textos e não de palavras.

21

Jovem mártir da Revolução de 1789.

22

Chefe militar do século XVII, vencedor da batalha de Rocroy.

23

É preciso assinalar que o caderno, pela sua capa, é ele mesmo um pequeno manual de história. Ele se apresenta até o fim do século XIX com uma imagem histórica (freqüentemente dedicada à guerra de 1870 na qual as províncias de Alsácia e Lorena foram conquistadas pela Alemanha) na capa e um breve texto para se aprender o que é a pátria e como é preciso sacrificar tudo por ela.

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ca e a higiene: “Utilidade dos pequenos pássaros”, “A cozinha”, “A vida das plantas”, “O boi”. É sobretudo a educação moral que se expressa por meio dos numerosos exercícios. Quantas linhas de escrita repetem insistentemente “Na escola, é preciso trabalhar bem”? Os ditados também têm títulos eloqüentes: “A pátria”, “A fraternidade”; as redações propõem pequenos problemas práticos: “Você encontrou um porta-moeda...”. Às vezes, assistimos mesmo a sapientes encadeamentos. Em um caderno de 1930, no dia 11 de fevereiro, as crianças se aplicam a copiar uma máxima: “O mais rico dos homens é o econômico”; no dia 17, eles labutam sobre o seguinte problema: “Um operário ganha 65 francos por dia de trabalho, mas tem o infeliz hábito de não trabalhar na segunda e, além disso, de gastar inutilmente no botequim 45 francos por semana. Se ele economizasse o dinheiro que deveria ganhar às segundas e o dinheiro que gasta sem necessidade, qual soma teria no final de 10 anos e qual seriam os lucros sobre esta soma a juros de 3%?” No dia 18 de fevereiro, para afinar a reflexão moral, copia-se com muito cuidado uma máxima que estigmatiza o “avaro”. Assiste-se assim a uma duplicação permanente das finalidades de cada prática escolar: tudo serve para tudo e nada se perde! O deslizamento pode até tornar-se circular, quando o conteúdo de um exercício fornece o modo de emprego do seguinte. Por exemplo, esses ditados consagrados à arte de redigir cartas ou à necessidade de conservar o estojo em bom estado para escrever melhor. Produzindo dessa forma pau para toda obra, a escola termina por gerar uma infinidade de exercícios a partir de uma limitada base inicial de conteúdos de conhecimentos ou de técnicas (savoir faire)24. Esta relativa mobilidade dos conteúdos do exercício pode fazer supor que o que constitui a sua especificidade encontra-se em outro lugar além do recorte disciplinar. Ora, o que chama a atenção, quando se observam as séries de cadernos pondo-se de lado a leitura da litania cotidiana dos títulos de lições e de exercícios, é o trabalho de organização da página aí 24

Sobre este uso do exercício escolar, poder-se-ia consultar a análise muito pertinente de Guy Vincent, 1980.

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manifestado. Pois os exercícios não são inscritos apenas com letras bem traçadas; estas são dispostas sobre a página segundo cânones relativamente estáveis. Os parágrafos são separados por traços de diversas larguras; as margens são organizadas e desenham espaços complexos e perfeitamente regrados; os títulos são hierarquizados com todas as sutilezas da arte de sublinhar com um ou vários traços. Pode-se levantar, assim, a hipótese de que uma descrição do exercício escolar passa por uma tipologia da “apresentação” dos trabalhos inscritos nos cadernos25.

Copiar O que se “apresenta” primeiramente é uma espécie de grau zero da organização da página, um preenchimento consciencioso de cada linha e cada página, uma densidade máxima de escrita que, ainda que respeite os espaços entre as palavras e a pontuação, não deixa de lembrar esses manuscritos medievais, nos quais o copista parece inicialmente preocupado em dar a ver a regularidade do espaço gráfico antes de permitir que se leia o texto dele. Adivinha-se que o essencial está aí mesmo, no ato de escrever, ou de “fazer páginas”, como o sublinham em 188726 alguns pedagogos preocupados em denunciar práticas que julgam abusivas. No entanto, percebe-se bem que a “cópia” está no centro mesmo da alfabetização quando esta se propõe a ensinar não somente a ler, mas também a escrever27. Copiam-se linhas de escrita de uma pena mais ou menos hábil [Documento nº 2], ou de uma caneta esferográfica mais ou menos nítida. Em julho de 1907, uma pequena Mathilde repete insistentemente, a cada 25

Esta abordagem do caderno escolar se inscreve, como disse, na perspectiva aberta por David McKenzie e Roger Chartier, na qual se aplicam as técnicas da bibliografia material à historia dos usos do impresso. Eu procuro estender a pesquisa na direção dos manuscritos ordinários, privilegiando, no momento, dois tipos de suportes: os escritos pessoais (Hébrard, 1999) e, no presente trabalho, o caderno escolar.

26

Art. “Copie”, em Buisson, op. cit.

27

Uma teoria desta entrada da cópia na escrita escolar é dada nas revistas pedagógicas do século XIX. Ver Chartier e Hébrard, 1993.

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linha de uma longa página, “Nul bien sans peine” (“Nenhum bem sem esforço”) e, como a linha efetivamente não terminou logo após o ponto final de sua frase, ela acrescenta, com um último cuidado de não perder nada, “Nul b” (“Nenhum b”), e mesmo, algumas vezes, quando apertou as letras, “Nul bi” (“Nenhum be”). Não é com o mesmo espírito que um pequeno Pierre, da região parisiense, pôs-se, em 1965, a recopiar em um quarto de página deixada em branco no fim de seu caderno, no fim da jornada escolar, o começo dos exercícios da manhã do mesmo dia? Não existiam mais exercícios no programa, mas sobrava ainda um pouco de papel para usar: a cópia se impõe por ela mesma, então, como último traço da atividade do aluno, mais condicionada pelo suporte que pelo projeto instrutivo. E esse caderno do mês de julho de 1892, atingido antes da sua última página pelo encerramento anual dos trabalhos escolares, que se torna naturalmente um caderno de deveres para as férias “selvagem”? Ele tem então o traço de cópias de cópias, de linhas de escrita onde o ar das férias apaga de repente as eternas máximas em proveito de nomes e prenomes de todas as crianças da família, cuidadosamente caligrafados com uma bela letra gótica, e também em proveito de afirmações solenes, como “Rouget de l’Isle criou a Marselhesa em Strasbourg no momento da Revolução francesa (1789-1793)”, destinadas a mostrar que os conhecimentos não se esvaneceram todos com o verão. Inspetores e renovadores pedagógicos conservaram exemplares dessas cópias que constituem o núcleo denso dos cadernos, retendo sobretudo a quantidade delas. É forçoso constatar que elas também se caracterizam por sua qualidade: escrita e ortografia são as preocupações maiores dos professores e eles obtêm bons resultados, ao que parece, pelo menos nos cadernos conservados. Imagina-se com boa vontade a aplicação – e a vigilância – que presidiram tais esforços quando a cópia é feita do rascunho ou da ardósia para o caderno28 ou quando ela é simplesmente cópia de um modelo (de escrita) desenhado no caderno pelo mestre, ou quando, enfim, é a retranscrição do “resumo” escrito na lousa ou tirado do manual. É nessa qualidade da cópia que parece desenhar-se a evolução 28

Como este caderno de “relevé de ditados” conservado no Musée National de l’Éducation (caixa 3.4.04, Documento nº 799643).

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diacrônica mais clara. Sobre um caderno datando de 1873 [Documento nº 3], que foi ulteriormente encadernado com couro e que traz as palavras elogiosas de um inspetor geral em visita à escola, o “passar a limpo” está no centro mesmo da atividade: não há nenhum erro, nem mesmo uma rasura. A correção da professora é discreta e feita como que para evitar qualquer traço que não seja o que se inscreve no quadro cuidadosamente traçado onde se fecha cada página. A escrita é fina e regular, de uma legibilidade absoluta. Para além do que foi assim copiado, à razão de duas ou três páginas por dia de aula (estamos no fim dos estudos), o modelo visado é o livro. Nesse tempo em que o escrito é raro, particularmente no meio rural, em que as edições para crianças de Hetzel e Hachette ainda só atingem, devido ao seu preço, um público burguês e extremamente limitado, o professor sabe que o caderno corre o risco de ser, ao lado do manual de leitura, o único “livro” que a criança pode olhar e mesmo guardar no termo de sua escolarização. O caderno se esmera, portanto, em imitar o livro, um livro severo, sem ilustrações, que se assemelha a estes manuais de leitura corrente dos manuscritos, que foram publicados depois da invenção da litografia, durante a Restauração, até a Belle Époque. Mesma organização econômica da página, mesmo uso do título, do traço e do duplo traço e, sobretudo, mesmo conteúdo: uma miscelânea dos saberes diversos que a escola oferece (Ambroise Rendu Fils, s.d.). No fim do século XIX, a ilustração se faz mais freqüente: título enfeitado, pequeno desenho ilustrativo colorido nos maiores, pequenos desenhos geométricos embaixo das páginas (como frisos), ao fim do dia. Como não evocar os manuais de leitura da Terceira República e mais particularmente o famoso Tour de la France par deux enfants29 ? É verdade que a imagem ocupa, desde o fim do Segundo Império, um lugar especial nessas “lições de coisas” que, graças a Madame Pape-Carpentier e em nome de um empirismo direto, vindo da Grã-Bretanha – Alexander Bain é seu teórico inconteste –, fizeram uma entrada rápida nas “salles

29

Bruno, 1877. Sobre esta obra, célebre na França como Cuore, na Itália, ver Jacques e Mona Ozouf, 1984, pp. 291-322.

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d’asile” (escolas maternais) e, depois, nas escolas30. Os editores escolares utilizam agora a gravura sobre a madeira de topo, cuja técnica foi exposta nas grandes revistas ilustradas, como o Magasin pittoresque ou a Illustration. Ela é menos cara que a gravura sobre cobre de seus precursores da Restauração e, sobretudo, integrável ao próprio texto. Graças ao poder evocador das imagens, o livro não é mais esse objeto austero que devia ser até então. Ele ensina tanto por suas representações quanto por seus textos. O aluno, fascinado pelas gravuras sem conta que lhe são oferecidas, procura apresentar seus cadernos de maneira semelhante: desenhos de observação e ilustrações alternam-se ao longo das páginas [Documento nº 4]. No entre-guerras, desde 1920, a redação ilustrada é um exercício que permite aos mais hábeis mostrarem sua competência (savoir faire) [Documento nº 5]. No início, exercício de estilo realizado graças ao suporte de uma seqüência de imagens que dão ao aluno um fio narrativo para construir seu relato, este exercício o conduz naturalmente a reproduzir ou copiar no seu caderno as gravuras que lhe eram oferecidas pelo manual escolar. O caderno de recitação onde se monta com amor uma pequena antologia da poesia nacional permite casar da mesma maneira o texto e o desenho mais ou menos colorido31. Será preciso esperar o começo dos anos 1950 para que os cadernos se abram à fotografia, ao cartão postal ou ao recorte da página de revista. Um professor dos anos finais de estudos de Clermont-Ferrand escreve na margem de um deles: “O caderno está muito bem mantido. Complete sua documentação”. Nesta data, o caderno não precisa mais substituir o livro do qual cada aluno está gratuitamente provido. No entanto32, como ocor30

Ver os artigos correspondentes no Dictionnaire de pédagogie et d’instruction primaire, op. cit.

31

Encontra-se um traço do caderno de poesia numa das produções escritas mais características do tempo do serviço militar, o caderno de canções, muito em voga depois do começo do século XX, ele também ilustrado por ingênuos desenhos coloridos. Ver Daniel Roche e Fanette Roche, 1979, pp. 15-28, assim como Rémy Pech, 1982, pp. 3-32.

32

Sobre a evolução do manual escolar, ver Alain Choppin, 1986, pp. 281-306, assim como 1990.

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re freqüentemente nas práticas de escolarização, ele continua a evoluir como evolui o modelo que ele tinha escolhido, mesmo se mantém esse ligeiro desnível que o constitui como produto artesanal no momento em que seu modelo de referência há muito foi industrializado.

Fazer Listas e Tabelas O espaço de escrita dos cadernos dos alunos não é, no entanto, totalmente ocupado por essas páginas de cópias. Aí se intercalam outros tipos de grafismos que economizam mais papel, mas que são, talvez, mais restritivos: listas e tabelas. A escrita se encarrega aí de uma nova função, mesmo se se trata sempre de reescrever: palavras, frases ou operações. Todavia, a cada reinscrição, o aluno deve operar uma transformação na apresentação gráfica. Por exemplo, em um determinado exercício de gramática [Documento nº 6], uma frase antes copiada sobre toda a extensão da linha (“A preguiça e a gula levam a todos os vícios”) é em seguida cortada em cada uma dessas palavras e depois disposta verticalmente, esta vez à esquerda de um traço que duplica o traço vermelho da margem. O aluno deve, em seguida, escrever em frente de cada palavra a parte da oração correspondente, seu gênero, grau e função na frase.

A preguiça e a gula levam a todos os vícios A preguiça e a gula levam a todos os vícios

artigo, feminino, singular, determina preguiça. nome, feminino, singular, sujeito do verbo levam. etc.

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Quase todos os exercícios de gramática ou de vocabulário [Documento nº 7] utilizam, assim, esta “organização em lista”. Esta pode ser tanto o ponto de partida, como o objetivo do exercício propriamente dito, mas ela é freqüentemente precedida de uma frase ritual que a justifica ou que inicia o processo. Por exemplo, nas análises sintáticas: “Esta frase contém três proposições já que ela contém três verbos em um modo pessoal” (1914) e algumas décadas mais tarde, em 1956: “Esta frase contém três verbos em um modo pessoal, portanto três proposições”. A partir do enunciado desta advertência, convém transcrever isoladamente cada uma das proposições reconhecidas, recopiando-as. E sente-se pelo vigor das correções que, se um erro na própria análise é desculpável, uma inexatidão na transcrição da frase de introdução é uma “falta”33. Assim, põe-se em ação um automatismo de escrita, na reprodução de uma fórmula, no sentido quase litúrgico do termo, que é ao mesmo tempo abertura obrigatória do exercício e planificação da tarefa de “organizar em lista” que será executada. Na análise gramatical, à disposição regrada acrescentase também o ritual das expressões que designam na coluna da direita as classes gramaticais e as funções sintáticas: a

artigo simples, feminino, singular, determina vestimenta

Ainda aí a criança escreve muito, mas o trabalho de “organizar em lista” não é somente o de escrever num outro sentido, mas o de reorganizar profundamente a relação do escritor com a linguagem. Na cópia havia somente lições transcritas; no trabalho de “organizar em lista”, obtêm-se palavras escritas, extraídas de seu contexto de enunciação, separadas, recolocadas em ordem e, de algum modo, objetivadas pelo ato da escrita. Neste sentido, estas palavras oferecem-se ao trabalho específico de uma aculturação escrita: elas não falam mais, tornam-se objetos do saber. Jack Goody ressalta, numa obra que se tornou clássica (Goody, op. cit.) , que a introdução da escrita numa sociedade se traduz por uma rees33

Em francês existe uma diferença importante entre erreur (erro) e faute (falta): uma falta na escola é um erro que tem uma dimensão moral (falta de atenção, de cuidado, de trabalho etc.).

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truturação dos modos de pensar. O “organizar em lista” lhe aparece como o lugar originário desta reestruturação no sentido em que ela troca a ordem linear e unidimensional da palavra por um espaço onde se tornam possíveis outras ordens e, mais particularmente, classificações próprias à escrita (ordem alfabética, reagrupamentos temáticos, enciclopédicos etc.). Prolongando sua análise, não se poderia pensar que é por meio desta espacialização da linguagem que a escola procura fazer as crianças entrarem na cultura escrita? É o que parece que se pode ler nos cadernos. Os problemas de aritmética também repousam sobre exigências gráficas. Depois da metade do século XIX, os professores parecem estar à procura da disposição que permitiria a melhor inscrição desses exercícios no espaço do caderno. Primeiro situados em plena página [Documento nº 8] como um simples ditado, os problemas instalam-se rapidamente sobre duas colunas, sem com isso especializar cada um dos espaços assim disponíveis [Documento nº 9]. No fim do século XIX, os professores descobrem uma organização da página perfeitamente codificada e que se revela um modelo de gestão do espaço do caderno. Primeiro, e sobre toda a linha, o enunciado do problema; depois, uma divisão da página em duas colunas desiguais (um terço, dois terços). Na coluna estreita, identificada pelo título “Operações”, recopiam-se adições, subtrações ou multiplicações sob forma “de conta”; na coluna larga, consagrada à “Solução” (às vezes chamada de “Desenvolvimento” ou, para satisfazer os professores mais exigentes, “Solução desenvolvida”), explicita-se com fórmulas estereotipadas da língua escrita as operações colocadas na outra coluna. Por exemplo, este começo de problema escrito em 1893: Um comerciante de vinho recebeu 200 litros de vinho de média qualidade. Para melhorá-lo, ele mistura 300 litros de vinho de melhor qualidade. De quantos litros de vinho misturado ele dispõe? Operações 300 + 200

Solução Misturaram-se 200l de vinho + 300l de vinho = 500l de vinho

500 O comerciante tem 500l de vinho misturado

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Para terminar o exercício, na última linha da coluna “Solução”, ou às vezes mesmo sobre toda a extensão da página, a “resposta” pedida é explicitamente formulada nos termos tomados do enunciado. Por exemplo, ao fim de um problema de costureira: “Resposta: o comprimento do fio enrolado na bobina é de 39 metros e 270 milímetros”. Este modo de “organizar (n)a página” vale para todos os exercícios de cálculos, não importa o seu domínio de aplicação e a sua complexidade. As colunas se alongam conforme o fio da escolaridade, mas o procedimento permanece o mesmo. Nós encontramos, desde 1882 até hoje [Documento nº 10], esta mesma visualização das diversas dimensões do trabalho das crianças: a leitura do enunciado e a aplicação das quatro operações, dimensões que só existem pela mediação evidente de uma terceira, que consiste em “grafar” o processo. Depois de 1970, o caderno freqüentemente cedeu o lugar ao fichário no qual o aluno não precisa mais construir sua “organização de página”. Todavia, o fichário implica sempre o mesmo espírito de organização do saber: organizar em lista e organizar em tabela. Neste sentido, fichários de matemática e fichários de gramática assemelham-se ainda mais que os exercícios de cálculo e de análise gramatical de décadas atrás: cada resposta é esperada no lugar que lhe é designado entre muitas outras tabelas. Assim, enquanto o caderno se abria ao exercício, uma nova técnica intelectual e uma nova forma de pensar nasciam. A tabela, bidimensional, estandartizada, que exclui o mais possível a ambivalência, revela uma exigência prioritária de ordem e de exaustividade que nos reenvia ainda à escrita. Como sugere Goody, “uma das características da forma gráfica é a tendência a dispor os termos em linha e em colunas, isto é, linearmente e hierarquicamente, de maneira a dar a cada elemento uma posição única que define sem ambigüidade e em permanência sua relação com os outros” (ibidem). Talvez agora se possa compreender a persistência obstinada de anotações do tipo “Mal apresentado”, “Mal disposto”, “Traços mal traçados” etc. Elas não são sinal de uma mania absurda do professor que supostamente não se importaria com o essencial, como a exatidão ou a falsidade do resultado, a elegância do desenvolvimento etc. É preciso ver,

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de fato, o apelo permanente à necessidade de respeitar técnicas propriamente gráficas para assimilar um processo intelectual específico, um saber repertoriar, ordenar e classificar. Pode-se julgar a assimilação destas técnicas subjacentes aos exercícios por esta última página de um caderno no qual oito linhas não empregadas permitiram este trabalho exemplar, ainda que improvisado (a escrita é subitamente muito pouco caprichada): Passables: 1 Vu, Bon: 1 + 1 + 1 = 3 Assez-bien: 1+ 1 + 1 + 0 = 3 Médiocre: 0 Points: 1+ 2 + 3 + 1 + 1 + 1 + 2 + 1 + 1 + 3 + 1 + 3 + 1 = 21 bons points Très bien: 1 + 1 + 1 + 0 = 3 Bien: 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 = 7 biens Fautes: 2 + 2 + 2 + 1 + 2 + 1 + 0 = 10 fautes Demi-fautes: 1 + 1 = 2 demi Vu: 1 + 1 + 1 + 1 = 4 vus34

Esta colagem de uma informação dispersa, esta organização em lista, esta contagem, todo este procedimento constituía em síntese um puro exercício escolar, ainda que ele seja realizado aqui para fins totalmente pessoais. Falta apenas um “muito bem” do professor que, pela sua inscrição na margem, viria fechar esta circularidade própria do trabalho escolar que só é fiel a ele mesmo quando ele se toma por objeto.

Fazer uma Agenda Fazer páginas, organizar listas ou tabelas não esgotam a atividade vista nos cadernos. Um outro tipo de organização gráfica merece ser

34 Passable, Vu, Bon, Assez-bien, Médiocre etc. são as apreciações que os professores colocam nas margens dos cadernos em frente de cada exercício. Os points (ou bons points) são pequenas imagens para gratificar o trabalho bem feito. Nos ditados, os erros são contados por fautes (faltas) e demi-faute (meia-falta).

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sublinhada, tanto pela sua freqüência, como por sua importância funcional. Poder-se-ia ver aí a aprendizagem da arte de fazer uma agenda, já que, neste caso, é a ordem cronológica que governa a disposição do grafismo sobre a página. De fato, muito rapidamente, instala-se o hábito de escrever a data no cabeçário de cada série de exercícios. Se até 1914 encontram-se ainda alguns cadernos não datados, depois desta data cada dia de aula começa inevitavelmente pela escrita cuidadosa do dia, da semana, do mês e, freqüentemente, do ano. Alguns professores especialmente aplicados chegam mesmo a anotar a hora [ver Documento nº 8 já citado]. Por vezes encontram-se mesmo subdivisões mais estruturais: por exemplo, em “Aula da manhã” e “Aula da tarde” (1907). Ou ainda a divisão se opera entre “trabalho em classe” e “trabalho em casa”, como por exemplo, “Jornada da segunda-feira, 19 de janeiro” e “Deveres para casa” (1948). Num primeiro tempo estas inscrições parecem ter somente como função mostrar a densidade de um dia de trabalho. Assim, se SaintJust P. escreve em média somente duas páginas por dia em 1893, na véspera de conseguir passar com sucesso seu certificado de estudos primários35, Marguerite B., em 1913, quando ainda não tinha 7 anos escreve, no mesmo tempo, quatro páginas de exercícios. Mas, desde 1900, uma tendência que já se manifestava nas décadas anteriores toma de repente importância considerável na economia dos cadernos. Trata-se de fazer aparecer, entre os exercícios, todo um memorândum da vida escolar, informações sobre as lições do dia que não foram acompanhadas de exercícios ou, simplesmente, um título [Documento nº 11]. No começo, somente as “grandes matérias” parecem ser referidas. Em 12 de abril de 1893, sob a rubrica “Instrução moral”, lê-se o título: “Exemplos do patriotismo na Grécia Antiga”. Logo acrescentam-se todas as matérias da escola, mesmo as mais recentemente inventadas. Em 17 de julho de 1907, faz-se referência à “Economia doméstica”, à “Geometria”, à “Recitação”; segue-se um exercício de escrita, depois um problema (trata-se aqui somente da aula da manhã). Vê-se aí o que está em jogo. Certamente trata-se ainda de escre35 O “certificat d’études primaires” é o exame (muito esperado) do fim dos estudos primários.

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ver, mas desta vez de uma escrita cuja função é ordenar o tempo escolar, inscrever o traço de seu curso regular e sem imprevistos, habituar as crianças a este tempo repetitivo dos dias na escola. Como escreve, em 1868, Charles Defodon, redator chefe do Manuel Général de l’Instruction Primaire36, “Páginas de escrita ditadas, análises gramaticais, resumos de leitura, cartas de geografia, problemas de aritmética com os cálculos e a solução, tudo encontra em seguida e no seu lugar”37. Acrescentando-se, aos exercícios citados por Defodon, a lembrança de cada uma das lições, dá-se à jornada escolar uma coerência definitiva e assim, acaba-se com todo o tempo ocioso. Deste modo, habitua-se o aluno a pensar o tempo de um dia como uma seqüência regular de tarefas, o tempo da semana como uma seqüência regular de jornadas de trabalho. Dá-se à criança um equivalente destas agendas tomadas do século XIX onde cada um, particularmente se ocioso, tem o prazer de redigir suas ocupações cotidianas38. O caderno-agenda possui talvez uma outra importante função: ele se torna prova irrefutável do trabalho realizado. A discussão pedagógica sobre a utilidade de ter um ou mais cadernos, tão freqüente nos anos 1860-1890 toma aqui todo sentido. Ter vários cadernos na escola primária, um para cada matéria, é macaquear um pouco o ginásio, mas é sobretudo dispersar a atenção, tanto a do aluno como a do professor, ou mais ainda das pessoas encarregadas da supervisão do trabalho dos dois protagonistas da escolarização: a família, para o aluno, e o inspetor, para o professor. Se se sabe que existe um registro – o “diário de classe” ou, mais recentemente, o “caderno-diário” (cahier-journal) – no qual o professor anota suas atividades, o caderno único parece o meio ideal de controlar o trabalho efetuado pelo professor sobre cada trabalho de aluno. Charles Defodon não se engana em 1887: “O diário de classe, que hoje é adotado em todas as escolas do departamento de Yonne, indica, dia a dia, hora por hora, a natureza das lições e dos exercícios; no caderno único, as datas e a hora em que o dever foi feito, qualquer que seja 36 Esta revista é a mais importante das revistas pedagógicas desde 1833 até o fim do século XIX e tem um estatuto oficial. 37

Charles Defodon, art. “Cahiers scolaires”, em Buisson, op. cit.

38

Sobre agendas, ver L. Braida, 1998, pp. 137-167 e Hébrard, 1999, pp. 9-50.

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sua natureza, estão exatamente indicadas, de modo que o caderno do aluno é o meio de controlar o diário de classe” (Charles Defodon, op. cit.). A instituição, nunca obrigatória mas sempre recomendada, do “caderno de roulement” no qual cada aluno, na sua rodada, escreve todos os exercícios do dia, mostra, depois do fim da guerra de 1914-18 até 1970, esta preocupação de controle. Assim, num “caderno de roulement” parisiense de outubro de 1948, pode-se verificar que a jornada da sextafeira foi consagrada sucessivamente ao canto (desempenhado por um professor especial), ao cálculo (o problema é colocado, resolvido e corrigido), ao desenho (precisa-se novamente a presença de um professor especial); à geografia (o tema era “A repartição dos continentes e dos mares”) e à leitura (título do trecho: “A sabedoria de um palhaço” de Rabelais). Do lado do controle do aluno, o “caderno de deveres mensais”, obrigatório desde 1882, permite juntar as provas realizadas durante toda a escolaridade elementar de um mesmo aluno e de verificar assim, numa só olhada, seus necessários progressos39. Mas o simples “caderno do dia” basta para estabelecer a ligação entre a escola e a família. J. Tronchère, num Guide du Débutant dos anos 1960 (Tronchère, 1967) , escreve a este propósito: “Os pais de alunos não assistem a vossas lições. O ponto de contato entre eles e vocês, por meio das crianças, é o caderno...”. É isto portanto que permite o caderno: “apresentar” o trabalho escolar para que ele se ofereça ao controle. É a maneira de escrever, de “bem escrever” que é então, em si mesma, um exercício do qual cada um, profissional ou não profissional, poderá verificar a qualidade.

39

Em ocasião da confirmação (1887) da regulamentação (1882) que obriga cada professor a fazer seus alunos manterem um caderno de deveres mensais, W. MarieCardine, inspetora da academia da Manche, faz um relatório dos avanços desta inovação e das resistências que ainda se manifestam (Le Cahier de devoirs mensuels. Textes réglementaires, études sur le cahier de devoirs mensuels, circulaires des inspecteurs d’académie, bibliographie, Mémoires e documentos escolares publicados pelo Musée Pédagogique, fascículo nº 43, Paris, Delagrave e Hachette, 1888). Aí está um notável panorama do uso deste tipo de caderno na França do fim do século XIX.

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Cadernos, para Fazer o quê? O caderno, ao que se vê, não é redutível ao suporte de papel necessário à aprendizagem da escrita. Ordenando o espaço e o tempo do trabalho escolar nas três dimensões de suas páginas40, ele conduz o aluno a entrar no exercício repetido das suas capacidades de inscrever os saberes e savoir faire na escrita. Ele dá portanto à escrita escolar seu sentido e sua especificidade: ela é antes de tudo um exercício. O estudo dos cadernos escolares parece mostrar que, por meio do exercício, passa a acontecer não somente uma técnica do corpo mas também uma técnica intelectual específica feita do saber de fazer gráficos. Fazer exercícios é aprender a apresentar. É preciso tomar esta expressão em todos seus sentidos. Apresentar, isto é, guiado por uma preocupação constante de limpeza, de boa manutenção, de elegância ingênua ou afetada, fazer do caderno o pequeno teatro do saber escolar. O professor cuida para que a criança seja o diretor da representação da sua vida escolar num lugar em que tudo deve vir a se visualizar. Também colocar em ordem, isto é, classificar, repertoriar, indexar etc. são competências que se adquirem através das técnicas gráficas. As listas e as tabelas que a criança organiza cotidianamente na escola recortam e ao mesmo tempo organizam o campo de seu saber, saber talvez limitado, mas que por esta “organização gráfica”, constitui-se sempre como exaustivo e totalizante. Fazendo que a totalidade dos alunos que lhe era confiada tivesse acesso ao “ler-escrever”, a escola devia dar um sentido a essa nova prática de escrita. Esta não mais se fundamentava na arte retórica veiculada nos colégios após séculos. Graças ao caderno, a escola primária originou uma forma de trabalho da escrita homogênea à sua concepção do saber: um saber elementar sem lacunas, que se situa essencialmente sob as espécies da completude e do acabamento. 40

O caderno é um empilhamento de folhas. Ele não é, portanto, bidimensional como o quadro negro, a ardósia ou a folha isolada. Ele tem, graças à sua espessura, uma terceira dimensão, perfeitamente posta em evidência pelo gesto de folhear. Neste sentido, ele se aparenta à forma do codex (Cf. Chartier, s.d., pp. 269-309).

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Lista dos Documentos Fotográficos Documento nº 1: Caderno de rascunho de Marie Moulin realizado por volta de 1863 na escola de Darnétal (Seine-Maritime): Exercícios de cálculo [Musée national de l’éducation, caixa 3.4.01, Documento nº 82.1167-5b] Documento nº 2: Caderno de escrita de François Cathenod realizado em 1873 na escola de Dortan perto de Lect (Jura): Cópia com exemplo de alfabeto em maiúsculas de bastardas [MNE, caixa 3.4.02, doc. nº 34-852-b] Documento nº 3: Caderno de Eugénie Marin realizado por volta de 1873 na escola de Malesherbes (Loiret): Ditado do certificado de estudos [MNE, caixa 3.4.01., doc nº 79-37794-2b]

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Documento nº 4: Caderno de Cyr Bigo realizado em 1869 na escola de SaintPrest (Eure-et-Loir): A balança [MNE, caixa 3.4.01., doc nº 35089-6] Documento nº 5: Caderno anônimo s. d.: Desenvolvimento “O céu no outono” [MNE, fotografado por Robert Cahen] Documento nº 6: Caderno de Anna Gauthier realizado por volta de 1873 na escola de Montigny-sur-Aube (Côte-d’Or), s. d.,: Análise gramatical [MNE, caixa 3.4.01, doc nº 79-11833f] Documento nº 7: Caderno de Eugénie Marin realizado por volta de 1873 na escola de Malesherbes (Loiret): Exercício de vocabulário [MNE, caixa 3.4.01, doc nº 79-37794-2, fotografado por Robert Cahen] Documento nº 8: Caderno de Alix Bonin realizado em 1868 na escola de Lignyle-Châtel (Aube): Aritmética (problema apresentado em página completa) [MNE, caixa 3.4.01, doc nº 9339d] Documento nº 9: Caderno de Anna Gauthier realizado na escola de Montignysur-Aube (Côte-d’Or), s. d.: Aritmética, regra de repartição composta (problema apresentado em duas colunas) [MNE, caixa 3.4.01, doc nº 79-11833i] Documento nº 10: Caderno anônimo realizado em 1947: Problema (apresentado em duas colunas organizadas) [MNE, fotografado por Robert Cahen] Documento nº 11: Caderno realizado por Madeleine Butti em 1931: Relato das lições do dia e exercício de escrita [MNE, fotografado por Robert Cahen]

El Concepto de “Emancipación Espiritual” en el Debate sobre la Educación en Hispanoamérica en la Primera Mitad del Siglo XIX* Gabriela Ossenbach Sauter** Partindo da afirmação de que na primeira metade do século XIX, a luta pela estabilidade política e pela criação de uma nova identidade nacional impregnou o pensamento liberal hispanoamericano de uma preocupação unânime de difusão da educação e de combate à herança colonial espanhola através da escola pública, o artigo debruça-se sobre alguns autores relevantes do pensamento político-educacional na América espanhola, mais especificamente no México, Chile e Argentina, explorando três aspectos: a influência da Igreja católica sobre os valores morais e sociais, o peso do elemento militar nas novas sociedades independentes e os conteúdos de ensino. HERANÇA COLONIAL; NACIONALIDADE; ESCOLA PÚBLICA; AMÉRICA ESPANHOLA.

Starting from the affirmation that in the first half of the 19th century, the struggle for the political stability and for the creation of a new national identity impregnated the liberal Hispano-American thought of a unanimous concern of education dissemination and of combat to the Spanish colonial inheritance through the state school, the article focus on some relevant authors to the political-educational thought in Hispano-America, specifically in Mexico, Chile and Argentina, exploring three aspects: the catholic church influence over the moral and social values, the weight of the military element in the new independent societies and the teaching contents. COLONIAL INHERITANCE; NATIONALITY; STATE SCHOOL; HISPANO-AMERICAN.

*

Este texto se publicó originalmente en: Nóvoa; Depaepe; Johanningmeier; Soto Arango (eds.), Para uma História da Educação Colonial. Hacia una Historia de la Educación Colonial, Oporto y Lisboa, Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação/Educa, 1996, pp. 223-235.

**

Profesora de Historia de los Sistemas Educativos Contemporáneos en la Facultad de Educación de la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED) de Madrid (España). Sus trabajos de investigación y sus publicaciones se refieren al Estado y los sistemas educativos latinoamericanos en el siglo XIX y primera mitad del siglo XX, con una perspectiva comparativa. Su investigación más importante se ha centrado en la educación durante la reforma liberal en Ecuador (1895-1912). En la actualidad lleva a cabo la coordinación de un proyecto de investigación sobre la historia de los textos escolares (Proyecto MANES), en el que participa la UNED y 14 universidades latinoamericanas de Argentina, Brasil, Colombia, Ecuador, México y Uruguay.

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La emancipación del espíritu – ese es el gran fin de la revolución hispano-americana, que se inició proclamando la independencia estableciendo las repúblicas que florecen en las colonias que la España dominaba en este continente LASTARRIA, 1867, p. 191

Con estas palabras define el chileno José Victorino Lastarria todo un programa político que los liberales americanos, utilizando términos muy similares, defendieron en las nuevas repúblicas independientes hasta bien entrado el siglo XIX1. Según Lastarria, que hacía estas afirmaciones en 1867, los cincuenta años que habían transcurrido desde la Independencia no habían bastado para terminar con la lucha entre una nueva civilización y la vieja civilización española: “cincuenta años no bastan para que los antecedentes históricos viciosos se reformen, para que el nuevo principio halle su centro, para que el movimiento social adquiera su marcha normal, para que la nueva civilización reemplace a la vieja” (p. 442). Por ello, la emancipación del espíritu debía ser un proceso continuo que contribuyera a culminar la independencia política y en el cual la educación tenía que jugar un destacado papel: “La masa de la población americana es ignorante, i este hecho influye infinitamente más que su mezcla en la situacion convulsiva que todavía impide la realizacion completa de la unidad social i política... las instituciones nuevas no tienen todavía en el pueblo esa adhesión que solo puede nacer del interes que inspira el conocimiento de sus ventajas” (pp. 455-456). No es casual que la idea de “emancipación espiritual” surgiera íntimamente relacionada con una preocupación histórica que buscó en el pasado español las causas de la inestabilidad reinante durante la primera mitad del siglo XIX. El surgimiento de las historiografías nacionales a principios del siglo tiene mucho que ver con esta preocupación y tuvo

1

Leopoldo Zea, el más importante historiador de las ideas en América Latina, ha definido precisamente la historia del siglo XIX como un esfuerzo progresivo hacia la emancipación mental respecto de las instituciones y los valores del sistema colonial español. Cf. Zea (1968, 1976).

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importantes repercusiones en la formación de la conciencia nacional de las nuevas repúblicas. El caso chileno es en este sentido ejemplar en cuanto a la madurez de la producción historiográfica y el elevado nivel de la discusión en torno a estos temas2. José Victorino Lastarria es radical en sus juicios sobre el pasado español: “nuestros desastres políticos i sociales tienen su causa principal en nuestro pasado español i [...] no podremos remediarlos sinó reaccionamos franca, abierta i enérjicamente contra aquella civilizacion, para emancipar el espíritu i adaptar nuestra sociedad a la nueva forma, que le imprime la democracia” (p. 228). La revolución americana encontraba obstáculos en los “sentimientos i en los hábitos” (p. 208) de la sociedad, de manera que la América española estaba “irresistiblemente condenada a reaccionar contra la civilizacion de su madre patria, i su progreso está en razon directa de la abjuracion de su pasado”3 (p. 207). 2

A.M. Stuven explica el interés por escribir la historia de Chile como respuesta a la necesidad de formular un proyecto nacional por parte de la élite ilustrada chilena de la década de 1840, intentando responder a preguntas que hasta ese momento la urgente tarea de organización del Estado había postergado. Cf. Stuven (1987, pp. 61-80). Sobre el mismo tema véanse, entre otros trabajos, Matyoka Yeager (1977, pp. 173-199); Woll (1982).

3

Para la interpretación del pasado colonial, la generación de Lastarria utilizó con frecuencia aquella literatura, sobre todo de origen inglés y francés, que había difundido una “leyenda negra” sobre la historia de España, insistiendo principalmente en el carácter opresor del absolutismo de los monarcas españoles y de la Iglesia católica. En esa visión de España no faltaron alusiones frecuentes también a la opresión que se ejercía a través de la educación dominada por el clero. Lastarria, por ejemplo, en la obra que venimos citando, se remite constantemente como fuente de información y transcribe largos párrafos textuales de la Historia de la Civilización (1857-1861) de H.T. Buckle, cuyo contenido antiespañol es indiscutible (Cf. Lastarria, 1867, pp. 191-206). Otro autor en el cual Lastarria se apoya con frecuencia es el colombiano José María Samper. En las pp. 218-219 le cita textualmente en los siguientes términos: “al cabo de tres siglos de dominacion, cuando las poblaciones se alzaron en masa para constituirse en Estados, se hallaron completamente novicias en el arte de la administracion, incapaces de consolidar prontamente su obra i su poder, ni volver a la obediencia porque con esta se debia restablecer un réjimen ruinoso, empírico, i detestable; ni avanzar con seguridad en la via de la República democrática abierta por la revolucion, porque para eso era preciso saberse gobernar, contar con hombres de administracion i pueblos; i en el Nuevo Mundo no habia hasta 1810 sinó de un lado una minoría de esplotadores, i del otro turbas estúpidas y paralíticas” (Samper, 1861).

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Aunque la valoración del pasado español no fue siempre tan radicalmente negativa como la expuso Lastarria, la referencia a la herencia colonial como un elemento a superar por las nuevas repúblicas independientes es prácticamente unánime en el pensamiento liberal de la primera mitad del siglo XIX. Andrés Bello, intelectual venezolano de la generación de la Independencia y radicado luego en Chile, donde ejerció una enorme influencia en la vida política y cultural del país, entró precisamente en polémica con Lastarria en 1844, respondiendo a una Memoria Histórica que éste había presentado ante la Universidad de Chile en ese mismo año. En ella esbozaba Lastarria los mismos argumentos que aparecerían más tarde en su obra La América, de la cual hemos citado algunos párrafos más arriba. Bello alude a España no como a una potencia simplemente opresora de sus dominios americanos, sino que reconoce que el impulso que movió a las revoluciones de Independencia fue precisamente el espíritu español que seguía vivo en los “hijos de España”, es decir, en los americanos: “el que observe con ojos filosóficos la historia de nuestra lucha con la metrópoli, reconocerá sin dificultad que lo que nos ha hecho prevalecer en ella es cabalmente el elemento ibérico. La nativa constancia española se ha estrellado contra sí misma en la ingénita constancia de los hijos de España” (Bello, 1957, p. 169)4. Sin embargo, Bello ve la necesidad de superar el carácter español y considera también a la educación como un instrumento idóneo para ello: “si no habíamos recibido la educación que predispone para el goce de la libertad, no debíamos ya esperarla de España; debíamos educarnos a nosotros mismos, por costoso que fuese el ensayo; debía ponerse fin a una tutela de tres siglos, que no había podido preparar en tanto tiempo la emancipación de un gran pueblo” (p. 172). Lo que consideramos más interesante en la argumentación de Bello es su análisis de aquello que otros autores como Lastarria denominaban “emancipación espiritual”. Bello distingue entre la “independencia política” y la “libertad civil”. La independencia política, obra de los guerreros, quedó consumada por la acción del elemento autóctono de tradición española. La libertad civil, por el contrario, elemento extraño que se alió al movimiento de 4

Estudio aparecido en El Araucan, Santiago de Chile, n. 742 y 743, nov. 1844.

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independencia política, debía consolidarse y arraigarse lentamente “en los duros y tenaces materiales ibéricos” (p. 168): “los gobiernos y los congresos hacen todavía la guerra a las costumbres de los hijos de España, a los hábitos formados bajo el influjo de las leyes de España: guerra de vicisitudes en que se gana y se pierde terreno, guerra sorda, en que el enemigo cuenta con auxiliares poderosos entre nosotros mismos” (p. 171). Podemos afirmar, pues, que en el siglo XIX la lucha por la estabilidad política y por la creación de la nueva identidad nacional impregnó al pensamiento liberal hispanoamericano de una preocupación unánime por la difusión de la educación, preocupación que iba unida a una crítica a la herencia colonial española. Este interés por la educación convierte al discurso político hispanoamericano del siglo XIX en un discurso eminentemente pedagógico. Algunos de los elementos de la herencia colonial que debían ser combatidos a través de la educación pública serán analizados brevemente en esta comunicación, partiendo del análisis de algunos textos relevantes del pensamiento político-educativo hispanoamericano de la primera mitad del siglo XIX. Los autores considerados han sido José María Luis Mora (México), Andrés Bello (Chile) y Domingo Faustino Sarmiento (Argentina)5.

La Influencia de la Iglesia Católica sobre los Valores Morales y Sociales Si bien la alusión a la influencia negativa de la Iglesia católica sobre las costumbres y la educación es prácticamente unánime en el pensamiento liberal, es lógico que apareciera con mayor intensidad en aquellos países

5

De los tres autores hemos elegido obras escritas en torno a la misma época, en la primera mitad del siglo XIX. No hemos considerado la evolución posterior del pensamiento de estos autores, que es significativa sobre todo en el caso de Sarmiento, al entrar en contacto con los postulados del positivismo en la segunda mitad del siglo. Las obras analizadas han sido: J.M.L. Mora (1794-1850), Revista política de las diversas administraciones que la República mejicana ha tenido hasta 1837 y Pensamientos sueltos sobre la educación pública, ambos contenidos en sus Obras Sueltas (2 vols.), publicadas en París en 1837, así como Méjico y sus

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donde la Iglesia había tenido una implantación más profunda y un mayor poder social y económico durante la época colonial. Ese es el caso de México, donde el enfrentamiento entre liberales y conservadores en torno a las relaciones entre el Estado y la Iglesia fue causa constante de inestabilidad política. José María Luis Mora, el teórico liberal mexicano más influyente durante la primera mitad del siglo XIX y que se ocupó de la reforma educativa de 1833 en su país, es quizás el más representativo pensador hispanoamericano en los temas relativos a la influencia de la Iglesia en la educación pública. En el pensamiento de Mora no encontramos literalmente el concepto de “emancipación espiritual”, sino más bien una idea de progreso que se contrapone a la tradición: “Por marcha política del progreso entiendo aquella que tiende a efectuar de una manera más rápida: la ocupación de los bienes del clero; la abolición de los privilegios de esta clase y de la milicia; la difusión de la educación pública en las clases populares, absolutamente independiente del clero... Por marcha del retroceso entiendo aquella en que se pretende abolir lo poquísimo que se ha hecho en los ramos que constituyen lo precedente” (Mora, 1963, p. 4). Los elementos que constituían el retroceso eran para Mora precisamente los privilegios de tradición colonial que el clero y la milicia seguían conservando a pesar de las revoluciones de Independencia: “El clero es una corporación coetánea a la fundación de la colonia y profundamente arraigada en ella: todos los ramos de la administración pública y los actos civiles de la vida han estado y están todavía más o menos sometidos a su influencia... Cuanto

revoluciones, Tomo I (1836). (Para las citas de su obra hemos utilizado una selección de textos de Mora recogidos bajo el título de El clero, la educación y la libertad. México: Empresas Editoriales S.A., 1949); A. Bello (1781-1865), “Investigaciones sobre la influencia de la conquista y del sistema colonial de los españoles en Chile” (1844), 1957; Discurso Inaugural de la Universidad de Chile (1843) (utilizamos la edición de la Academia Venezolana de la Lengua, Caracas, 1969); D.F. Sarmiento (1811-1888), Educación Popular (1849) (utilizamos la edición incluida en las Obras de D.F. Sarmiento, publicadas bajo los auspicios del Gobierno argentino, Buenos Aires, Imprenta y Litografía “Mariano Moreno”, 1896, Tomo XI); Educación Común (1853) (utilizamos la edición de Ediciones Solar, Buenos Aires, 1987).

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en México se sabía, o era enseñado por el ministerio del clero o estaba sometido a su censura...” (1949, p. 59). Mora habla de la necesidad de sacudir el yugo que suponía la herencia colonial (“España... creyó que la ignorancia era el medio más seguro de impedir la emancipación de la América”) (idem, p. 108) y defiende que “para establecer el sistema que reemplace al duro despotismo es indispensable tener conocimientos de la ciencia social; para llevar a cabo la obra de la regeneración es preciso formar un espíritu público, es preciso grabar en el corazón de cada individuo que sus leyes deben respetarse como dogmas; en una palabra, es preciso que las luces se difundan al máximo posible” (idem, p. 111). Su proyecto se resume en la necesidad de “formar una nación de lo que antes fué una colonia” (idem, p. 109) y para ello defiende los principios clásicos del liberalismo republicano, según el cual las leyes deben apoyarse “en aquel convencimiento íntimo que tiene todo hombre de los derechos que le son debidos y de aquel conocimiento claro de sus deberes y obligaciones hacia sus conciudadanos y hacia la patria”. Por ello, según Mora, “en el sistema republicano, más que en los otros, es de necesidad absoluta proteger y fomentar la educación” (idem, p. 107). Esta preocupación por la educación como fundamento del sistema republicano es unánime en el pensamiento liberal hispanoamericano de la primera mitad del siglo XIX, y aparece igualmente en los autores que analizamos más detenidamente en esta comunicación. Mora insiste, sin embargo, sobre todo en los obstáculos que la influencia de la Iglesia católica oponía a la consecución de este objetivo. En México, según Mora, es casi imposible establecer las bases de la moral pública, pues los deberes sociales se confunden con los religiosos y “las masas todavía ignoran que tienen deberes políticos y civiles, o por mejor decir, se hallan con la persuasión de que tales deberes no reciben su fuerza sino de la sanción religiosa, considerando su infracción no como delito, sino como pecado” (idem, pp. 114-115). La persistencia de esta influencia religiosa sobre la conducta social y moral impedía, según Mora, establecer en México el sistema representativo y construir el espíritu nacional, y ello era debido no sólo a la mera influencia ideológica que la Iglesia pudiera ejercer, sino al espíritu de cuerpo que persistía en la sociedad gracias a los hábitos

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creados por la antigua constitución del país. “En el estado civil de la antigua España, nos dice Mora, había una tendencia marcada a crear corporaciones, a acumular sobre ellas privilegios y exenciones del fuero común” (1949, p. 44). Por ello, las instituciones de la Iglesia, entre ellas las educativas, tendían a rebelarse contra aquello que no estuviese en armonía con las tendencias e intereses de su clase, aunque estuviese, por el contrario, conforme con los intereses sociales (idem, p. 45). La educación de los colegios del clero “es más bien monacal que civil... Nada se le habla (al educando) de patria, de deberes civiles, de los principios de la justicia y del honor; no se le instruye en la historia ni se le hacen lecturas de la vida de los grandes hombres...” (idem, pp. 80-81). La solución a esta cuestión era para Mora sacar a los establecimientos de enseñanza del monopolio del clero “no sólo por el principio general y solidísimo de que todo ramo monopolizado es incapaz de perfecciones y adelantos, sino porque la clase en cuyo favor existía este monopolio es la menos a propósito para ejercerlo en el estado que hoy tienen y supuestas las exigencias de las sociedades actuales” (idem, p. 90). Domingo F. Sarmiento añade a estas consideraciones un enfoque de gran interés cuando, al comparar a las sociedades hispanoamericanas con la de los Estados Unidos, habla de la existencia en los norteamericanos de un “espíritu público” que él mismo define como “la acción de los sentimientos comunes a una sociedad” que se manifiesta “por actos independientes de la acción gubernativa”, sobre todo a través de la creación de asociaciones con finalidades sociales y benéficas. Al preguntarse si existe ese “espíritu público” en Chile, Sarmiento afirma con cierta ironía que sólo existe para asuntos relacionados con la práctica religiosa y de poco trascendencia social, tales como las suscripciones públicas para la construcción de iglesias y altares. La idea que Sarmiento tiene del espíritu público, que debe crearse y transmitirse a través de la escuela, es algo más, es “la caridad cristiana ilustrada, obrando en escala más dilatada que la limosna, que envilece sin atacar el origen de la indigencia” (Sarmiento, 1987, pp. 61-71). Andrés Bello, por su parte, se enfrenta a las fuerzas tradicionales (“ecos oscuros de declamaciones antiguas”), que oponían reparos religiosos a la libre difusión de las ciencias. “La moral (que yo no separo de

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la religión) es la vida misma de la sociedad; la libertad es el estímulo que da un vigor sano y una actividad fecunda a las instituciones sociales... Calumnian, no sé si diga a la religión o a las letras, los que imaginan que pueda haber una antipatía secreta entre aquélla y éstas. Yo creo, por el contrario, que existe, que no puede menos de existir, una alianza estrecha, entre la revelación positiva y esa otra revelación universal que habla a todos los hombres en el libro de la naturaleza” (Bello, 1969, pp. 6 y 8). Estas últimas palabras de Bello son un exponente de que el liberalismo hispanoamericano, a pesar de su postura anticlerical, se mantuvo unánimemente dentro de la observancia de los principios católicos y vio la necesidad de cultivar las enseñanzas religiosas en las nuevas instituciones educativas. Así, por ejemplo, el fomento de las ciencias eclesiásticas quedó recogido en el plan de estudios de la Universidad de Chile fundada por Bello, quien lo justificó con las siguientes palabras: “Si importa el cultivo de las ciencias eclesiásticas para el desempeño del ministerio sacerdotal, también importa generalizar entre la juventud estudiosa... conocimientos adecuados del dogma y de los anales de la fe cristiana. No creo necesario probar que ésta debiera ser una parte integrante de la educación general indispensable para toda profesión, y aun para todo hombre que quiera ocupar en la sociedad un lugar superior al ínfimo” (idem, p. 13). También el mexicano Mora, quien era precisamente clérigo y que afirmaba que “las creencias religiosas y los principios de conciencia son la propiedad más sagrada del hombre considerado como individuo” (Mora, 1949, p. 65), impulsó dentro de la reforma educativa de 1833 la creación de un establecimiento de enseñanza superior destinado a los estudios sagrados, si bien dejaba claro que “como la religión reposa toda sobre hechos, su estudio es y debe ser necesariamente histórico y crítico” (idem, p. 96).

El Peso del Elemento Militar en la Nueva Sociedad Independiente En el pensamiento liberal del siglo XIX existe también unanimidad a la hora de considerar como elemento de la herencia española la influencia social que ejercía el elemento militar. Aunque este fenómeno no se discutió

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necesariamente en relación con el tema educativo, nos parece importante destacarlo para completar la visión que sobre el pasado español tuvieron los intelectuales liberales de aquella época. Además, la influencia negativa del poder militar sobre la formación cívica de las masas aparece siempre, aunque sea veladamente, entre las preocupaciones de estos pensadores. Tanto Andrés Bello como José María Luis Mora llaman la atención, como lo hiciera antes Mora en relación al cuerpo eclesiástico, de lo pernicioso que resultaba para las nuevas sociedades republicanas la existencia del fuero militar, “que está en pugna con el principio de igualdad ante la ley, piedra angular de los gobiernos libres” (Bello, 1957, p. 171). El poder del cuerpo militar, además, se acrecentó, según Mora, por “el ejercicio de la fuerza brutal en veintiséis años de guerras civiles (después de la Independencia), durante los cuales ha ejercido el imperio más absoluto” (Mora, 1949, p. 62), creando en la multitud el error de creer “que al Ejército se debe la independencia, la libertad, la federación y quién sabe cuántas cosas” (idem, p. 63). La inestabilidad política se entiende, según Mora, por el dominio de la milicia, pues los gobiernos “no han creído poderse pasar de esta clase privilegiada; y como, por otra parte, no han podido someterla, han quedado enteramente a su dirección” (idem, p. 64). Lo más significativo, sin embargo, es la conclusión que Mora deriva de este fenómeno en relación al comportamiento cívico del pueblo: el “hábito que contraen los pueblos de reconocer como un derecho el resultado de hechos repetidos, aunque éstos no reposen sobre un principio justo y racional” (idem, p. 64). En Sarmiento el tema del militarismo aparece en términos un tanto diferentes. En su argumentación define claramente las funciones de la educación pública como antítesis de las funciones del ejército. La existencia de los ejércitos, dice Sarmiento, es necesaria para pueblos “habituados á no sentir otros estímulos de órden que la coerción... el ejército satisface una necesidad de previsión del Estado; como la educación pública satisface otra más imperiosa, menos prescindible” (Sarmiento, 1896, p. 40). Para él el fuerte peso social de los ejércitos americanos tiene también su origen en la tradición española, y reconoce que “todos los gobiernos americanos han propendido desde los principios de su existencia á ostentar su fuerza y su brillo en el número de soldados de que pueden disponer”, ejércitos

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que se ven “condenados forzosamente a la ociosidad en América cuando no se emplean ó en trastornar el órden, ó en arrebatar la escasa libertad” (idem, pp. 39-40). Ello es motivo de preocupación para Sarmiento, quien a su vez reclama para la educación los recursos que se invierten en el ejército: “es muy seguro que no educando á las generaciones nuevas, todos los defectos de que nuestra organización actual adolece continuarán existiendo, y tomando proporciones muy colosales, á medida que la vida política desenvuelve mayores estímulos de acción, sin que se mejore en un ápice la situación moral y racional de los espíritus. Se gastan en unos Estados más, en otros menos de dos millones de pesos anuales en pertrechos de guerra, y personal del ejército. ¿Cuánto se gasta anualmente en la educación pública que ha de disciplinar el personal de la nación, para que produzca en órden, industria y riqueza lo que jamás pueden producir los ejércitos?” (1896, p. 40).

Una Enseñanza Carente de Contenidos Útiles La preocupación utilitarista es otra constante en el pensamiento liberal hispanoamericano del siglo XIX. En términos generales, como lo afirma C. Hale para el caso mexicano, el liberalismo político hispanoamericano contenía un conjunto de supuestos acerca de la sociedad que provenían del utilitarismo (cf. Hale, 1972, pp. 152-192). La influencia de algunos pensadores europeos como Jeremy Bentham sobre los intelectuales de la época y sobre la reforma de los estudios superiores de Derecho en muchos países es, entre otros factores, determinante para explicar este fenómeno. A esta explicación referida a las influencias foráneas, hay que añadir la importancia de la pervivencia de la tradición ilustrada, que tuvo un considerable auge en América a finales del siglo XVIII, así como una lógica preocupación pragmática por las necesidades de la acción inmediata, es decir, por la urgencia de constituir en sus aspectos materiales y culturales los nuevos Estados independientes. Este utilitarismo no se plasmó solamente en la teoría política (papel del Estado, teoría de la propiedad etc.), sino también en la necesidad de fomentar la utilidad pública y la prosperidad nacional. En este sentido, el utilitarismo fue adoptado tanto

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por los conservadores como por los liberales, y la educación pública debía jugar un papel fundamental en su fomento. En el pensamiento del mexicano José María Luis Mora el afán por difundir conocimientos prácticos aparece unido a su crítica al clero. La secularización de la sociedad supone para Mora no sólo la eliminación del poder corporativo de la Iglesia y la creación en el pueblo de actitudes acordes con los principios republicanos, sino también la introducción de valores esencialmente utilitaristas en una cultura saturada de religión. Según Mora, la educación impartida en los colegios regentados por religiosos “no sólo no conduce a formar los hombres que han de servir en el mundo, sino que falsea y destruye de raíz todas las convicciones que constituyen a un hombre positivo. El que se ha educado en colegio ha visto por sus propios ojos que de cuanto se le ha dicho y enseñado, nada o muy poca cosa es aplicable a los usos de la vida ordinaria... Los eclesiásticos que hacen y deben hacer su principal estudio de la religión, en la cual todo se debe creer y nada se puede inventar, contraen un hábito invencible de dogmatizar sobre todo y de reducir y subordinar todas las cuestiones a puntos religiosos, y de decidirlas por los principios teológicos... Así, en lugar de crear en los jóvenes el espíritu de investigación y de duda, que conduce siempre y aproxima más o menos el entendimiento humano a la verdad, se les inspira el hábito de dogmatismo y disputa” (Mora, 1949, pp. 81 y 90). Para Sarmiento, siempre el más radical en sus apreciaciones sobre el pasado colonial, la causa de ese escaso sentido práctico de las sociedades hispanoamericanos radicaba en la incapacidad intelectual e industrial inherente a los españoles, la cual se había agravado por la ignorancia e incapacidad de las razas aborígenes con quienes se mezclaron en América. En Sarmiento aparecen unidos el rechazo a la herencia española, el menosprecio de la población indígena y una ferviente admiración por los Estados Unidos. Para él, “el poder, la riqueza y la fuerza de una nación dependen de la capacidad industrial, moral, é intelectual de los individuos que la componen; y la educación pública no debe tener otro fin que el aumentar estas fuerzas de producción, de acción y de dirección” (Sarmiento, 1896, p. 35). Sin embargo, la difusión de estas capacidades se veía obstaculizada por el hecho de que “los Estados sud-americanos

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pertenecen a una raza que figura en última línea entre los pueblos civilizados. La España y sus descendientes se presentan hoy en el teatro del mundo moderno destituidos de todas las dotes que la vida de nuestra época requiere. Carecen de medios de acción, por su falta radical de aquellos conocimientos en las ciencias naturales o físicas, que en los demás países de Europa han creado una poderosa industria que da ocupación a todos los individuos de la sociedad” (Sarmiento, 1896, pp. 35-36). La incorporación de las razas indígenas a la sociedad en el proceso de colonización había acrecentado, según Sarmiento, la incapacidad de los españoles, “dejando para los tiempos futuros una progenie bastarda, rebelde á la cultura, y sin aquellas tradiciones de ciencia, arte é industria, que hacen que los deportados á la Nueva Holanda reproduzcan la riqueza, la libertad, y la industria inglesa en un corto número de años” (idem, p. 37). En la colonización de América del Norte no se había establecido “mancomunidad ninguna con los aborígenes, y cuando con el lapso del tiempo sus descendientes fueron llamados á formar Estados independientes, se encontraron compuestos de las razas europeas puras, con sus tradiciones de civilización cristiana y europea intactas, con su ahinco de progreso y su capacidad de desenvolvimiento...” (idem, p. 37). En la América española la tarea de crear capacidades intelectuales e industriales en el pueblo resultaba, pues, difícil, pero Sarmiento confiaba en que a través de la educación sería posible “prepararnos para la nueva existencia que asumirán bien pronto uniformemente todas las sociedades cristianas” (idem, p. 39). El componente racista del pensamiento de Sarmiento no es común a todo el pensamiento liberal hispanoamericano de la primera mitad del siglo, aunque la integración del indígena formó parte de las reflexiones de todos los intelectuales de la época. La necesidad de fomentar las enseñanzas prácticas, por el contrario, sí aparece como preocupación generalizada a lo largo de todo el continente. El Discurso inaugural de la Universidad de Chile de Andrés Bello es una pieza ejemplar en este sentido, aunque en la obra de Bello en general y en su idea de la Universidad éste concediera también mucha importancia a las humanidades y a los contenidos del curriculum clásico como elementos para elevar el carácter moral: “la utilidad práctica, los resultados positivos, las mejoras sociales, es lo que

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principalmente espera de la universidad el gobierno; es lo que principalmente debe recomendar sus trabajos a la patria” (Bello, 1969, p. 13). Ese cometido de utilidad práctica es el que, en la organización de la nueva Universidad de Chile, debían cumplir las Facultades de Leyes y Ciencias Políticas, así como las de Medicina, Ciencias Matemáticas y Físicas, a las que se añadían los estudios de “las especialidades de la sociedad chilena bajo el punto de vista económico” con el fin de contribuir a los intereses materiales del país: “porque en éste, como en los otros ramos, el programa de la universidad es enteramente chileno: si toma prestadas a la Europa las deducciones de la ciencia, es para aplicarlas a Chile. Todas las sendas en que se propone dirigir las investigaciones de sus miembros, el estudio de sus alumnos, convergen a un centro: la patria” (Bello, 1969, p. 14). Mientras que en Chile se erigía en 1842 esta Universidad, en la que las ciencias prácticas debían ocupar un papel fundamental, en México se suprimió en 1833, por inspiración de Mora y otros liberales de la época, la vieja Universidad colonial, que se declaró “inútil, irreformable y perniciosa” (Mora, 1949, p. 79). El plan de reforma de los establecimientos de enseñanza durante las reformas mexicanas de 1833 incluía la creación, entre otras, de una escuela de estudios físicos y matemáticos, una de estudios médicos y otra de estudios jurídicos, la cual abarcaba ramos tan necesarios para la organización nacional como el derecho natural de gentes y marítimo, el derecho político constitucional, el derecho romano y el derecho patrio (idem, pp. 94-96).

Consideraciones Finales La reacción del liberalismo hispanoamericano frente a la herencia colonial española revela cómo el siglo XIX estuvo marcado por el intento de definir una nueva identidad cultural, intento en el que la extensión de la educación pública se vio intensamente involucrada. Pero la necesidad de definir a las nuevas sociedades republicanas como americanas no supuso únicamente una toma de postura frente al pasado colonial español, sino también frente a la integración de la población indígena dentro de la

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estructura y los valores de la sociedad. Por otra parte, la búsqueda de soluciones para los problemas de modernización con que las nuevas sociedades se encontraron después de la Independencia política condujo a la imitación de modelos europeos y norteamericanos, lo cual plantearía a la larga nuevos problemas de identidad, todavía hoy fuertemente vigentes en América Latina6. Los problemas discutidos en la primera mitad del siglo y que aquí hemos querido esbozar de manera necesariamente muy reducida, se acentuaron en la segunda mitad del siglo, impulsados por la fuerte influencia que ejerció la filosofía positivista, en sus distintas corrientes, sobre el pensamiento hispanoamericano. La búsqueda de la “emancipación espiritual” se vería reforzada con los lemas de “orden y progreso”, intensificándose a través de ellos la preocupación utilitarista y la necesidad de secularizar la sociedad. El elemento racista que impregnó el pensamiento de algunos intelectuales encontró su fundamentación en el darwinismo y en las concepciones antropológicas y deterministas derivadas del positivismo. No fue sino hasta la Revolución Mexicana de 1910 que cristalizaron otros argumentos en favor de los valores de la raza indígena y mestiza. La Revolución Mexicana tuvo, prácticamente por primera vez en la historia de la América independiente, consecuencias serias para la extensión de la educación de los indígenas. Es evidente, finalmente, que los problemas que aquí hemos planteado se manifestaron en el pensamiento hispanoamericano con distintos grados de radicalismo y con diferencias significativas en algunos tópicos, dependiendo en gran medida de las circunstancias sociales y políticas de los distintos países independientes. La mayor o menor presencia de población indígena, la fuerza de la influencia social de la Iglesia católica o la magnitud de la inmigración europea determinaron, entre otros 6

El análisis histórico de estos problemas de identidad en el pensamiento hispanoamericano no ha estado tampoco exento de una intencionalidad filosófica que busca una definición de lo esencialmente americano. Así lo ha señalado C. Hale criticando la obra del historiador de las ideas mexicano Leopoldo Zea, de quien Hale afirma que “lo que hace que su obra sea tan insatisfactoria como obra histórica es el hecho de que no podamos separar al Zea filósofo del Zea historiador” (1971, p. 68).

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fenómenos, la intensidad de la discusión en torno a algunos problemas. La educación pública, sin embargo, estuvo siempre presente en las propuestas de modernización de los intelectuales de la época. Para la correcta comprensión e interpretación de estos fenómenos se impone pues, a nuestro parecer, la necesidad de enfocar la historia de América Latina desde una perspectiva comparativa, que es la que hemos querido ofrecer mediante el análisis de distintas tomas de posición frente a problemas similares que afectaron a todo el continente americano. Concluimos, al igual que lo hiciéramos al principio de este trabajo, con palabras del chileno José Victorino Lastarria: A estas causas jenerales de las revoluciones americanas, es necesario juntar otras que son peculiares de las distintas zonas jeográficas en que se hallan estendidos los pueblos de oríjen español de la América. Desde el istmo de Panamá al norte existen elementos físicos i sociales distintos de los que predominan en la zona que ocupan las repúblicas colombianas i en la que habitan los de la familia peruana, aunque haya entre ellos mui marcadas analojías; i todos esos elementos son diferentes de los que prevalecen en las rejiones de los pueblos del Plata, siendo unos i otros mui distintos de los peculiares que hacen de Chile un pueblo singular en la situacion actual de las sociedades americanas [1867, p. 231].

Referências Bibliográficas BELLO, A. (1957). “Investigaciones sobre la influencia de la conquista y del sistema colonial de los españoles en Chile”. In: Obras Completas de Andrés Bello. Caracas: Ministerio de Educación (vol. XIX: Temas de Historia y Geografía). . (1969). Discurso Inaugural de la Universidad de Chile (1843). Caracas: Academia Vanezolan de la Lengua. HALE, C.A. (1971). “The History of Ideas: Substantive and Methodological Aspects of the Thought of Leopoldo Zea”. Journal of Latin American Studies, vol. 3, Part I, p. 68.

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. (1972). El liberalismo mexicano en la época de Mora (1821-1853). México: Siglo XXI, pp. 152-192 (cap. 5: “El utilitarismo y la sociedad liberal”). LASTARRIA, J.V. (1867). La América. Gante: Imprenta de Eug. Vanderhaeghen. MATYOKA YEAGER, G. (1977). “Barros Arana, Vicuña Mackenna, Amunátegui. The Historian as National Educator”. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, vol. 19, n. 2, pp.173-199; MORA, J.M.L. (1949). El clero, la educación y la libertad. México: Empresas Editoriales S.A. . (1963). “Revista política de las diversas administraciones que la República Mexicana ha tenido hasta 1837”. In: Obras Sueltas de José María Luis Mora. México: Ed. Porrúa. SAMPER, J.M. (1861). Ensayo sobre las revoluciones políticas o la condicion social de las repúblicas colombianas. Paris, cap. III. SARMIENTO, D.F. (1896). “Educacion Popular (1849)”. In: Obras de D.F. Sarmiento. Buenos Aires: Imprenta y Litografia “Mariano Moreno”, t. XI. . (1987). Educación Común (1853). Buenos Aires: Ediciones Solar. STUVEN, A.M. (1987). “La generación de 1842 y la conciencia nacional chilena”. Revista de Ciencia Política, Santiago de Chile, vol. IX, n. 1, pp. 6180. WOLL, A. (1982). A Functional Past: The Uses of History in 19th. Century Chile. Century Chile, Louisiana. ZEA (1968). El positivismo en México: nacimiento, apogeo y decadencia. México: F.C.E. . (1976). El pensamiento latinoamericano. Barcelona: Ariel.

Tempos da Escola no Espaço Portugal-Brasil-Moçambique dez digressões sobre um programa de investigação António Nóvoa*

Com o objetivo de desenhar os contornos de investigação em desenvolvimento acerca da construção histórica da escola obrigatória em Portugal, Brasil e Moçambique, o artigo desdobra-se em dez digressões. As três primeiras privilegiam os sentidos da pesquisa, afirmando a importância de uma história comparada da educação. As três digressões seguintes sugerem processos de reconstrução teórica que permitam gerar instrumentos de interpretação desse “espaço de relação”, explorando contributos recentes da história da educação e da educação comparada: prováveis suportes à investigação. As quatro últimas indicam temáticas de referência, “pontos de entrada” da pesquisa, que possibilitam operar a comparação histórica. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO COMPARADA; ESCOLA OBRIGATÓRIA; ATORES EDUCACIONAIS; DISCURSOS PEDAGÓGICOS.

The article extends itself in ten digressions in order to draw the outlines of investigation in progress about the historical construction of the compulsory school in Portugal, Brazil and Mozambique. The first three grant a privilege to the research senses, affirming the importance of a compared education history. The three following digressions suggest processes of theoretical reconstruction that permit to produce instruments of interpretation from this “relation space”, exploring recent contributions from education history and from compared education: probable supports to investigation. The last four indicate thematic of reference, research “entrance points”, that enables to perform the historical comparison. COMPARED EDUCATION HISTORY; COMPULSORY SCHOOL; EDUCATIONAL AUTHORS; PEDAGOGICAL SPEECH.

*

Professor catedrático e presidente do Conselho Científico da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Tendo recebido o grau de Doutor pela Universidade de Genebra (1986) e de Agregado pela Universidade de Lisboa (1994), foi recentemente eleito presidente da Associação Internacional de

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No momento em que parece impor-se a presença de um centro mundial de referência (e de um só!), a emergência de uma comunidade académica juntando pelo lado sul as duas margens do Atlântico – e dobrando até, talvez, o continente africano – é intenção que merece apoio. As metáforas da net (da rede) e da web (da teia) têm hoje livre curso, mas, paradoxalmente, deparamo-nos com o reforço de uma comunicação que se fixa quase sempre nos mesmos pólos. Importa, por isso, desdobrar os espaços de circulação de ideias, de produção de cultura e de ciência. A nós, compete-nos imaginar – sabendo que nem todos imaginamos da mesma maneira – esse lugar simbólico onde habitam os três anéis (europeu, africano e sul-americano) que Eduardo Lourenço evoca na sua Imagem e Miragem da Lusofonia (1999). É sobre isto que vos quero falar neste texto inacabado, que procura desenhar os contornos de uma investigação em curso sobre a construção histórica da escola de massas (da escola obrigatória) em Portugal, Brasil e Moçambique1. As três primeiras digressões referem-se aos sentidos desta investigação, colocando como premissa a afirmação radical de uma possibilidade: a possibilidade de conhecer, não apenas como “empiria” (como casos, ilustrações ou exemplos), mas de conhecer como “teoria”, a relação que a história construiu entre estes povos e países. A elaboração do objecto de pesquisa faz apelo a uma “reconciliação” entre a história e a comparação, o que implica importantes redefinições destas duas disciplinas. As três digressões seguintes sugerem processos de reconstrução teórica que permitam a criação de instrumentos para interpretar um “espaço de relação – três países de três continentes diferentes, recortados por histórias parcialmente sobrepostas – que não tem estado presente nos estudos comparados. Para além do recurso às “abordagens do sistema

História da Educação, a ISCHE (International Standing Conference for the History of Education). É autor de obras publicadas em diversos países, dedicadas essencialmente a temas históricos e comparados e à formação de professores. 1

O texto retoma, com pequenas modificações, a intervenção oral proferida na sessão de abertura do 3º Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (Coimbra, 23 de Fevereiro de 2000).

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mundial” e das “teorias pós-coloniais”, apontam-se contributos recentes da história da educação e da educação comparada que podem apoiar a investigação. Finalmente, as quatro últimas digressões são dedicadas a uma identificação das temáticas de referência, que servem de “pontos de entrada” da investigação, ajudando a situar as fontes que serão trabalhadas em cada um dos países. É a partir destes elementos que a pesquisa se concretiza, permitindo imaginar os seus desenvolvimentos e a produção de conhecimento sobre os alunos, os professores, o currículo e a pedagogia.

Sentidos de um Programa de Investigação

1ª digressão – Registos do “atraso educacional” O primeiro lugar é inevitável. Falo da “nossa” Geração de 1870, que inscreveu o script da decadência na cultura portuguesa e, por via dele, o tópico do “atraso educacional”. Desde então, não deixámos ainda de nos sentir (isto é, de nos pensar) como “país atrasado”, em particular no sector da educação. Lembro o célebre Manifesto de 1897, assinado à cabeça por Bernardino Machado, clamando contra o défice intelectual do país: “Basta saber-se que dos cinco milhões de habitantes que constituem a população portuguesa, quatro milhões vivem mergulhados na mais sombria ignorância: são analfabetos”. A coisa foi dita e repetida. Uma e outra vez. Por todas as gerações. E veio até aos nossos dias. Como um estigma de que não conseguimos libertar-nos e que os números foram sucessivamente confirmando: nas primeiras estatísticas do final do século XIX, nos Anuários Internacionais de Educação do pós-Grande Guerra, nos documentos da Unesco do pós-II Guerra Mundial, nos recentes Indicadores publicados pela OCDE, nas bases de dados da União Europeia etc. Rui Grácio chama a atenção para a literatura que floresce, na década de 1960, lastimando ou reportando os atrasos do ensino, “bem como a

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deficiente estrutura educacional da população activa com relação às necessidades do desenvolvimento nacional” (1985, p. 73). Reinventa-se nesta ocasião, em grande parte nos círculos oposicionistas, a metáfora da “cauda da Europa”, que é mobilizada nos tempos quentes da política. No Estudo Nacional de Literacia, um dos mais severos registos do nosso “atraso educacional”, que procurou fechar/abrir um ciclo nas políticas educativas pós-25 de Abril, reencontramos o número mágico de 80%: 4 em cada 5 portugueses não são sequer capazes de “seleccionar e organizar informação, relacionar ideias contidas num texto, fundamentar uma conclusão ou decidir que operações numéricas realizar” (Benavente et al., 1996, pp. 69 e 122). Mas, o “problema” parece não se resumir apenas a Portugal. Apesar da distinção que António Sérgio (1940) faz, prefaciando Gilberto Freyre, entre os sucessos portugueses na América do Sul e os seus fracassos na Europa, uma rápida vista de olhos pelo material estatístico produzido pelas organizações internacionais, pelo menos desde a década de 1930, revela os “atrasos” de Portugal, do Brasil ou de Moçambique face aos países situados nas mesmas regiões do mundo2. A existência deste padrão não pode deixar de nos interpelar, convidando-nos a uma investigação sobre a construção da escola no Mundo que o português criou. Parece evidente que o critério geográfico não explica o que é preciso explicar, pois tão diferentes são as localizações destes países no mapamúndi. O critério desenvolvimento económico, utilizado a torto e a direito, revela enormes fragilidades interpretativas; veja-se a este propósito o artigo notável de Colette Chabbott e Francisco Ramírez, recentemente publicado no Handbook of the Sociology of Education (2000), no qual se faz uma crítica contundente das análises que procuram estabelecer uma relação linear entre “educação” e “desenvolvimento”. O critério antropológico, ensaiado por Emmanuel Todd na sua L’enfance du monde

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Cf. por exemplo o Annuaire International de l’Éducation et de l’Enseignement publicado pelo B.I.E. a partir de 1933, o World Survey of Education editado sob a responsabilidade da Unesco desde 1955 ou a recente série Education at a Glance da OCDE.

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(1984), recebeu bom acolhimento, mas a sua tese central, associando os progressos da alfabetização a certos tipos de estruturas familiares, não resistiu à contraprova das evidências. Ora, se nenhum destes critérios nos serve, a que outros poderemos recorrer? Restam-nos, talvez, os critérios político e cultural. Num e noutro, reencontramos a necessidade de uma “teoria do império”, que permita identificar a especificidade dos nossos processos de colonização e de independência. Num e noutro, acabamos por ir à procura de uma “singularidade”, que, sem cedências ao luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, nos introduza na “cultura de fronteira” que nos define como portugueses, brasileiros e moçambicanos. Resta-nos, ainda, uma outra solução: mudar a perspectiva... e pousar o olhar, não nos números do atraso, mas nas fórmas e nas fôrmas da medida, isto é, na concepção dos instrumentos estatísticos e na sua interpretação com base numa determinada ideologia do modelo escolar (Hacking, 1995). Os dois caminhos conduzem-nos ao mesmo resultado: investir intelectualmente o espaço histórico em que nos movemos, construindo-o como objecto de reflexão teórica e de produção de conhecimento científico. É este o nosso programa: compreender historicamente os tempos da escola através de uma reflexão comparada que toma como referência o espaço Portugal-Brasil-Moçambique.

2ª digressão – O espaço-tempo da reflexão histórica No segundo lugar desta viagem, chamo a atenção para a intensidade actual do debate historiográfico, que nos tem mobilizado a todos, de uma ou de outra maneira. Apesar da complexidade deste debate, há um aspecto que parece central: a reconceptualização do espaço e do tempo, do espaço-tempo da reflexão histórica. Já não nos serve uma definição puramente física do espaço. Já não nos serve uma definição puramente cronológica do tempo. Não podemos continuar a considerar o espaço e o tempo como entidades autónomas, ignorando que tendem a fundir-se numa mesma realidade. Mas habituámo-nos de tal modo a pensar num espaço fixo (estável) e a concentrar no tempo a variável da mudança, que temos

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dificuldade em romper com esta esquadria (Popkewitz, 1999). As metáforas da “flecha do tempo” ou da história como um “rio que corre” ilustram bem este entendimento. E, no entanto, há mais de 30 anos que Michel Foucault tinha pressentido que o espaço se transformaria na matéria-prima do historiador. Dizia ele que estávamos a entrar na época do simultâneo, da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado a lado, da dispersão. E, na verdade, encontramo-nos hoje face a processos de compressão e de expansão do espaço e do tempo. Um espaço que se alarga e que se restringe, num processo que Roland Robertson (1992) designa de glocalização. Um tempo que se acelera e que se condensa, “um tempo que se solta dos relógios” para utilizar a expressão poética de José Gomes Ferreira. Zaki Laïdi fala, justamente, desta fluidez das situações, dos comportamentos e das estratégias, que incita a uma renegociação colectiva da nossa relação ao espaço e ao tempo: “Um espaço que se alarga e um tempo que se acelera” (1999, p. 10). Por isso, elabora uma crítica à tirania da urgência, que tende a transformar-se numa nova medida que sobrecarrega o tempo com exigências inscritas apenas na imediatez: “É por isso que, incapaz de pensar o futuro, a urgência contribui para o destruir” (idem, p. 27). O apontamento perspicaz de Boaventura de Sousa Santos guia-nos o olhar através do exposcópio: A característica fundamental do exposcópio é comprimir o espaço e o tempo. Um curto-circuito espacial: o mundo literalmente a dois passos. Um curto-circuito temporal: o presente de tal modo dramatizado que o passado parece uma causa sem efeito e o futuro um efeito sem causa. Este efeito de visão é também um efeito de cegueira, e ambos produzem efeitos simbólicos, políticos e culturais [1998, p. 29].

Estamos colocados perante uma nova concepção que nos convida a olhar para a largura e para a espessura do tempo. Uma largura que permite a fluidez histórica, concebendo o presente não como um “período” mas como um processo de transformação do passado no futuro (e vice-versa). Uma espessura que nos faz viver, simultaneamente, diferentes temporalidades, sobrepostas de tal maneira que o tempo deixa de ser

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um “fio” (o fio do tempo) para se representar como uma corda onde muitos fios estão torcidos uns sobre os outros. Mas esta nova concepção convida-nos também a olhar para um espaço, que não é limitado apenas pelas suas margens físicas. Na verdade, como mostra Thomas Popkewitz, os conceitos temporais estão a ser substituídos por conceitos espaciais: mapas, campos discursivos, territórios, comunidades imaginadas, geografias institucionais, espaços ideológicos, topografias da pessoa etc.: A utilização de conceitos espaciais implica repensar as ideias de história, progresso e acção tal como foram desenvolvidas desde o século XIX pelas teorias sociais. O conceito de espaço nas teorias pós-modernas possui qualidades físicas, mas também representacionais. [...] A questão central da literatura feminista pós-moderna é o modo como os espaços sociais são construídos, não como conceitos geográficos, mas como discursos que produzem identidades [1999, pp. 27-28].

Estas mudanças encerram uma nova concepção do espaço-tempo, que, no nosso caso, misturam camadas temporais que recortam histórias comuns. E que nos levam a imaginar comunidades de sentido, que emergem da partilha de um mesmo espaço linguístico. São estas comunidades que tornam possível uma pesquisa sobre a relação Portugal-BrasilMoçambique, num espaço-tempo assim redefinido.

3ª digressão – A reconciliação entre a história e a comparação A terceira digressão serve para argumentar a favor de uma história que se reconcilia com a comparação, de uma comparação que se reconcilia com a história. Após várias décadas de ostracismo, o comparatismo tem vindo a regressar ao campo educativo. Historiadores, sociólogos, pedagogos e, até mesmo, filósofos, tradicionalmente desconfiados do exercício de “tornar iguais as coisas desiguais e desiguais as coisas iguais” (Bourdieu & Passeron, 1967, p. 25), dedicam-se ao jogo da comparação, participando em observatórios e grupos internacionais de pesquisa e inte-

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grando nos seus trabalhos elementos típicos de um raciocínio comparado. Do mesmo modo, uma série de instâncias supranacionais reconhecem a importância de criar instrumentos que facilitem uma compreensão dos fenómenos educativos e das suas consequências (emprego, qualificações profissionais, mercado de trabalho etc.) que vá além das fronteiras nacionais. Não é este o lugar para referir os perigos da nova “popularidade” da educação comparada, assinalados por autores como Peter Robinson (1999), que chamou a atenção para a tirania das classificações internacionais e para as falsas evidências que elas arrastam, ou Robert Cowen (1999), que denunciou a forma como certos “dados internacionais” estão a ser integrados nos discursos políticos. Hoje, o terreno é favorável à emergência de uma espécie de “pensamento mundial”, que se organiza através da integração do outro e da redução a uma matriz única de elementos recolhidos em diferentes contextos. A razão actual funda-se numa ideia do espaço-mundo, que é transformada em referencial por via do trabalho de “especialistas” e de organizações internacionais (Boli & Thomas, 1999). No passado, a presença do outro justificava-se pela sua exemplaridade (a imitar ou a recusar); actualmente, ela define-se pela capacidade de organizar uma massa considerável de informações que integram num mesmo quadro o eu e o outro. Mas este processo de inclusão é também um processo de discriminação, tendo em conta a panóplia de níveis e hierarquias que separam os diferentes mundos que existem no mundo. Todavia, parece-me útil chamar a atenção para duas características particularmente prometedoras do “regresso” do comparatismo: por um lado, o reforço de um pensamento que inscreve as lógicas de comparação no tempo, concedendo-lhes uma historicidade própria; por outro lado, a adopção de perspectivas metodológicas que não consagram modelos de análise exclusivamente centrados na geografia nacional. Tradicionalmente, a educação comparada teve como matriz o estadonação: comparavam-se países do Norte com países do Sul, desenvolvidos com subdesenvolvidos; comparavam-se os países do “centro” entre eles; comparava-se pela proximidade geográfica ou pelo exotismo... mas a referência era, sempre, o estado nacional. Hoje, as fronteiras diluem-se,

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por efeito de uma “cultura mundial”e pela multiplicidade de níveis de filiação e de pertença. Como diz Benedict Anderson (1991), todas as comunidades são imaginadas e distinguem-se, não por uma eventual falsidade/autenticidade, mas justamente pelos modos diferentes como se imaginam. Eis o que conduz o comparatismo a virar-se para novas realidades, que não cabem nas geografias nacionais. Uma dessas realidades – que tenho vindo a procurar construir como objecto de estudo – é essa comunidade imaginada que dá pelo nome imperfeito de lusofonia. Aqui, a possibilidade de um pensamento histórico e comparado torna-se tão evidente que nos espantamos com a ausência de estudos e pesquisas. Na verdade, se exceptuarmos alguns trabalhos sobre o “império” e a “colonização”, não há uma reflexão sistemática a partir desta categoria de análise, que sobrepõe momentos de uma história comum e identidades culturais partilhadas (por adesão ou por rejeição). A nossa localização em África, na América e na Europa – em países tão diversos, ligados pela distância – concede-nos um estatuto muito especial, abrindo uma série de possibilidades ao inquérito histórico e comparado. Não se trata de nos considerarmos como um “caso peculiar”, que confirmaria ou infirmaria certas teses. Trata-se de assumirmos que a nossa especificidade pode ser elaborada conceptualmente e trabalhada como campo teoricamente conhecível.

Perspectivas Teóricas de Referência

4ª digressão – As abordagens do sistema mundial As primeiras palavras vão para as chamadas abordagens do sistema mundial (world-system approaches), tal como têm sido praticadas pela equipa da Universidade de Stanford ao longo dos últimos 25 anos. As suas premissas são conhecidas e podem ser rapidamente resumidas: A educação é um fenómeno mundial, exactamente do mesmo modo que a ciência, a tecnologia, a teoria política, o desenvolvimento económico, e muitos

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outros fenómenos são, por natureza, transnacionais. Quer isto dizer que o que a educação é (a sua ontologia), o modo como está organizada (a sua estrutura) e as razões do seu valor (a sua legitimidade) são características que se definem, essencialmente, no nível da cultura e do sistema económico mundial, e não no plano dos estados-nação [Boli & Ramirez, 1986, p. 66].

Munidos destas premissas, estes autores têm produzido uma série impressionante de trabalhos sobre a génese, a consolidação e a expansão da Escola. Nenhum de nós ignora as críticas sistemáticas, muitas vezes pertinentes e certeiras, que têm sido dirigidas a estas teses. Mas, apesar de tudo, as abordagens do sistema mundial têm resistido bem à passagem do tempo e têm conseguido manter a sua consistência interpretativa. Os estudos recentes de John Meyer, por exemplo sobre o currículo, mostram bem esta evolução, nomeadamente quando apontam para a ideia que “os sistemas educativos são construídos mais para sociedades imaginadas do que para sociedades reais”, o que explicaria situações à primeira vista paradoxais como a preocupação com o professor-reflexivo ou com o construtivismo (e até o construcionismo) em países onde uma formação mínima dos professores não está ainda assegurada. Na verdade, a escola desempenha um papel essencial na produção de “sistemas de governo” que trabalham as diversas identidades e filiações individuais e colectivas: “A escola não constrói apenas os imaginários nacionais que consolidam a ideia de cidadania nacional. Constrói também as imagens de subjectividades cosmopolitas que atravessam as múltiplas fronteiras que formam o mundo da economia, da política e da cultura” (Popkewitz, 2000, p. 5). Ao considerarem que o estado-nação deriva de modelos mundiais construídos e difundidos através de processos globais, culturais e simbólicos, as abordagens do sistema mundial convidam-nos a uma mudança de olhar e de perspectiva (Meyer, Boli, Thomas & Ramirez, 1997). São pontos de vista que podem contrabalançar as interpretações exclusivamente centradas no critério nacional. A sua pertinência depende da capacidade para evitar os desvios “deterministas” que, em vez de um enriquecimento do debate, se limitariam a encerrá-lo no círculo vicioso da pura confirmação dos pressupostos de partida.

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Conscientes desta advertência, creio que é tempo de trazer estas abordagens para a reflexão histórica, o que implica alguma ousadia, uma vez que elas tendem a ir contra as explicações habituais. No nosso caso, não podemos ignorar um dos textos nucleares da equipa de Stanford, no qual se propõe uma tipologia dos países, surgindo Portugal e Brasil numa posição bastante “atrasada” e Moçambique com os níveis mais baixos de desenvolvimento escolar no mundo (Meyer, Ramirez & Soysal, 1992). Há duas críticas óbvias a este texto: por um lado, o estabelecimento de uma hierarquia de países que não se limita a descrever uma determinada realidade, mas que a constrói, de facto, a partir de um implícito ideológico; por outro lado, um agrupamento dos países a partir da sua localização estrutural na sociedade mundial, fazendo sobressair as dimensões económicas e geográficas. Há aqui uma espécie de verticalidade na construção dos argumentos. Mas – e gostaria de bem sublinhar este ponto – se conseguirmos apropriar-nos desta reflexão, desenhando-a numa perspectiva horizontal de ligação entre três continentes e valorizando, sobretudo, as dimensões históricas e culturais, acredito que estaremos em condições de produzir conhecimento novo (conhecimento teórico) sobre a génese e a expansão da Escola. Não se trata tanto de estudar a “difusão mundial” do modelo escolar, mas antes de compreender a sua recepção no espaço PortugalBrasil-Moçambique. Adopta-se, assim, um nível intermédio de análise, entre as concepções do sistema mundial e as aproximações centradas nos estados nacionais.

5ª digressão – Os novos modos historiográficos O segundo momento da reconstrução teórica que vos proponho diz respeito à apropriação crítica de ideias produzidas pelos movimentos que ficaram conhecidos por “viragem linguística” (linguistic turn) e por “viragem imagética” (pictorial turn). Estes movimentos, a muitos títulos desgarrados e incongruentes, têm tido a enorme qualidade de nos obrigarem a reagir, não nos deixando acomodar no conforto de certos paradigmas científicos. O mundo científico caracteriza-se, hoje, pela busca de racionalidades

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alternativas, que têm como único denominador comum um sentimento difuso de insatisfação. Num livro recente, Beyond the Cultural Turn (1999), Victoria Bonnell e Lynn Hunt demonstram o colapso dos paradigmas de explicação científica e a necessidade de um realinhamento das disciplinas. A este propósito, é útil insistir no sentido inevitavelmente comparado de toda a investigação, mas também na necessidade de fundar um comparatismo elaborado do ponto de vista teórico e conceptual. A intenção de passar das análise dos “factos” à análise do “sentido dos factos” dá origem a uma nova epistemologia do conhecimento, que define perspectivas de investigação centradas não apenas na materialidade dos factos educativos, mas também nas comunidades discursivas que os descrevem, interpretam e localizam num dado espaço-tempo. O texto e a imagem estão no centro destes novos modos historiográficos, que transportam distintas maneiras de ler e de olhar: Nos discursos-práticas da educação, os textos incluem livros escolares, relatórios de investigação, estudos, documentos de orientação curricular e materiais de avaliação. Projectos de investigação, dados empíricos, intervenções experimentais ou testes estatísticos são também discursos-práticas. O seu sentido depende de textos que estão relacionados ainda com outros textos. A intertextualidade de discursos e práticas constitui e estrutura os nossos mundos social e educacional [Cherryholmes, 1988, p. 8]. [A viragem imagética] representa a compreensão de que a lógica do espectáculo (o olhar, a visão, as práticas de observação, a vigilância e o prazer visual) pode ser elaborada como um “problema teórico” com a mesma relevância que as diversas formas de ler (decifração, descodificação, interpretação, etc.); e representa também a afirmação de que a experiência visual ou a “literacia visual” talvez não possa ser totalmente explicável através do modelo de textualidade [Mitchell, 1994, p. 16].

Na verdade, é impossível produzir qualquer explicação fora de um quadro linguístico, porque as imagens existem e são mostradas em campos sociais, institucionais e políticos que estão discursivamente saturados.

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Mas, ao mesmo tempo, é importante reconhecer a irredutibilidade da imagem ao texto (e vice-versa). É por isso que as práticas de “ver textos” e de “ler imagens” se encontram hoje intrinsecamente ligadas (Jay, 1996, p. 3). A História – como Hayden White escreve no seu último livro, Figural Realism (1999) – não é apenas um objecto que podemos estudar ou o nosso estudo desse objecto; a História é também, e principalmente, uma certa forma de relação com o passado mediada por um discurso escrito ou por um discurso visual. Não se trata de abdicar da cientificidade do conhecimento histórico, dissolvendo toda a realidade em discurso. Não se trata – como Roger Chartier (1998) tem alertado – de confundir a racionalidade que organiza a produção de discursos com a racionalidade que organiza os outros regimes da prática. Não se trata de ignorar que o saber histórico pode (e deve) ser controlado por critérios de rigor e de verdade. Trata-se, sim, de afirmar a impossibilidade de separar o texto do seu contexto de produção. Trata-se de compreender o modo como os discursos moldam os factos, configuram as realidades, não se limitando a descrever qualquer coisa que estaria para além deles. Trata-se de identificar as modalidades visuais que definem a nossa “civilização da imagem”. O historiador não é um fotógrafo do passado, é um produtor de sentidos sobre o passado. E, por isso, está sempre confrontado com diferentes narrativas, quantas vezes opostas e contraditórias, que procuram explicar os mesmos factos. A sua busca intelectual tem lugar numa “arena de conflitos”, ocupada por ideologias e identidades várias. Parece desnecessário sublinhar a relevância destas perspectivas para a análise histórica e comparada das relações Portugal-Brasil-Moçambique que se construíram, em grande medida, no espaço da língua... da língua falada, da língua escrita ou da língua imaginada.

6ª digressão – As teorias pós-coloniais O último percurso de reconstrução teórica refere-se, sem surpresa, às teorias pós-coloniais. Elas encontram-se no âmago da minha argumentação, quando põem em causa que o “conceito-Europa” funcione como referente silencioso de todas as histórias. Ou, o que é o mesmo, quando

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criticam que só a “Europa” seja teoricamente conhecível, remetendo para um estatuto empírico, isto é para um estatuto de “casos”, todas as outras histórias (Chakrabarty, 1992). Ora, a crítica à linearidade do chamado “progresso civilizacional” contém a afirmação de que o resto-do-mundo também pode ser lugar de uma reflexão teórica. O modo como o sujeito colonial foi constituído como o outro é indissociável dos processos educativos, formais e informais, que construíram a dicotomia “primitivo/moderno” como sinónimo de “selvagem/ civilizado” (Spivak, 1999). As “normas universais”, que serviram para julgar e confrontar o outro, foram difundidas, em grande parte, através das instituições escolares. Robert Young (1990) vai mais longe na sua crítica, quando a estende até aos dias de hoje, afirmando que é preciso analisar as formas discursivas, as representações e as práticas do racismo actual, à luz da sua relação com o passado colonial e do modo como certas disciplinas e conhecimentos fizeram parte integrante das próprias estruturas educacionais. Vale a pena chamar a atenção para dois aspectos que se relacionam, directamente, com a missão da escola. Por um lado, as interdependências entre a metrópole e as colónias, que transformam os territórios coloniais em lugares de experimentação para tecnologias de governo que, mais tarde, são utilizadas “em casa”. Neste sentido, a formação ética dos colonizadores e o desenvolvimento de formas de “auto-governo” revelam-se necessárias à eficácia de um poder que se exerce à distância. Nikolas Rose (1999) tem toda a razão quando conclui que neste processo são as próprias características do europeu e os seus estilos de governo que se definem e consolidam. Por outro lado, é preciso registar esta ironia da história que faz das colónias um elemento essencial na constituição da unidade europeia, do pensamento ocidental e dos seus modelos de educação e cultura. A escola é uma das instituições onde se difunde esta imagem reflectida pelo “espelho dos colonizados”, construindo relações complexas e ambíguas entre mundos que se fundem e se guerreiam. As histórias da colonização difundiram uma visão unidireccional e unívoca da relação colonizador-colonizado. Mas, como mostra Thomas Popkewitz, alguns autores têm utilizado o conceito de hibridação para se referirem a estes encontros, a estas

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“zonas de contacto”, nas quais nos procuramos através do outro e encontramos o outro em nós. O conceito de hibridação permite-nos conceber de forma não hierárquica a relação entre saber e poder, isto é, permite-nos pôr em causa a ideia de um movimento que se desenvolveria num único sentido, das nações centrais do sistema mundial para os países periféricos ou menos poderosos. Bem pelo contrário, torna-se cada vez mais evidente que o global e o local estão inextricavelmente ligados através de padrões complexos que são múltiplos e multidireccionais [2000, p. 6].

O debate não pode esquecer as tendências de mundialização que representam, muitas vezes, a redução a uma matriz única. No passado, a presença do outro justificou-se pela sua singularidade. Agora – como se prova pelos sofisticados aparatos internacionais de recolha e tratamento da informação – há a tendência para integrar numa mesma “fotografia-do-mundo”, o eu e o outro. A panóplia de rankings e hierarquias que separam os diversos mundos que existem no mundo transformam o processo de inclusão num dispositivo de exclusão e discriminação. Actualmente, o nosso esforço intelectual não tem como referência o estabelecimento de dicotomias, mas antes a compreensão do modo como diferentes práticas discursivas se imbricam e se sobrepõem configurando maneiras de pensar e de agir. Importa, por isso, compreender a globalidade deste processo complexo de “laminação” a que chamamos História, ao mesmo tempo que decompomos as diversas “lâminas” que o constituem. É nesta dupla lógica de “amalgamar” e de “desenovelar” que encontramos zonas de olhar por descobrir. A descoberta destas novas zonas é o desafio mais estimulante da pesquisa comparada.

Eixos e Temáticas de Investigação A pesquisa comparada Portugal-Brasil-Moçambique, com os “contornos” que temos vindo a apresentar, desenvolve-se em torno de dois eixos que fixam quatro pontos de entrada na investigação.

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O primeiro eixo toma como referência os “actores”, em particular os alunos e os professores, procurando compreender: • por um lado, o modo como a expansão do modelo escolar instaura uma relação pedagógica à infância, transformando as crianças em alunos ou, para recorrer a um termo que caiu em desuso, fazendonos olhar para as crianças como se elas fossem (sempre) “escolares”; • por outro lado, o modo como o alargamento da escola a todas as crianças, no quadro de um princípio de “cidadania”, obrigou os professores a construírem (e reconstruírem) identidades pessoais, que são também identidades profissionais. O segundo eixo organiza-se no plano do conhecimento, reportandose à forma como os “especialistas” do currículo e da pedagogia intervêm na produção e difusão de “sistemas de ideias” e de práticas discursivas que consolidam o modelo escolar, procurando compreender: • por um lado, o modo como um conhecimento disponível no plano mundial foi transformado num “currículo nacional”, que é, ele próprio, produto de uma tecnologia mundial de progresso e de modernização; • por outro lado, o modo como os processos de comunicação e de transação do saber pedagógico definem redes e influências que relocalizam nas comunidades nacionais ideias e conceitos que circulam no espaço internacional. Fortemente ancorada numa perspectiva histórica, a investigação desenvolve-se em ciclos de quarenta anos, concedendo uma particular atenção a grandes momentos de viragem do modelo escolar: décadas de 1880, de 1920 e de 1960 (cf. Nóvoa, 1998). Do ponto de vista comparado, não queremos repetir estudos já realizados e, por isso, adoptamos, como nível de comparação, um espaço “intermédio” composto por três países com inserções políticas, económicas e geográficas muito distintas, mas com algumas referências comuns no plano da língua e da história.

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7ª digressão – Transformando as crianças em alunos A primeira “entrada” procura compreender o modo como os alunos são “inventados” (construídos, categorizados, classificados etc.) pela escola, isto é, o modo como através da escola de massas as crianças são transformadas em alunos. Trata-se, no fundo, de compreender as mudanças na forma de pensarmos e de nos relacionarmos com as crianças, mas também as continuidades da acção realizada pela escola, em particular na imposição de certas “verdades” e na configuração das “subjectividades”. A construção de uma “norma” de aluno é essencial para a compreensão das lógicas de inclusão e de exclusão e para a definição do “aluno imaginado”. Estamos perante um processo que mobiliza múltiplas racionalidades, abrangendo discursos médicos, interesses comerciais, observações científicas, práticas sociais etc. Vários autores têm trabalhado nesta direcção, com particular destaque para Thomas Popkewitz na sua obra Struggling for the Soul (1998). Por isso, é essencial compreender o modo como a escola configura dispositivos de governo dos alunos, através da prescrição de comportamentos ditos “saudáveis” e “razoáveis”, legitimados, regra geral, pela vontade de assegurar a formação de sujeitos “autónomos” e “responsáveis”. A nossa atenção centra-se na panóplia de instrumentos que descrevem as crianças do ponto de vista quantitativo e qualitativo, sugerindo diferentes “tipologias” de alunos. No primeiro caso, confrontamo-nos com a produção de estatísticas, enquanto “aritmética do Estado”, e o seu papel na construção de um “raciocínio populacional”. Ora, a gestão dos alunos como “populações” é indissociável do trabalho que se realiza na escola de massas e do duplo processo de homogeneização-uniformização e de individualização-diferenciação que ela realiza (Hacking, 1995). No segundo caso, estamos à procura de todo o tipo de materiais (inquéritos, relatórios médicos, testes psicológicos, fichas judiciais etc.), produzidos por uma série de “especialistas”, que nos permitam compreender o modo como os discursos médicos, psicológicos, pedagógicos e assistenciais configuram uma ideia de aluno e reconstroem a sua subjectividade.

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8ª digressão – A fabricação das identidades profissionais docentes A segunda “entrada” analisa as mudanças ocorridas no professorado, e nos seus modelos de profissionalização, com a expansão da escola de massas. Adoptam-se como ponto de partida algumas reflexões sobre a história da profissão docente, ainda que a análise incida mais directamente sobre a questão da(s) identidade(s). O objectivo principal é apreender a forma como os próprios professores vivem e falam da sua profissão, reconstruindo os sentidos que deram ao seu próprio trabalho, numa tripla perspectiva: social e política, o que remete para os discursos sobre a cidadania, o progresso etc.; pedagógica, o que obriga a pensar a problemática dos saberes, da formação e da inovação; profissional, o que conduz a uma reflexão sobre as questões do estatuto, do prestígio e da imagem social. Se é possível estabelecer continuidades na forma de os professores se “identificarem” com a sua profissão, seria inaceitável não assinalar as mudanças num processo que nunca está acabado. A fabricação identitária produz-se num jogo de poderes e de contrapoderes entre imagens que são portadoras de visões distintas da profissão; ela articula dimensões individuais, que pertencem à própria pessoa do professor, com dimensões colectivas, que estão inscritas na história e nos projectos do colectivo docente. Os debates actuais sobre as cidadanias múltiplas, os “práticos reflexivos” ou a “nova” profissionalidade docente revelam bem o trabalho quotidiano de construção identitária a que os professores estão sujeitos. Tal como na “entrada” anterior, também aqui seguiremos linhas de argumentação sobre os modos de regulação social e as tecnologias de poder que definiram normas, regras e procedimentos a serem respeitados por um professor “competente” e “responsável”. Estes regimes de governo serão analisados em conjunto com perspectivas dos professores sobre as suas próprias vivências pessoais e profissionais. As duas principais direcções de trabalho tentam responder a estas preocupações. Por um lado, a análise de materiais autobiográficos produzidos pelos professores (narrativas, memórias, diários, “romances de

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formação” etc.). Por outro lado, o recurso a documentos centrais dos programas de formação, nomeadamente aos manuais das disciplinas do campo pedagógico utilizados desde o final do século XIX: “O nosso argumento principal é que os textos de Didáctica e de Pedagogia consagram o pensamento dominante em circulação, o senso comum da prática profissional, os modos como se concebe a acção pedagógica dirigida ao aluno/sujeito de aprendizagem, estabelecendo sistemas de verdade a respeito dos processos escolares” (Correia, 2000, p. 2).

9ª digressão – Lutando pelo currículo da “escola de massas” A terceira “entrada” procura compreender a evolução do currículo da escola de massas, tendo como referência os estudos da equipa de Stanford. Citem-se, a título de exemplo, algumas conclusões do estudo School Knowledge for the Masses: As mudanças principais que se observam no desenvolvimento do currículo mundial ao longo do século XX foram estruturadas pelas concepções de educadores profissionais e de investigadores. Estamos perante mudanças teorizadas, e não apenas perante mudanças que se limitariam a reflectir situações conjunturais ou de poder. Cada uma destas mudanças – alterações na aprendizagem da leitura, desenvolvimento da educação científica ou da matemática, reorganização do ensino das ciências sociais, desenvolvimento do ensino artístico e da educação física, etc. – são produto de uma elaboração teórica no plano educacional, quaisquer que sejam as suas eventuais origens em termos de poderes ou de interesses [Meyer, Kamens & Aaron, 1992, p. 175].

O nosso objectivo é reconstruir as principais mudanças (e permanências) neste currículo e, sobretudo, identificar as lógicas de difusão mundial de uma idéia de currículo e de um corpo de disciplinas (ou matérias) a ensinar. É importante que a história do currículo nos ajude a ver o conhecimento escolar como um artefacto social e histórico sujeito a mu-

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danças e flutuações, e não como uma realidade fixa e atemporal. Por outro lado, é necessário reconhecer que o objectivo central da história do currículo não é descrever como se estruturava o conhecimento escolar no passado, mas antes compreender como é que uma determinada “construção social” foi trazida até ao presente influenciando as nossas práticas e concepções do ensino (Goodson, 1997). Como escreve António Carlos Correia: “De alguma maneira pode dizer-se que se trata de uma tentativa de apreender, se não o que acontece realmente na escola, pelo menos o modo como os intervenientes se representam a si mesmos e às relações que estabelecem com os outros, com os saberes e com as aprendizagens” (2000a, p. 5). A análise do currículo não se baseia apenas nos textos formais, investigando também as dinâmicas informais e relacionais, que definem estratégias distintas de aplicar na prática as deliberações legais. Por isso, não deixaremos de olhar para as práticas, que muitos autores consideram uma das principais “zonas esquecidas” pela história da educação (Grosvenor, Lawn & Rousmaniere, 1999). É este silêncio que queremos resgatar, através de um inquérito sistemático às práticas de ensino, isto é, às modalidades de concepção e de realização do currículo. A nossa interrogação tem presente as “abordagens do sistema mundial”, mas o que verdadeiramente nos interessa compreender, não é tanto a difusão mundial de modelos curriculares, mas sim o modo como eles foram apropriados e reelaborados nos diferentes contextos nacionais. A análise privilegiará uma comparação transversal a Portugal, Brasil e Moçambique, procurando identificar formas particulares de concretização de um modelo curricular que se imagina “transnacional”. Esta reelaboração tem lugar no plano teórico, mas concretiza-se em práticas escolares quotidianas. É neste duplo plano – da intervenção dos “especialistas” e da acção dos “professores” – que situamos as nossas perguntas. Interessa-nos identificar as diversas instâncias que participam neste processo, através do qual se vão negociando e configurando as práticas curriculares na sala de aula. Necessitaremos, para isso, de recompor os diversos estratos de decisão, como camadas que se misturam, sedimentando uma determinada proposta pedagógica.

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10ª digressão – Jogos de discursos e de influências na produção pedagógica A quarta “entrada”, claramente situada numa lógica de sociologia do conhecimento, procurará identificar a génese de um discurso pedagógico no contexto da emergência das ciências sociais e humanas no final do século XIX. Por um lado, queremos compreender a forma como as ciências da educação estiveram historicamente ligadas à produção de práticas políticas e reformadoras; e, ao mesmo tempo, mostrar as diferenças fundamentais entre a racionalidade da decisão política e a racionalidade do trabalho científico. Por outro lado, pretendemos identificar as ligações entre as formulações teóricas no plano educativo e as práticas escolares concretas; situando a análise do discurso pedagógico fora da tradicional clivagem teoria-prática, que se revela empobrecedora para apreender o debate educativo. Para atingir este objectivo, os periódicos revelam-se uma fonte incontornável na medida em que permitem: apreender a multiplicidade do campo educativo, compreender as dificuldades de articulação teoria-prática e identificar os principais grupos e actores numa determinada época histórica. Simultaneamente, a análise das revistas facilita uma inserção do discurso pedagógico no conjunto dos discursos científicos, o que é da maior importância para o nosso projecto. É nossa intenção esclarecer os circuitos de comunicação e as redes de experts que relocalizam nas comunidades nacionais saberes disponíveis no espaço mundial. Hoje em dia, está bem estabelecida a importância destes especialistas da razão – que são também especialistas da alma (Popkewitz, 1998) – no governo das coisas da educação. Interessa-nos desvendar o jogo de influências e de transacções – por adesão ou rejeição, por convergência ou afastamento – entre as comunidades pedagógicas do Brasil, de Portugal e de Moçambique. Ad intra e Ad extra. Isto é, na forma como os grupos nacionais se confrontam com as modelizações mundiais, mas sobretudo nas ligações que existem historicamente entre eles. No quadro de uma história comparada, o estudo parte de uma análise crítica das teorias da difusão global de mode-

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los estandardizados de organização educacional, guiada pela compreensão dos modos como a instituição generalizada de um modo particular de pensar-fazer a escolarização, mais concretamente a escola de massas, resulta, historicamente, do cruzamento de dinâmicas globais e locais. [...] No quadro de uma sócio-história do conhecimento pedagógico especializado, a pesquisa observa a construção desse saber a partir da articulação de factores internos e externos ao território educativo e da interpenetração de saberes e relações de poder: a produção e a difusão de discursos-expert em educação é compreendida como parte da afirmação universitária das ciências humanas enquanto teorias reguladoras da vida social [Carvalho, 2000, p. 6].

Aqui ficam, telegraficamente, alguns contornos do programa de pesquisa que temos vindo, pouco a pouco, a pôr de pé. São bóias de sinalização que servem de orientação aos diferentes investigadores e que os procuram ajudar nas suas navegações. Não quisemos construir um texto fechado, mas antes apontar os sentidos, as perspectivas e as temáticas que podem contribuir para um estudo dos Tempos da escola no espaço Portugal-Brasil-Moçambique. A nossa ambição é, ao mesmo tempo, modesta e, talvez, excessiva. Sabemos do que estamos à procura, mas sabemos também que ainda não temos as palavras para o dizer e para o comunicar. Acreditamos que vale a pena fazer este caminho intelectual, no interior da história difícil da chamada lusofonia, que é também, queiramo-lo ou não, história comum, como escreve Eduardo Lourenço: Não está no poder de ninguém nem rasurá-la nem branqueá-la a baixo preço. O que talvez se imponha é revisitá-la em comum para descobrir, acaso também a meias, para além do que nela houve de doloroso e inexpiável, o que, apesar de tudo, emerge ainda desse processo como possibilidade e promessa de um diálogo que mutuamente nos enriqueça e nos humanize [1999, p. 119].

Só posso terminar com Paulo Freire: Evidentemente que nenhum brasileiro escapa – porque História se recu-

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sa, se briga, conta-se, se procura esquecer até, mas não se apaga. O que passou, passou e marcou. Então, o meu problema aqui não é de voltar a 1500 e acabar com a presença portuguesa colonizadora. Não é isso. Mas o facto é que eu não posso deixar de passar por isso. Então, em certo sentido, não há dúvida nenhuma que a minha gostosura em Lisboa e por causa de Lisboa tem que ver com a passagem de vocês por aqui. Não há dúvida nenhuma. O que eu quero dizer, é que eu não renego isso. Ao mesmo tempo em que eu brigo, até historicamente, contra o colonialismo – se eu fosse vivo naquele tempo eu estaria brigando contra os portugueses –, ao mesmo tempo, eu me sinto atraído. Quer dizer, o colonizado experimenta essa ambiguidade de ser e não ser [1998, p. 18].

A isto, nenhum brasileiro escapa. Nenhum português, escapa. Nenhum moçambicano, escapa. A isto, nenhum de nós escapa. E é por isso que estamos aqui, à procura das nossas histórias comuns, do lugar que elas ocuparam no passado e do sentido que podem vir a ter para nos pensarmos no mundo.

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La Historia de la Educación Argentina y la Formación Docente ediciones y demanda institucional *

Adrián Ascolani**

Preocupado em perceber a maneira como autores de manuais de ensino se apropriaram de saberes produzidos, com viés sociológico, pela academia no campo da História, e interrogando-se sobre a possibilidade desses mesmos autores constituírem novos objetos de estudo em função das demandas surgidas pelas sucessivas mudanças na formação docente na Argentina, o presente artigo analisa manuais de ensino de História da Educação, laicos e católicos, elaborados desde o início do século XX. HISTORIOGRAFIA; MANUAIS DE ENSINO; IMPRESSOS FORMAÇÃO DOCENTE.

Concerned about the way teaching manual authors misappropriated the produced knowledge with sociological sloping, by the academy in the History field, and questioning about the possibility of these same authors of constituting new study objects because of the demands emerged by the consecutive changes in the teaching formation in Argentina, the present article analyses History of Education teaching manuals, laic and catholic, elaborated since the beginning of the 20th century. HISTORIOGRAPHY; TEACHING MANUALS; PRINTINGS; TEACHING FORMATION.

*

Una versión preliminar de este artículo fue presentada bajo el título “Los libros argentinos de Historia de la Educación. Ediciones, circuitos y consumidores” en la XXII Anual Conference of the International Standing Conference for the History of Education (ISCHE), Alcalá de Henares, septiembre de 2000.

** Professor titular de História Social da Educação na Universidade Nacional General San Martín; professor adjunto de História Sociopolítica do Sistema Educativo Argentino na Universidade Nacional de Rosario; secretário executivo da Sociedade Argentina de História da Educação; editor do Boletim da Sociedade Argentina de História da Educação. Áreas de investigação: Historiografia da Educação; Educação e Desenvolvimentismo na Argentina, segunda metade do século XX.

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La Historia de la Educación tiene en Argentina un pasado múltiple, en ocasiones fragmentado, debido a los diferentes circuitos de elaboración y circulación de los saberes que la componen. Si nos atenemos a su desarrollo como disciplina, con un objeto y campo de trabajo propio, surge una periodización derivada de las continuidades y cambios en los presupuestos teórico metodológicos1. Pero si nos situamos en la perspectiva de la inserción institucional y demanda de este cuerpo de saberes, observaremos que dicha periodización no tiene una total correspondencia con la real inserción, grado de permanencia y consumo que lectores, y más específicamente alumnos de los diversos ámbitos de la formación docente, han hecho y hacen de los textos que componen este campo del conocimiento. La Historia de la Educación ha sido un cuerpo de saberes muy asociado a la formación del magisterio, y a la historia evolutiva – frecuentemente acrítica – de las instituciones, a la vez que constituyó un objeto de estudio no exclusivo de historiadores. Estos factores hicieron que parte de dicha historiografía fuera influida por un cierto pragmatismo y un reduccionismo pedagogista de fenómenos que tuvieron una incidencia social obviamente más amplia. Paralelamente, la permanencia de obras de factura más tradicional, de estilo historicista-acontecimental, modeló la transmisión de una historia de la educación excesivamente fáctica y narrativa hasta tiempos muy recientes. Con estos recaudos, analizaremos en particular el modo en que los autores de manuales de texto se apropiaron de saberes surgidos en buena medida con una intencionalidad más vinculada al ensayo sociológico o al 1

Ver Ascolani, 1999a. En esta oportunidad decíamos que “en la Historiografía educacional argentina existieron etapas de desarrollo claramente delimitadas: una etapa de pre formación iniciada en 1870; otra fundacional, en la cual predominaron las crónicas político institucionales, extendida desde 1910 a 1955; una etapa transicional, en la cual convivieron las visiones tradicionales con nuevas modalidades críticas, extendida desde 1955 a 1970; un período de revisión crítica sobre problemáticas vinculadas al Estado y la Sociedad, que se prolonga desde 1970 a 1990; y un último momento, que llega hasta el presente, de intensa producción, y en el que conviven las preocupaciones del período anterior con la ampliación del objeto de estudio a partir de temáticas referidas a las ideas y prácticas pedagógicas”.

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interés académico de los historiadores, y sí fueron capaces de constituir nuevos objetos de estudio, alentados por las demandas surgidas de los sucesivos cambios curriculares en la formación docente. Al propio tiempo, analizaremos las expectativas de las editoriales, los ámbitos de circulación y el público lector-consumidor. No nos ocuparemos en esta ocasión de la producción historiográfico educacional que no pueda ser considerada como manuales de estudio, puesto que ya hemos desarrollado sus características y evolución en oportunidades anteriores2. La historia del libro y de la lectura aún representan un camino poco transitado en Argentina, de modo que un abordaje como el que proponemos en esta ocasión posiblemente permitirá visualizar aspectos relevantes de las particularidades, incentivos y obstáculos, que han incidido en la escritura y edición de obras histórico educacionales, sobre todo teniendo en cuenta que la investigación académica ha obtenido canales estables de financiamiento estatal recién en las dos últimas décadas. También permite explicar los motivos del éxito comercial de ciertos libros de menor jerarquía científica, pero populares en las instituciones formadoras del magisterio.

Ediciones y Editoriales Dejando de lado algunas publicaciones dispersas realizadas durante el siglo XIX, las primeras obras referidas a la historia de la educación surgidas a comienzos del siglo XX eran resultado de iniciativas institucionales y de autores ligados a la conducción del sistema educativo, de modo que su aparición y circulación estuvo restringida a circuitos oficiales, y a ámbitos culturales públicos. El mercado editorial estaba aún en vías de conformación, y las grandes editoriales fueron en realidad sólo imprentas hasta la década de 1920, cuando comenzaron a surgir emprendimientos editoriales, que combinaban los objetivos comerciales 2

Ascolani, 1999a. Ver también Ascolani, 1999b, “Historiadores e historia educacional argentina: una mirada histórica de su estado actual”, en Sarmiento, Anuario Galego de Historia da Educación, n. 2, Universidade de Vigo, 1998.

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con una voluntad educadora3. Con intención de llegar a un público amplio las ediciones económicas de autores internacionalmente célebres y de ensayistas argentinos fueron cubriendo las diversas preocupaciones intelectuales de la época. El pensamiento social, político e histórico ocupó el mayor espacio de estos nuevos circuitos culturales; los ensayos educacionales no lograban aún el mismo predicamento aunque algunos autores vinculados al ensayo histórico-educacional y político educacional – como Juan María Gutiérrez, Amancio Alcorta y Carlos Octavio Bunge4 – no dejaban de estar presentes en voluminosas colecciones que lograron una difusión respetable, arraigándose como parte de la tradición intelectual argentina. Durante los años de 1920 la edición de obras referidas a Historia de la Educación fue relevante en comparación con el período anterior, aunque su circulación parece haber estado demasiado ligada al ambiente universitario y a círculos limitados del profesorado secundario y normal. Esto suponía una limitación en la demanda espontánea del público lector y se correspondía con la también escasa demanda institucional de dichas obras con destino a la formación del magisterio y profesorado. En los ámbitos de la Historia académica, la historia de la educación, era desarrollada como parte de la historia de las instituciones y de la cultura nacional, encontrando lugar de inserción en sus publicaciones institucionales. No obstante, la educación y su historia convocaban a intelectuales de diversa formación que desenvolvían su carrera profesional dentro del sistema educativo. La presentación de sesenta ensayos e historias al Concurso sobre Historia de la Educación Argentina realizado en 1934, muchas de ellas con verdadero valor historiográfico5, comprueba que el mercado editorial y los espacios de publicación académico-educacionales no eran suficientes para asimilar la oferta de trabajos inéditos. La publicación de diez trabajos premiados en este concurso sucesivamente en la segunda mitad de esa década, por cuenta del Consejo Nacional de 3

Cf. Romero, 1990.

4

Fue la colección La Cultura Argentina la que incorporó las obras de estos autores en sus ediciones de la década de 1920.

5

Salvadores, 1941; Garretón, 1939; Chaneton, 1936.

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Educación – entidad convocante de dicho concurso – revela la necesidad de financiamiento fiscal para difundir obras a las cuales le sobraba mérito intelectual pero carecían de un mercado ávido de ellas. Incluso los manuales generales de Historia de Educación – es decir aquellos con pretenciones de univesalidad –, con potencial destino en la formación del profesorado Normal, no encontraron un interés manifiesto por parte de las editoriales argentinas, persistiendo el uso de manuales impresos en españa. Esta estrechez del mercado editorial cambiaría una década después, cuando repentinamente se multiplicó la demanda institucional de obras de Historia de la educación, general y argentina, y de Política educacional, al modificarse los planes de estudio del profesorado normal y del magisterio. Esto ocurría al propio tiempo que las editoriales asumían un rol definidamente empresarial, de modo que la demanda de libros fue acompañada con el crecimiento o aparición de editoriales que se inclinaron al pujante mercado de manuales de texto. Algunas de estas editoriales se especializaron en temas pedagógicos, como El Ateneo, Losada, Paidós, Atlántida, y otras menores como Itinerarium y luego Huemul, adoptando obras de docentes del profesorado universitario o normal, las cuales resultaron éxitos comerciales debido al repentino surgimiento de un mercado cautivo debido a la demanda de los estudiantes del magisterio. Con menos diferencias conceptuales que ideológicas, las obras escogidas por estas editoriales, se perpetuaron durante más de tres décadas como oferta única para la formación del magisterio, superando incluso coyunturas políticas diametralmente diferentes que tenían una incidencia directa sobre el sistema educativo. La política interna de estas empresas editoriales fue la reedición indefinida y la no innovación, una estrategia que parece haber sido compartida por la mayor parte de los formadores del magisterio que hallaban en estas obras un material lo suficientemente aséptico como para reinterpretar a gusto sus contenidos, o bien para tomarlas textualmente evitando todo juicio que pudiera resultar políticamente comprometido. En la década de 1960 proliferaron las obras vinculadas a temáticas histórico-educacionales, la mayor parte de ellas con preocupaciones histórico-políticas, encontrando ambiente propicio en las instituciones académicas para su edición, entre las cuales la Editorial de la Universidad

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de Buenos Aires merece mención particular por la cantidad y calidad de sus títulos. La oferta oficial de obras renovadoras se combinó con la aparición de micro experiencias editoriales, generadas por los propios autores, cuya principal debilidad fue la imposibilidad de lograr una sólida distribución nacional. Esta creciente oferta convergía con una creciente demanda resultante del proceso de politización e intelectualización del estudiantado universitario y de los profesorados, principalmente en los centros urbanos de mayor importancia. Este dinamismo del mercado editorial fue capaz de sortear las restricciones impuestas por los gobiernos militares que se sucedieron desde 1966 a 1972, y por el gobierno peronista desde 1974, pero sufrió un colapso fatal en el período 1976-1982, debido a las políticas de censura aplicadas por los gobiernos militares de esos años. La crisis de gobernabilidad de 1982 y el proceso de redemocratización iniciado en 1984 revirtieron rápidamente este proceso, surgiendo un público lector en expansión cuantitativa interesado en la historia política de la educación y en los aspectos pedagógicos asociados a la misma. La demanda de obras críticas fue cubierta con la reedición de obras anteriores a 1976 y con trabajos nuevos elaborados por una nueva generación de historiadores de la educación. Nuevamente la estrategia de libros baratos, esta vez para un público verdaderamente masivo, era puesta en marcha principalmente por Centro Editor de América Latina, una editorial pequeña, pero con una distribución tan amplia que aprovechaba incluso los canales de venta propios de las publicaciones periodísticas. Este mercado ampliado y la actualización de demandas académicas dieron lugar al surgimiento de colecciones y de nuevas editoriales especializadas en temas educativos orientados a la formación de Pedagogos y del profesorado universitario y terciario, favoreció especialmente el desarrollo de una historia crítica de las ideas e instituciones educativas, cuyo desarrollo corresponde sobre todo a la década de 1990.

La Demanda Institucional La demanda institucional de libros de historia de la educación tuvo

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limitaciones de diverso tipo: cuantitativamente fue escasa la demanda de obras para la formación superior y universitaria, por el reducido peso numérico del potencial público lector – cuanto menos hasta la década de 1960 –; en la gran masa de maestros la historia de la educación no fue materia de estudio permanente, y en algunas provincias lo fue sólo coyunturalmente; esta formación docente no promovía incentivos para la formación de intelectuales que pudieran operar como productores de conocimientos en el terreno específico de la asignatura en cuestión – limitación esta que puede extenderse incluso a las carreras universitarias de Pedagogía. Sin pretenciones de exhaustividad, delinearemos seguidamente los trazos más gruesos de la incorporación de la Historia de la educación argentina, como contenido y materia de estudio, en las diversas instituciones educacionales. En la formación de los maestros normales nacionales la Historia de la Educación no tuvo presencia como contenido de la enseñanza hasta 1946, momento en que se implementó la reforma de planes de estudios de 19426. El motivo de tal exclusión tenía que ver con el sesgo pragmático, didactista, impreso a los contenidos pedagógicos hasta esa fecha. En el nuevo Plan, los contenidos referidos a historia de la educación y a “política y organización de la educación” se desarrollaban en una única materia, a la que se dio la misma relevancia que a asignaturas como Pedagogía y Didáctica General – según lo que se desprende de la carga horaria asignada. Incluso en las posteriores reformas de planes, de 1948 y 1949, este bloque temático pasó a tener el doble de la carga horaria – sólo hasta 1951, desprendiéndose como área autónoma la “Historia de la Educación”, comprendiendo dos asignaturas, una que abarcaba hasta el siglo XVIII y la otra hasta el siglo XX. Como señala S. Gvirtz (1991, pp. 58-62), estos programas de Historia de la Educación general dedicaban sólo entre una y tres unidades a la historia de la educación argentina, de modo que los contenidos allí desarrollados eran apenas más extensos que los que se incluían en la asignatura “Política y Organización”. 6

El nuevo plan era consecuencia de la incorporación de las Escuelas Normales a la enseñanza media, lo cual suponía un ciclo básico común con el Bachillerato, de tres años.

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En 1956 entró en vigencia un nuevo Plan de estudios para la Enseñanza Normal Nacional que estableció el dictado de Historia General de la Educación en primer año y Política Educacional en segundo año del Ciclo del Magisterio. Su vigencia se prolongaría durante dos decenios, hasta ser reemplazadas por una materia única llamada Historia de la Educación y Política de la Educación Argentina. Las escuelas normales de jurisdicción provincial tuvieron sus propios planes de estudio; por ejemplo en la provincia de Santa Fe la asignatura Historia de la Educación fue suprimida definitivamente en 1956, manteniéndose su ausencia luego de convertirse la enseñanza normal en profesorado de nivel terciario a mediados de la década de 1960. El subsistema privado parece haber mantenido en mayor grado la Historia de la Educación como asignatura en las últimas décadas, incluso en el nivel medio, como es el caso de los bachilleratos con orientación pedagógica. En las Escuelas Normales de Profesores, es decir aquellas escuelas que preparaban para funciones directivas, ya el Plan de Estudios de 1903 incluía la asignatura “Historia de la Educación” entre las específicamente pedagógicas. Este plan tuvo vigencia hasta 1953, momento en el cual el Profesorado Normal pasó a formar parte del Profesorado de enseñanza secundaria – no obstante ya en 1951 Historia de la Educación fue suprimida, al tiempo que se incluía la materia “Formación y caracteres de la cultura argentina”. La formación del profesorado secundario, en sus distintas especialidades, se desarrolló, desde 1904, en el Instituto Nacional del Profesorado Secundario – con sede en Buenos Aires, Paraná y Catamarca –, dictándose en él tres materias pedagógicas: Historia de la Educación, Pedagogía General y Metodología y Práctica de la Enseñanza. Las universidades también formaron profesores cuyo destino era la enseñanza secundaria. La Universidad Nacional de La Plata7, fue escenario de una de las primeras experiencias en este ámbito de formación del profesorado. La formación docente estaba a cargo de la Sección Pedagógica, dirigida por Víctor Mercante. Su primer Plan de estudios revela un predominio de la psicología y metodología en los dos primeros años, pero 7

Creada en 1906 sobre la base de la Universidad Provincial del mismo nombre, e inspirada en un modelo académico netamente positivista.

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también un lugar significativo a saberes vinculados con la historia de la educación en los cursos posteriores: en Tercer Año se dictaba Historia y Ciencia de la Educación, Metodología, Psicología Anormal; y en Cuarto Año, Metodología Especial y Legislación Escolar, Argentina y comparada. Según R. Dabat, estas materias histórico-pedagógicas se establecieron tomando como modelo los planes de estudio de las Universidades de Wisconsin, Harvard, Illinois y Cornell, aunque con una voluntad menos teórica y más ligada a una línea psicológica-histórica-políticosocial que sin embargo no se concretaría plenamente puesto que la Sección Pedagógica se destacó especialmente en los estudios de psicopedagogía experimental y metodología8. En la Universidad de Buenos Aires, desde 1905 a 1918 la materia Ciencias de la Educación fue también dictada con una modalidad históriográfica por Carlos O. Bunge, quien implementó como manual de texto las sucesivas versiones de su libro La educación (1920), que intentaba combinar las metodologías de la Historia, Sociología y Psicología. Carecemos de datos sobre la presencia de la asignatura Historia de la Educación en los profesorados de otras universidades nacionales hasta 1956. Ese año, ni en Buenos Aires, Tucumán ó Cuyo se dictaba esta materia u otra equivalente. De los datos recabados en la Universidad Nacional de Rosario se desprende que en esta institución se dictó Política Educacional Argentina durante la década de 1960, su equivalente Instituciones Educativas Argentinas en el decenio 1970-80, Socio Política Educacional durante 1980-85, e Historia Social de la Educación hasta 1999. Podemos conjeturar que en las otras universidades nacionales se dio similar desarrollo curricular. En lo que respecta a los Profesorados en Ciencias de la Educación, de nivel universitario, ya puede visualizarse la asignatura Historia de la Educación Argentina y Latinoamericana, cuanto menos, desde la década de 1960, al propio tiempo que se dictaban como materias afines Historia de la Educación general, Política Educacional y Sociología de la Educación. 8

La Facultad de Ciencias de la Educación se creó en 1914. El grupo docente que acompañaba a Mercante era el de profesores que se habían desempeñado en la Escuela Normal de Paraná.

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Los Manuales de Texto La obra La Educación, de Carlos Octavio Bunge, fue el primer libro de historia de la educación elaborado en Argentina con la intención premeditada de cumplir la función de manual de estudio para el nivel universitario, puesto que su autor era, por entonces, titular de la cátedra de “Ciencias de la Educación” en la Facultad de Filosofía de la Universidad de Buenos Aires – desde 1905 hasta su prematura muerte en 19189. Progresivamente, Bunge fue transformando el programa de la materia – elaborado por su antecesor, el prestigioso profesor Francisco Berra – hasta convertirla en una Historia general de la educación, que incluía contenidos referidos a la evolución de las instituciones educacionales argentinas. Esta obra, cuyo análisis merece un espacio mayor al que aquí podemos asignar, es la muestra más cabal de una Historia de la Educación construida desde el pensamiento positivista. Con una erudición desplegada sutilmente, Bunge consigue elaborar un relato muy cercano al estilo historiográfico que hoy designaríamos como historia de las mentalidades, en el cual se contextualizan y logran explicación las expresiones educativas escolarizadas. Dice el autor: Limítanse casi todas las llamadas “historias de la pedagogía” a un estudio cronológico de los grandes autores, al que se añaden descripciones de ciertos institutos célebres. Sin embargo, en un estudio sintético de la historia de la educación, los grandes autores no son más que expresiones de su ambiente y de su tiempo, y expresiones más o menos exactas … ¿No sería más completo ir al fondo y estudiar en sí los rasgos culminantes del espíritu de esos ambientes y esas épocas? Al fin y al cabo, los autores no son más que síntomas, si bien a veces de los más elocuentes [Bunge, 1920, p. 37].

En contraposición a la modalidad habitual de estas historias de la pedagogía, Bunge adscribe al método que llama “psicosociológico” cuya 9

Si bien la primera edición del libro La Educación fue de 1901, hubo sucesivas actualizaciones de esta obra.

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intencionalidad final era establecer las “ideas madres” que determinaron el desarrollo institucional de las diferentes sociedades estudiadas. Estas “ideas madres” son identificables con el “espíritu” – de carácter inmanente – que ha sobredeterminado el pensamiento de los diferentes colectivos sociales en los distintos momentos históricos, como por ejemplo el “naturalismo” en el caso de los pueblos greco latinos. Estos conceptos articuladores debían ser establecidos en base a un trabajo empírico-comparativo intenso a fin de lograr una descripción fundamentada de los “sistemas prácticos” – es decir, las instituciones educativas. En este sentido, el estudio de las ideas individuales de pedagogos sería apenas una vía de acceso a este nivel institucional más complejo. Los presupuestos de Bunge son cumplidos parcialmente por él mismo, resultando especialmente el tratamiento de la educación en la Edad Antigua, pero al tratar el período moderno y contemporáneo no logra un resultado demasiado diferente de las historias de las ideas pedagogicas de las cuales quiere tomar distancia. Más llamativo es lo que ocurre cuando le toca desarrollar las particularidades argentinas de la historia de la educación, puesto que se advierte una mirada menos cáustica que en los capítulos anteriores en relación al rol de la Iglesia Católica – particularmente de los Jesuitas – con respecto a la educación de indígenas, y a la vez una mayor cuota de racismo en sus apreciaciones acerca del indígena – el “salvaje” – y del mestizo – carente de la disciplina, en tanto capital cultural. Los desarrollos sobre Argentina son proporcionalmente breves, y se vuelven fácticos, probablemente por estar excesivamente inspirados en las escasas obras historiográficas por entonces existentes, principalmente las de Garro y Alcorta. En líneas generales, y dejando de lado el caso especial de Bunge, la producción de manuales sobre temáticas referidas a Historia de la Educación argentina inicialmente tuvo la función de cubrir las demandas de la asignatura “Política y organización escolar”, es decir referida a la evolución de la legislación escolar. Uno de los primeros libros escritos con la exclusiva finalidad de ser un manual de texto fue el de Horacio Rivarola, titulado Legislación escolar y ciencia de la educación, aparecido en 1921 y reeditado en 1936 y 1944, cuyo destino era la formación del profesorado normal y universitario, y finalmente en 1961, actualizado

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y en coautoría con Delia Danani, pero adaptado para quinto año de las escuelas normales10. Rivarola tenía una manifiesta orientación histórica, puesto que consideraba que el análisis de las instituciones educacionales lograba su status como “ciencia de la educación” cuando era capaz de explicar la organización escolar en tanto “resultado de las necesidades del momento, de problemas múltiples planteados al gobierno y a la sociedad”(Rivarola & Danani, 1961, p. 2)11. Esta historicidad no tenía que ver con la historia tradicional acontecimental, por lo menos en su intencionalidad, puesto que Rivarola planteaba la necesidad de un objeto de estudio constituido en la confluencia de las ciencias filosóficas, sociales y biológicas (idem, p. 5). Para Rivarola la “organización” escolar se compone de tres partes esenciales, aunque no únicas: el ordenamiento jurídico, el administrativo y el técnico pedagógico. Sin embargo, al momento de desarrollar la “evolución de la política educacional”, no pudo distanciarse de la habitual concepción historiográfica que suponía una sucesión acendente y acumulativa de instituciones educacionales, sólo interrumpida coyunturalmente por el despótico gobierno de Rosas – y en las ediciones más recientes del libro, también por el gobierno de Perón. En la sucinta historia trazada por este autor no hay verdaderos elementos explicativos, sólo sirve para trazar una línea de tiempo. Igualmente descriptivas, aunque menos orientadas a un desarrollo temporal lineal, son las partes siguientes del libro, que están ordenadas según niveles y modalidades del sistema educativo, con énfasis casi absoluto en los aspectos jurídico-institucionales, desde una mirada gereralmente muy identificada con la tradición ilustrada-sarmientina. Más analítico resulta el tratamiento de las políticas y legislación escolar posteriores a la Constitución de 1853, en torno a dos cuestiones problemáticas: la relación entre Nación y Provincias, funda10 Horacio Rivarola era doctor en Jurisprudencia y en Filosofía y Letras. Fue profesor y Rector de la Universidad Nacional de Buenos Aires, Subsecretario de Justicia e Instrucción Pública y Presidente de la Academia Nacional de Ciencias de Buenos Aires. 11

Esta última versión del libro de Rivarola incorpora contenidos incluso de la década de 1950, aunque con un grado menor de articulación, debido a la relativa participación de Rivarola en la actualización de la obra.

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mentalmente en lo que respecta al financiamiento de la educación; y la complementariedad entre educación pública y privada. Las características de esta obra, que desde el presente sin dudas sería juzgada como metodológicamente limitada, no impidieron que el resultado final fuera un compendio erudito y de mirada inteligente, y que, además de haber sido inspiración para todos los autores posteriores de la asignatura Política Educacional, probablemente lo haya sido para los historiadores de la educación, puesto que representaba un avance sobre la historia reciente de dicho momento. Al tomar mayor relevancia los contenidos referidos a historia de las instituciones educacionales como parte de la formación del magisterio, hacia fines de los años de 1940 y en la década siguiente, surgieron otros textos con el estilo ya trazado por H. Rivarola, y que además era el adoptado por los programas oficiales de la asignatura. Los manuales de Manuel Solari, Juan Carlos Zuretti-Enrique Muñiz y Ethel ManganielloVioleta Bregazzi fueron los principales exponentes de esta tendencia. El libro de Manganiello y Bregazzi (1959) era el más sólido, erudito y fiel representante del tratamiento historizante de la Política Educacional inaugurado por Rivarola. Era el que revelaba mayor conocimiento de la producción historiográfico educacional de las décadas anteriores y también el que más se identificaba con la ortodoxia ideológica y metodológica – liberal y acontecimental – de dicha historiografía. El texto de M. Solari (1964) probablemente fue el que más buscaba ajustarse a la medida del lector. Simplificaba los procesos históricos, los despojaba – en la mayoría de los casos – de fechas y cronologías, y los traducía en imágenes globales donde se describía y evaluaba determinada gestión política o institucional. Es decir que el texto mismo se encargaba de hacer el ejercicio de abstracción y síntesis que en los manuales y ensayos previos se dejaba a cargo del lector. La funcionalidad de esta estrategia fue un motivo importante para la difusión y permanencia de este libro. La descripción de las leyes educacionales vigentes, poco explicativa pero más amena que la lectura directa del texto legal, comparte la misma intencionalidad. Por su parte, J. C. Zuretti12 , fue uno de los autores de manuales sobre 12 Juan Carlos Zuretti era Profesor de enseñanza secundaria en Historia, Filosofía y

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temas de historia de la educación más difundidos durante el peronismo, y también luego de 1955. Su texto de Historia de la Educación es aún, después de cincuenta años de aparecida, uno de los libros generales que siguen circulando en el mercado editorial13. Zuretti era un autor casi exclusivo de la editorial Itinerarium, pues allí publicó sucesivamente manuales de esta temática y también de Historia de la Cultura, de Educación Democrática, de Filosofía, de Psicología, y de Pedagogía. Junto al historiador Dr. Enrique Muñiz elaboró, luego de depuesto el gobierno peronista, uno de los manuales de Política Educacional más populares en la formación del magisterio (Zuretti & Muñiz, 1961). En él se presenta un panorama de historia de la educación argentina muy convencional, en el sentido que es una síntesis de la historiografía liberal de la década de 1930, excepto por su consideración adversa a Rivadavia por lo extranjerizante14. Su panorama de historia llega hasta la sanción de la Ley 1420, y consiste en presentar aspectos de las diferentes épocas sin hacer un desarrollo exhaustivo de las mismas; el período posterior está tratado de similar modo pero con mayor fragmentación debido a la voluntad de responder a las exigencias de los programas oficiales. El libro de Zuretti está despojado de todo juicio crítico, y de las exteriorizaciones nacionalistas que su autor hizo en obras de la época peronista. Es descriptivo y actualizado. No omite las realizaciones institucionales del gobierno justicialista y desarrolla aspectos de la educación privada. Es un libro equilibrado, con menor vuelo filosófico que el de Rivarola – al cual remite en repetidas oportunidades – pero más actualizado con respecto al desarrollo institucional más reciente, y con más precisiones que el libro de Solari. Lograba un punto intermedio en cuanto a conocimientos a transmitir y sostenía, pragmáticamente, un discurso ascético que daba al docente libertad de interpretación.

Pedagogía, egresado de la Facultad de Filosofía y Letras de Buenos Aires. Fue profesor de esta institución y del Instituto del Profesorado Secundario de la Capital y en el Instituto del Profesorado del Consejo Superior de Educación Católica. 13

Paradójicamente, es uno de los pocos libros de Historia de la Educación argentina localizables por medio de Internet.

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Esta idea se basa en la interpretación de Antonino Salvadores.

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La formación docente en instituciones católicas tuvo su propia versión sintética de la historia de la educación, a través de la sección respectiva en los manuales de Política Educacional, los cuales recogían como lineamientos históricos los planteados años antes en los manuales de Religión y Moral. La Materia Religión y Moral, instaurada en 1943 por la Revolución Militar filofascista que usurpó el gobierno de la Nación, y legalizada por el Gobierno Justicialista – hasta su supresión definitiva en 1954 – fue otro espacio para el dictado de contenidos relativos a la historia de la Educación. En quinto año de las Escuelas Normales esta asignatura se desarrollaba siguiendo un programa oficial del cual tres de sus diez unidades se referían al pasado educativo de América, y particularmente de Argentina. Las otras unidades, estaban relacionadas con la función evangelizadora y la estructura institucional de la Iglesia Católica, aunque adornadas con expresiones familiares a la tradición normalista argentina, tales como Iglesia “docente” ó “magisterio” de la Iglesia, término que remplazaba oportunamente a la palabra “evangelización”. Analizaremos la bibliografía de Moral y Religión a partir del libro El Magisterio de la Iglesia y la Escuela Argentina escrito por Calixto Schiganiol (1948) e impreso por la editorial salesiana Apis15. Este autor consideraba que cinco décadas de laicismo instauradas arbitrariamente desde el Estado por políticos “intrigantes” – entre ellos nada menos que Sarmiento, Roca y su ministro Wilde – habían desfigurado la “verdadera argentinidad”, expresada en la mentalidad popular y reflejada en los sucesivos textos constitucionales ensayados en el país. El único medio para recuperar esta esencia tradicional serían, para Schiganiol, la educación religiosa, que tenía un pasado colonial y post revolucionario intenso, fruto de la obra “privada” de la Iglesia Católica. Esta idea era muy atendible, aunque resulta fuera de toda lógica su afirmación de que durante los siglos XVII y XVIII el analfabetismo era “casi nulo” en el Río de la Plata, y también excesivo el planteo de que Mayo no significó una alteración para la enseñanza religiosa (idem, p. 92). Los referentes de Schiganiol eran principalmente el historiador católico Furlong y algunos 15

El libro había tenido su aprobación para publicación en octubre de 1943.

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ensayistas católicos nacionalistas como Gustavo Franceschi, ambos miembros de la institución eclesiástica. La instalación de la enseñanza católica como contenido de enseñanza en todas las escuelas del país naturalmente era interpretado como un rasgo saludable y como motivo de alianza con el gobierno justicialista. A diferencia de la gran mayoría de los manuales anteriores y posteriores, aparece una definición política clara identificando la Constitución Justicialista de 1949 con la doctrina de Jesucristo” (idem, p. 95). La Constitución de 1949 “es mas cristiana que las anteriores por su contenido social”. Los derechos sociales y la función social de la propiedad y la riqueza son de “evidente inspiración evangélica: oficializan principios que la Iglesia Católica enseña y practica, desde su fundación, por mandato divino. El Justicialismo […] como doctrina social y programa de vida fue enunciado e impuesto enérgicamente por Jesucristo” [ibidem].

La supresión definitiva de la materia Religión y Moral en 1954 no implicó, sin embargo, una efectiva desaparición de todos sus contenidos curriculares, puesto que una parte importante de ellos fueron incorporados por los autores clericales en sus manuales de Política Educacional. Tomaremos para el análisis de esta el libro Política Educativa, escrito a mediados de la década de 1960 por el sacerdote Alberto García Vieyra, doctor en teología y profesor en la Universidad de Buenos Aires y en el Instituto del Profesorado del Consejo Superior de Educación Católica, y destinado a la formación de pedagogos y profesores universitarios. En la primera sección del libro el autor desarrolla su visión filosófica del rol de la política educativa, cuyos elementos sustanciales son la desconfianza al pluralismo ideológico; la propuesta de “una Pedagogía de la gracia divina, de la Redención, de Cristo” (García Vieyra, 1967, p. 12), para elevar la “naturaleza caída” del niño; y el derecho de los educandos a recibir formación espiritural. Opuesto al estilo historiográfico con que se desarrollaban los contenidos de política educacional en la formación universitaria proponía una abordaje teológico, tomista, de los mismos: El historicismo pedagógico en la enseñanza universitaria es un defecto

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muy actual, porque el profesor comienza por ignorar el objeto formal de la ciencia que se ha comprometido a enseñar. Entonces la clase no es una mostración del objeto formal, ni algún aspecto del mismo, sino una aglomeración de nombres, fechas, opiniones que se entrecruzan sin nada probar… [idem, p. 300].

Consecuentemente, los desarrollos sobre la política educativa argentina contenidos en la segunda sección del libro no fueron desarrollados por el autor como sucesiones cronológicas de hechos institucionales, pero tampoco como procesos explicativos. Las referencias históricas son convertidas en asuntos sobre los cuales se expide con juicios de valor acordes a postulados clericales conservadores tales como: 1. Los jardines de infantes – cuyas referencias llegan apenas a 1900 – son producto del orden capitalista liberal, reemplazan mal a la madre, atentan contra la familia, y estuvieron entregados a educadores extranjeros no católicos; 2. La Ley 1420, de Educación Común, fue un “triunfo de la masonería” – representada por Sarmiento, Roca, Leguizamón –, una “traición a la conciencia del país”, que nada entiende de educación moral (idem, p. 224); 3. En forma inversa, valora la implantación de la enseñanza religiosa, en 1943 – convertida en Ley en 1947 – por cuanto la entiende como una “devolución” de un derecho de la Sociedad por parte del Estado (idem, p. 169); 4. Los programas aplicados desde 1956, inspirados en las teorías pagmáticas de Dewey, Kilpatrick y Bode, generan un individualismo egoísta, orientan a la búsqueda de placeres sensuales y convierten a la experiencia en un valor absoluto; 5. La enseñanza media tiene deficiencias de origen tales como el naturalismo de la Escuela Normal, y el enciclopedismo del Bachillerato – derivado del ilumnismo –, a la vez que rescataba la Ley 934 – que permitió el reconocimiento de títulos expedidos por colegios privados “incorporados” – y el subsistema técnico – particularmente la CENAOP – creado durante el gobierno justicialista;

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6. Con respecto a la Universidad, señala su deterioro desde fines del siglo XVIII debido al avance del racionalismo, del liberalismo y del positivismo, y justifica el desentendimiento por parte del gobernador J. M. Rosas bajo argumentos de nacionalismo político. En suma, García Vieyra llevaba al ámbito de la historia de la política educacional los planteos ideológicos del nacionalismo católico de los años de 1930, algunos de cuyos principales exponentes – Leonardo Castellani, Gustavo Franceschi, Rómulo Amadeo – eran los referentes ideológicos de este libro, como también lo era, en cuanto a historia de la educación, Juan Carlos Zuretti. Estos planteos, además de vetustos, eran aparentemente obsoletos, no obstante, al año siguiente de ser escrita esta obra, el golpe militar liderado por Onganía convertía buena parte de estos puntos de vista en bases para sus proyectos de Ley de Educación. Para finalizar veremos el lugar que ocupaba la Historia de la Educación Argentina en los programas de la materia Historia de la Educación, en las Escuelas Normales de Maestros. Los manuales que más se difundieron durante el gobierno Justicialista, respondiendo a los cambios de planes de 1948, fueron escritos por los mismos autores que ya hemos analizado: Manuel Solari, J. C. Zuretti, y E. Manganiello-V. Bregazzi. El primero escribió dos trabajos, uno de menor extensión incluido en la Historia de la Educación de Ernesto Codignola (1947), y otro con características de compendio que abarcaba desde la conquista hasta la década de 1920 (Solari, 1949). El ejercicio historiográfico de Solari se limitaba a resumir la bibliografía existente y probablemente su aporte más original era trazar un panorama de las ideas pedagógicas del siglo XX a partir del desarrollo del pensamiento de los educadores más relevantes, en el cual, olvidando su habitual postura distante, se muestra crítico tanto del positivismo pedagógico como de la Escuela Activa. La misma crítica se advierte en otro de los autores mencionados, J. C. Zuretti, en su manual de Historia de la Educación general (1961), quien además, sin demasiado fundamento, recobra el pensamiento decimonónico de Manuel Estrada como principal exponente del antipositivismo pedagógico. Nacionalista y clerical, Zuretti, se expide contra los diputados liberales que promulgaron la Ley 1420 –

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supuestamente sin consenso popular en lo referente a su carácter laico –, y a favor de la instauración de la enseñanza religiosa realizada por el gobierno de facto de 1943 y por la presidencia de Juan Domingo Perón. Con respecto a éste, es sugerente observar que al tratar las “orientaciones actuales” de la historia de la educación se refiera con total identificación a la políticas social católicas justicialistas, entre las cuales incluye la política educacional (idem, pp. 216-221). En el caso de Etel Manganiello y Violeta Bregazzi, su propuesta es diferente. También último capítulo de un manual general (1970), el referido a la Educación en Argentina se dedica exclusivamente a las ideas educacionales de los pedagogos y políticos más destacados, hasta la década de 1930. En este terreno, si bien su visión no es de identificación con el positivismo pedagógico, trata con prudente respeto a los principales exponentes de dicha línea de pensamiento, y al hablar del antipositivismo lo vincula a la irrupción de la Escuela Activa y la Escuela Nueva como tendencias renovadoras. Estos manuales, como dijimos, se mantuvieron como propuesta editorial durante varias décadas, sin representar variantes significativas ni el manual de Historia de la Educación argentina publicado por Manganiello en 1980, ni el escrito también en esa época por S. Perazzo, N. Kuc y T. Jové (1986), que era una versión menos lograda e inconclusa de los textos de Solari – quien había además prologado discretamente esta obra. La versión católica de la historia de la educación argentina llegó finalmente a los manuales específicos de Historia de la educación, con la obra de Fernando Martínez Paz, también en la década de 1980. Dirigida a la formación universitaria, y sujeta a las dificultades de circulación de las ediciones universitarias, no tuvo la difusión que habían logrado los manuales a que hicimos referencia. La principal hipótesis que recorre el texto es que la crisis del sistema educativo comienza en 1916 al fracasar la Reforma Saavedra Lamas, no obstante reconoce como momentos positivos del siglo XX aquellos donde se favorece la ampliación de la función de la enseñanza privada y aquellos donde se produce un avance de la religión, tanto como materia de enseñanza – 1943-1954 –, o como fundamento de las políticas educacionales – 1966-1972. Metodológicamente hablando, se trata de una historia de la normativa y las instituciones, pero

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donde la dinámica temporal y el conflicto están ausentes, de tal modo que los movimientos sociales que reconoce – laicismo, socialismo tradicional, catolicismo – se desenvuelven y relacionan casi exclusivamente en el terrero de ideas presentadas estáticamente.

Conclusiones La Historia de la Educación surgió en Argentina, fundamentalmente en la primera década del siglo XX, ligada a circuitos intelectuales vinculados a la conducción educativa y se desarrolló en el ámbito académico universitario hasta mediados de siglo. Esto derivó en una producción escrita de corte ensayístico o historiográfico dirigida a un público no masivo, lo cual implicó una evidente limitación en el aspecto editorial. En lo relativo a este tipo de obras, estas características recién se modificaron durante la década de 1960 como consecuencia de la ampliación del mercado consumidor, debido a la intelectualización y politización creciente de los lectores. Los manuales de texto, en cambio, tuvieron una aparición repentina y un desarrollo masivo asociado a la demanda de las instituciones formadoras del magisterio, especialmente intensa hacia fines de los años de 1940 y principios de los de 1950. Ese mercado cautivo, sin embargo, no produjo una variedad ni competencia significativa a nivel de obras y autores, por cuanto las editoriales prefirieron reeditar durante décadas aquellas obras que ganaron, desde un comienzo, la aprobación del profesorado. De tal modo, la producción historiográfica de mayor calidad no ingresó, sino indirectamente y a través de estos manuales, al ámbito de la formación del magisterio – y presumiblemente también al del profesorado secundario. Por su parte estos manuales no representaron aportes a lo ya conocido, en los años de 1930, en materia histórico-educacional, excepto por sus sucintos y biográficos desarrollos acerca de la pedagogía argentina a comienzos del siglo XX. Este ejercicio de divulgación sin embargo no implicó una mediación del manual como vínculo entre el lector y la obra erudita de la cual se extraía la información, baste para ello tener en cuenta que algunos de estos libros prescindieron totalmente de las notas y

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referencias bibliográficas. Estas debilidades contrastan con el desarrollo más erudito que los mismos autores hicieron de los contenidos sobre historia general de la educación, como es el caso principalmente de Manganiello-Bregazzi, cuya obra sigue pareciendo meritoria aún en la actualidad. Es interesante resaltar también el hecho de que la Historia de la Educación Argentina tuvo un desarrollo más vale reciente como materia de estudio del magisterio, puesto que primero apareció incluida, con grandes fragmentaciones, en la asignatura Política Educacional, y luego, resumida al máximo, como una parte muy menor de la Historia de la Educación universal. Esto además implicaba otros reduccionismos: en el caso de la política educacional, un enfoque institucionalista no crítico; y en el de la Historia general una mirada pedagógico-filosófico que limitaba su objeto a la historia de las ideas, despojadas de su devenir y su contexto. El aporte, en cambio, era que se ocupaba de una historia reciente por entonces no reconocida como terreno de los historiadores. La visión católica de la Historia de la Educación Argentina fue siempre más militante y ligada a la política eclesiástica por ocupar espacios educativos. Tuvo sus propias editoriales y circuitos de difusión ideológica, incluso a pesar de sostener una manifiesta posición contraria al espíritu de las leyes educativas vigentes.

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Resenhas A Escola Elementar no Século XIX. O Método Monitorial/Mútuo autores

cidade editora ano

Maria Helena Camara Bastos e Luciano Mendes de Faria Filho (orgs.) Passo Fundo Ediupf 1999

O método monitorial/mútuo necessitava, há muito, de reflexão baseada em pesquisa. A presente publicação reúne artigos que, além de expor idéias e práticas pedagógicas do século XIX mediante a implantação deste método em diferentes países como França, Portugal, Argentina e Brasil, ainda caracteriza aquele método em seus aspectos estruturais, físicos e pedagógicos. Escrito por autores brasileiros e estrangeiros, apresenta sob a forma de coletânea várias possibilidades de leitura e suscita uma multiplicidade de novas investigações. Na apresentação, assinada pelos organizadores Maria Helena Camara Bastos e Luciano Mendes de Faria Filho, são explicitados os pressupostos que norteiam a publicação, a do aprofundamento do conhecimento da realidade educacional brasileira quando da implantação do método monitorial/mútuo no município da Corte e nas províncias e da ampliação dos estudos comparados sob a perspectiva da história dos sistemas educativos. “A pedagogia nas escolas mútuas do século XIX”, tema abordado por Pierre Lesage, descreve de maneira bastante minuciosa o método monitorial/mútuo. Os métodos individual e simultâneo são apresentados como precursores do método mútuo, criado na Inglaterra, em fins do século XVIII, pelo Dr. André Bell, ministro da Igreja anglicana, e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers e difundido na França por Jomard, de Gérando, de Lasteyrie e de Laborde, tendo como postulados a divisão da escola em oito graus hierarquizados conforme as disciplinas e o nível de conhecimento dos alunos, além da divisão de responsabilidade entre professor e alunos, que assumem a função de monitores, tornando-se verdadeiros agentes

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obreiros do método. Caracteriza a escola elementar a partir deste novo sistema, levando em conta o espaço físico, mobiliário, matérias, carga horária, materiais de ensino, agentes da ação educativa e procedimentos de ensino. Destaca a “revolução pedagógica” criada pelo método de ensino mútuo, por meio da ampliação de estabelecimentos de ensino noturno, feminino e para adultos; valorização dos professores; implementação de novas técnicas de ensino; mudança na relação professor-aluno, entre outras. Por último aponta as causas internas do desaparecimento da escola mútua, entre elas, os problemas relacionados à formação dos monitores. Em “A difusão do ensino mútuo em Portugal no começo do século XIX”, de Rogério Fernandes é feita uma abordagem que traz interessante perspectiva do ensino mútuo como componente da modernidade, difusor da disciplina, da ordem e do progresso, por meio de um método pedagógico rápido e econômico. O ensino mútuo constitui-se em Portugal inicialmente como uma rede escolar alternativa, tornando-se oficial após o ciclo de guerra civil de 1828 a 1834, tendo sua expansão alicerçada na implantação do método nas escolas militares, nas escolas destinadas à sociedade civil, na propaganda e na reflexão sobre o seu campo de aplicação. Na seqüência, em “El mejor de los métodos posibles; la introducción del método lancasteriano en Iberoamérica en el temprano siglo XIX”, Claudina López e Mariano Norodwski analisam as razões do interesse despertado em governantes de países da América latina pelo método de ensino mútuo, bem como os motivos do êxito de sua divulgação. Discutindo “O método Lancaster. Educação elementar ou adestramento? Uma proposta pedagógica para Portugal e Brasil no século XIX”, Ana Maria Moura Lins situa historicamente o método Lancaster ou de ensino mútuo introduzido no Brasil por meio da Carta de Lei de 15 de outubro de 1827 e analisa-o como sendo a possibilidade de “por em prática as idéias de Adam Smith, formuladas em A riqueza das nações”. Enfatiza que o método representa no século XIX uma proposta redentora para os setores da produção, que anseiam por um operário dócil, disciplinado e limitado em sua capacidade humana aos rudimentos da leitura, escrita e aritmética, além de oferecer vantagens econômicas de tempo, espaço, conteúdos e despesas. Finaliza apresentando o método

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Lancaster como orientação moderna, objetiva e segura para uma sociedade imersa num entranhado obscurantismo intelectual. Já em “O ensino mútuo no Brasil”, Maria Helena Camara Bastos centraliza a sua análise nas iniciativas de ensino mútuo ocorridas entre 1808 e 1827, período que antecede sua adoção oficial pelo governo. Tais experiências foram marcadamente influenciadas pela Societè pour l’Instruction Élementaire, responsável pela introdução do ensino mútuo na França e pela propagação de sociedades congêneres em vários países, por meio da revista pedagógica Journal d’Éducation. Sugere no final que se prossigam as pesquisas sobre a história da escola elementar e do ensino mútuo, apontando para vários temas a serem aprofundados. Os artigos “Abrindo um novo caminho: o ensino mútuo na escola publica do Rio de Janeiro (1823-1840)”, de Tereza Maria R. Fachada L. Cardoso; “O ensino mútuo em Minas Gerais (18231840)”, de Luciano Mendes de Faria Filho e Walquíria Miranda Rosa; “O ensino mútuo na província de São Paulo: primeiros apontamentos”, de Maria Lúcia Hilsdorf e “O ensino mútuo no Rio Grande do Sul”, de Jaime Giolo, comparecem nessa publicação como exemplares de pesquisas sobre a aplicação e repercussão do método de ensino mútuo nessas províncias. Levantam questões fundamentais sobre a escola elementar, no período pós proclamação da independência ao início dos anos 40, muitas vezes organizada sob a forma de ensino mútuo. Há que se destacar ainda, a contribuição desses artigos no que se refere à discussão sobre a profissão docente em nosso país. “O ensino mútuo na origem da primeira escola normal do Brasil”, de Heloísa Villela, e “A formação de professores para o ensino mútuo no Brasil: o Curso Normal para professores de primeiras letras do Barão de Gérando (1839)”, de Maria Helena Camara Bastos, discutem o tema da formação do professor para o ensino mútuo. Villela levanta questões sobre a opção dos quadros dirigentes por este método e aponta preponderantemente para razões políticas e ideológicas. Bastos analisa a obra do Barão de Gérando, o primeiro manual didático-pedagógico publicado no Brasil, adotado pela escola normal, e destaca o modelo ideal de professor projetado neste compêndio, que além de justificar a aplicação do método mútuo, institui uma prática dominante de saberes pedagógicos e sociais.

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Ao final, em “A matemática do ensino mútuo no Brasil”, Wagner Rodrigues Valente traça um panorama do ensino de matemática nas escolas de ensino mútuo durante o século XIX. Enfoca de maneira bastante rica aspectos da prática pedagógica, por meio do livro Casa grande e senzala de Gilberto Freire e do Compêndio de Arithmética composto para o uso das Escolas Primárias do Brasil de Cândido Baptista de Oliveira. Enfim, A escola elementar no século XIX é certamente um marco nos estudos sobre a história das práticas pedagógicas na escola elementar brasileira do século XIX. Vem, em boa hora, ao encontro da necessidade de investigar a circulação e apropriação das idéias e modelos educacionais no campo pedagógico. Claudia Panizzolo Batista da Silva Mestranda do programa de Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP

Nostalgia do mestre artesão autor cidade editora ano

Antonio Santoni Rugiu Campinas Autores Associados 1999

A idéia de artesanato que se projeta em nosso imaginário, hoje, está bastante distante das escuras e barulhentas oficinas da Idade Média. Os artesãos modernos reúnem-se em praças públicas, onde confeccionam e expõem seus trabalhos aos olhos de passantes curiosos de encontrar, ainda hoje, um trabalho que é – pasmem! – feito a mão. Para paladares mais sofisticados, existem também as lojas típicas para turistas, em grandes shoppings centers ou aeroportos, onde se podem adquirir peças artesanais e resgatar uma época em que o homem, dono do seu tempo e conhecedor de todo o processo de produção em seu ofício, podia reconhecer-se e ser reconhecido nos objetos que lhes saíam das hábeis mãos. Entretanto, ao nos afastarmos das praças e das prateleiras, percebemos que quase nada sabemos sobre o caráter e o significado histórico do

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artesanato e talvez poucos consigam ver que, nas peças artesanais, repousa, latente, o gérmen do fenômeno educativo. Antonio Santoni Rugiu insere-se neste seleto grupo, ao buscar nas origens do trabalho artesanal as raízes da história da pedagogia e da educação, trazendo à luz, em sua obra Nostalgia do mestre artesão, este aspecto ainda pouco conhecido, especialmente por nós, brasileiros, mas de extrema relevância para a compreensão do desenvolvimento histórico da educação, principalmente no que tange à sua essência: a importância formativa do artesanato – não somente na produção, mas na cultura e na educação. O professor italiano nos faz atentar para o fato de que o trabalho artesanal é uma tradição que se mantém graças à pedagogia do aprender fazendo, transmitida, de modo geral, de pai para filho ou de mestre para aprendiz ou, ainda, através de escolas organizadas e mantidas por cooperativas ou associações de artesãos. Nesse sentido, segundo o autor, o valor pedagógico das Corporações de Artes e Ofícios constituiu-se, tanto no plano ideológico quanto no plano concreto, em “uma revolução pedagógica tão sensível quanto pouco considerada pelos historiadores da cultura” (p. 49). Na tentativa de reverter esse quadro, o livro de Antonio Santoni Rugiu vai, num primeiro momento, percorrer os séculos atrás do que ele chama fio invisível – mas nem por isso menos perceptível – da formação artesanal que se manifesta em inovadores pedagógicos como Locke, Rousseau, Pestalozzi, Froebel e Dewey, entre outros. Aos olhos do autor, tais educadores seriam a um só tempo modernos e nostálgicos, pois apesar de suas posições implacáveis em relação aos modelos educativos do passado, era para lá que se voltavam quando pressentiam as transformações que se avizinhavam. Ao asseverarem, cada qual a seu modo, o primado pedagógico da experiência pessoal ativa, estariam, na verdade, ressuscitando o aprender fazendo — ideal pedagógico das Corporações. Assim, identificar a experiência artesanal como valor pedagógico “primário e quase insubstituível” (p. 12) seria uma maneira de recuperar a figura tradicional do mestre artesão, “emblema de um sistema formativo comprovado” (p. 13), que se irá desvanecendo à medida que o sistema fabril começa a ganhar força, eliminando gradualmente os “resíduos de vitalidade do associacionismo corporativo e, portanto, também de suas formas reprodutivas” (p. 129).

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Ao longo dos capítulos, Santoni Rugiu leva-nos a um passeio pelo interior das oficinas artesãs, durante o qual nos vai desvelando minuciosamente seu cotidiano: suas regras de funcionamento interno, com sua rígida hierarquia e disciplina, e a divisão do trabalho; a relação entre mestre e aprendiz – praticamente uma extensão da relação entre pai e filho – e os rituais iniciáticos que cercavam o conjunto do tirocínio artesão e o envolviam, como a um fazer secreto, numa aura de magia e mistério; e, ainda, as metodologias didático-pedagógicas lá empregadas. A partir de suas preciosas informações, entramos em contato com a pedagogia dessas oficinas, que se desenvolvia por meio de um longo exercício de observação e prática, de modo que a parte verbal – oral ou escrita – era praticamente inexistente. Da mesma forma eram quase inexistentes as fronteiras entre vida profissional e privada, uma vez que o aprendiz, muitas vezes hospedado na casa de seu mestre, via seu tempo livre tornar-se também tempo de aprender. Sua formação “não ocorria só na atividade de oficina, mas também no clima e nas experiências da comunidade doméstica” (p. 41) e, mesmo que a jornada de trabalho tomasse quase todo o dia, sempre restariam “espaços significativos na família hospedeira e nas relações com o ambiente externo” (p. 41), que propiciassem um aprendizado, mesmo que esse fosse uma experiência de socialização, não menos importante que o aprendizado técnico, frisa Santoni Rugiu. É a esta pedagogia, vale assinalar, que a nostalgia presente no título do livro se refere. Uma pedagogia cujo “aspecto da disciplina da personalidade e do adestramento para comportamentos determinados para os diferentes momentos da vida, prevalecia sobre o aprendizado intelectual e cognitivo” (p. 77). Ela não apenas capacitava os aprendizes para exercerem seu ofício, como também incutia neles uma formação moral e um senso de pertencer a um corpo social reconhecido – que não existirá mais nas manufaturas onde o trabalhador parcial, privado de sua formação, irá se tornando apenas um complemento das máquinas. Educar constituía-se numa ação cujo sentido era muito mais amplo do que o termo ainda viria a assumir. Entretanto, embora essa tenha sido, por muitos séculos, a maneira de formar as novas gerações que se dedicavam ao trabalho manual – mais uma contingência do que uma escolha, dado que o

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trabalho intelectual era direito concedido a uma minoria – ela foi sendo substituída pela noção oposta de que “a verdadeira educação e a verdadeira instrução são unicamente aquelas que se assimilam através do exercício e do aprendizado intelectual, estudando-se os livros e escutando-se a voz do mestre, nas carteiras das escolas ou da universidade, e não sujando as mãos” (Prefácio ao leitor de Língua Portuguesa) nas oficinas. Essa noção de cunho aristocrático, somada a outros fatores como o desenvolvimento do setor terciário e o crescimento desenfreado do consumo impulsionado pela indústria, contribuirá para que a atitude pedagógica do artesão vá se enfraquecendo, de modo que a cultura artesanal torne-se cada vez mais desvalorizada, culminando com o colapso das Corporações e suas formas reprodutivas no final do século XVIII. Entendemos que cada época tem uma idéia própria a respeito do que seja instrução, bem como a maneira mais apropriada de realizá-la e, por isso, seria esperado que novos tempos trouxessem necessidades outras, às quais os homens precisariam se adaptar: afinal novos ofícios impõem a criação de novos saberes e estimulam o surgimento de novas metodologias pedagógico-didáticas. Porém, as transformações que se impuseram terminaram por banir para as margens da história da educação a pedagogia artesã e a tradição do aprender fazendo, considerando-as artes menores. Esses novos tempos exigiam uma outra maneira de educar, cuja ideologia pautava-se, agora, por princípios que poderiam ser resumidos na máxima “tempo é dinheiro”, na economia de mercado, na valorização do indivíduo (em oposição ao coletivo), cujos dons naturais como iniciativa, vontade, criatividade, perspicácia, honestidade devem ser exaltados em detrimento daqueles adquiridos por meio do tirocínio artesão. É um prenúncio da hegemonia liberal que estava, então, se configurando. O fato de as Corporações de Artes e Ofícios terem encontrado seu ocaso, em nada diminui o valor formativo do artesanato e sua importância histórica, que vão, aliás, fortalecendo-se de modo incontestável à medida que avançamos na leitura. Tão inegável ele se revela na educação moderna que nos percebemos intrigados com algumas questões: por que o trabalho artesanal foi, durante tanto tempo, relegado a um segundo plano ou mesmo ao esquecimento, quando se pensa nas histórias da educação e da pedagogia? Por que

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razão essas histórias nunca abordaram o artesanato e sua eficácia formativa? A chave para se responder a essas questões, crê Santoni Rugiu, reside no fato de que essa historiografia ainda está submissa à tradicional e rançosa idéia de que a educação, para ser válida, deve ser formal e vir dos livros e do exercício puramente intelectual. Devemos lembrar que esse menosprezo que a pedagogia do aprender fazendo encontra junto ao saber oficial é quase tão antigo quanto sua própria prática e assenta-se sobre a distinção entre o “saber falar e raciocinar” e o “saber fazer”, habilidades eqüidistantes, intrinsecamente relacionadas ao tipo de homem que as detinha: o homem livre da necessidade de trabalhar com as mãos para viver e aquele que só a elas devia seu sustento, não podendo delas prescindir – circunstância que o colocava numa posição social claramente inferior. Resgatar o trabalho artesanal e seu valor de formação para o fenômeno educativo é revalorizar o homem, enxergá-lo como um todo. Num momento histórico tão avesso quanto o nosso à noção de totalidade e de coletividade, Santoni Rugiu, ao redimensionar a atividade artesã, dá um passo importante nessa direção. Dentre as tantas qualidades deste livro, é necessário apontar, ainda, a interessante introdução do Professor Dermeval Saviani, que contribui para enriquecer o conjunto da obra. Não posso me furtar, contudo, a uma ressalva em relação ao texto de Nostalgia do mestre artesão: o trabalho de revisão e editoração dos originais deixou muito a desejar, pois não raro o leitor é pego por erros ortográficos graves que, devido à sua insistência, acabam por incomodar. Uma obra dessa importância para a história da educação mereceria um maior cuidado, principalmente por se tratar de uma editora séria, cujos trabalhos vêm fomentando o cenário dos debates educacionais. Ana Elisa de Arruda Penteado Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UNICAMP

Notas de Leitura República e Formação de Cidadãos: a educação cívica nas escolas primárias da Primeira República portuguesa autor cidade editora ano

Joaquim Pintassilgo Lisboa Edições Colibri 1998

É uma obra que, além de estudar o período identificado no título, apresenta reflexões que se inscrevem na perspectiva dos estudos comparados, buscando compreender o que há de idêntico e de diferenciador nas preocupações com a formação de cidadãos e com a renovação pedagógica a ela associada em Portugal e na Espanha. Já nas primeiras linhas do texto introdutório, o autor explicita sua inquietação diante do quase desaparecimento de valores éticos e morais na sociedade atual, preocupação que muito o motivou para o desenvolvimento deste trabalho. Segundo Pintassilgo, esta preocupação tem estado presente em reformas de ensino em curso, ou já concluídas, em vários países que têm optado por uma formação moral e cívica que atravessa todo o currículo. Mas, na obra, o autor se concentra no resgate histórico. Fiel à sua formação de historiador, busca resgatar informações, com base em várias fontes, que lhe permitam responder à que ele chamou de questão central do trabalho: Como conciliou a República a vontade de formar os cidadãos necessários ao funcionamento duma democracia com as necessidades decorrentes da consolidação do novo regime? Dito de outro modo: a socialização política subjacente à educação cívica republicana não terá resvalado para formas de endoutrinação, implicando a imposição de um determinado sistema de valores? [p. 14].

Em termos de procedimentos metodológicos, o autor privilegiou a análise de conteúdo para analisar “[...] a legislação sobre o ensino primário produzida durante o período republicano, os manuais escolares de educação cívica, a imprensa pedagógica, as actas

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dos congressos sobre ensino e educação, bem como as obras de autores do pensamento pedagógico que, directa ou indirectamente, continham reflexões acerca da educação moral e cívica na escola primária” (p. 15), materiais estes que lhe serviram como fonte de pesquisa. O trabalho final, inicialmente elaborado para conclusão do curso de doutorado na Universidade de Salamanca – Espanha –, materializado em forma de livro, está organizado em duas partes, que se subdividem em capítulos. Na primeira parte, o autor privilegia um “enquadramento contextual” que situe o problema da educação cívica na escola republicana. Assim, no primeiro capítulo explora a questão da educação cívica no pensamento pedagógico internacional. Às idéias veiculadas por Auguste Comte, Herbert Spencer, Émile Durkheim, John Dewey, Georg Kerschensteiner e Adolphe Ferrière, o autor reservou este capítulo. No segundo capítulo, Pintassilgo caracteriza a primeira República Portuguesa. Da “utopia educativa do republicanismo”, o autor se ocupa no terceiro capítulo. A segunda parte do livro está dividida em seis capítulos, nos quais são analisadas questões relacionadas a Portugal e Espanha. No primeiro capítulo, “a laicização da escola primária” é amplamente analisada. As páginas que compõem o segundo capítulo são dedicadas à reflexão acerca da “socialização política dos cidadãos”. No terceiro capítulo, “a religiosidade cívica republicana” é contemplada a partir do “culto da Pátria na escola primária”; no quarto, a atenção recai sobre a “festa da árvore”. A análise entre a relação “preparação militar e educação cívica” ocupa as páginas do quinto capítulo. O capítulo final é dedicado à análise da relação entre escola nova e educação cívica e é nomeado pelo autor com o título “A nova pedagogia cívica”. Segundo suas palavras: a própria investigação veio mostrar, sem pôr obviamente em causa a dinâmica histórica, como são, por vezes, ilusórias as experiências de inovação pedagógica, ao permitir filiá-las directamente nos esforços e nos projectos de um passado mais ou menos distante. Nem tudo é novo nos actuais esforços a favor da implementação da educação moral e cívica nos currículos escolares e a admis-

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são deste facto, para além dos ensinamentos daí decorrentes, permitem-nos ter uma consciência mais aguda da inevitável relatividade dos factos sociais e educativos [p. 13].

Vera Lucia Gaspar da Silva Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da USP

Tempos de Escola: fontes para a presença feminina na Educação – São Paulo – Século XIX autora cidade editora ano

Maria Lúcia S. Hilsdorf São Paulo Feusp/Plêiade 1999

Os pesquisadores empenhados em reverter a imagem, até há pouco tempo bastante divulgada, de que a História da Educação brasileira durante o século XIX foi um período marcado por poucas iniciativas em termos de empreendimentos educacionais, sobretudo quanto à educação das mulheres, foram contemplados com esta cuidadosa publicação de Maria Lúcia Spedo Hilsdorf sobre a presença feminina na educação paulista dos oitocentos. A iniciativa de trazer a público de forma sistematizada os dados coletados ao longo de vários anos de pesquisa em diversos acervos arquivísticos e bibliográficos indica a preocupação da professora Maria Lúcia em expandir os horizontes da História da Educação brasileira para além do interesse dos pesquisadores dessa área. Sua postura acadêmica tem sido a de divulgar constantemente suas pesquisas e reflexões, buscando oferecer um conjunto de obras de referência que seja subsidiário ao trabalho de futuros pesquisadores, bem como a de valorizar e divulgar as iniciativas empreendidas nesse sentido por outros professores. Em sua nota introdutória a pesquisadora ressalta que “ainda é incipiente entre nós a prática historiográfica de organização de instrumentos de trabalho que, descrevendo acervos e documentos, auxiliem os pesquisadores a ter acesso mais fácil e rápido ao material de que necessitam” (p. 8). Com a preocupação em provocar reflexão, seja em seu aluno

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ou em seu leitor, sobre a conscientização do papel desempenhado pelo educador na sociedade brasileira, a professora Maria Lúcia não esquece de ressaltar que os problemas enfrentados hoje pelo professor/pesquisador são conseqüência da ausência de uma política pública de preservação do nosso patrimônio cultural, sobretudo de nossa memória educacional. Nesse sentido, esse Tempos de escola apresenta-se como uma obra de referência que pretende preservar essa massa documental bastante variada localizada em diversos acervos paulistas, divulgando as informações referentes à educação feminina na segunda metade do século XIX, por meio de um acesso fácil e rápido para pesquisadores e demais leitores com interesse nesse tema. Ao agrupar e reorganizar os dados de forma coerente em uma única obra, a professora/pesquisadora oferece ao leitor a oportunidade de acompanhar, dentre outras possibilidades, a trajetória profissional de uma professora, aluna ou diretora, ou de um determinado estabelecimento de ensino, como também permite verificar o processo de crescimento das diversas vilas e cidades da Província/Estado de São Paulo, destacando a quantidade de escolas e o número de cadeiras criadas e providas nessas localidades. Com o propósito de oferecer uma documentação básica sobre a educação feminina em São Paulo, a partir de meados do século XIX, a professora Maria Lúcia vem desenvolvendo e organizando, desde 1993, junto ao Centro de Memória da Educação da FEUSP, um projeto (financiado pela FINEP) envolvendo várias outras pesquisadoras da mesma Faculdade, intitulado “Impressos, leituras e instituições escolares no Brasil”, que já conseguiu apresentar como produto “a revisão, o levantamento, a transcrição e a organização de todo e qualquer material referente à presença feminina na educação escolar (e não escolar) paulista, no século XIX, localizado em 312 títulos de jornais, almanaques, anuários, revistas e outras publicações culturais e de variedade da época” (p. 8). Nesse volume de Tempos de escola foi reunida apenas uma parte do conjunto de dados coletados ao longo desses anos. Constam desse volume somente as informações encontradas em almanaques, anuários e jornais avulsos de diversos municípios paulistas, pertencentes aos acervos do Arquivo do Estado de São Paulo e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). Em função da riqueza dos dados transcritos, este volume foi subdividido em

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duas partes: I) Alunas, Colégios, Diretoras, Escolas, Professoras(es); II) Autores de Livros Didáticos, Livros e Suportes Materiais. Nessa publicação de Tempos de escola, ficaram ausentes os dados coletados a partir do levantamento feito em jornais da chamada grande imprensa, que constam da Hemeroteca do Arquivo do Estado. Isso nos leva a crer que os esforços da pesquisadora caminharão no sentido de, nos próximos anos, publicar outros volumes que completem essa interessante série sobre fontes do século XIX. Os dados coletados nos grandes periódicos paulistas merecem ainda ser divulgados, pois permitem que se acompanhe mais facilmente o processo de escolarização feminina, como também auxiliam na compreensão da trajetória pessoal e ou profissional de algumas das professoras que atuaram em São Paulo na segunda metade do século XIX. Por enquanto, cabe a nós apenas esperar e torcer para que esse empreendimento encabeçado por Maria Lúcia Hilsdorf se concretize o mais breve possível. Márcia H. Dias Mestranda em História da Educação da Faculdade de Educação – USP

Orientação aos Colaboradores A Revista Brasileira de História da Educação publica artigos, resenhas e notas de leitura inéditos no Brasil, relacionados à história e historiografia da educação, de autores brasileiros ou estrangeiros, escritos em português ou espanhol, reservando-se o direito de encomendar trabalhos e compor dossiês. Os artigos devem apresentar resultados de trabalhos de investigação e/ou de reflexão teóricometodológica. As resenhas devem discorrer sobre o conteúdo da obra e efetuar um estudo crítico, podendo versar sobre textos recentes ou já reconhecidos academicamente. As notas de leituras devem trazer uma notícia de publicação recente. Seleção dos trabalhos Os artigos são submetidos a dois pareceristas ad hoc, sendo necessária a aprovação por parte de ambos. No caso de divergência dos pareceres, o texto será encaminhado a um terceiro parecerista. A primeira página deve trazer o título da matéria, sem indicar nome e inserção institucional do autor. Deve conter também o resumo em português ou espanhol e o resumo em inglês (abstract), com extensão máxima de 7 linhas, e cinco palavras-chaves em português ou espanhol e em inglês. Em folha avulsa, o autor deve informar o título completo do artigo, seu nome, titulação e instituição a que está vinculado, projetos de pesquisa dos quais participa, endereço, telefone e e-mail. As resenhas e notas de leitura são avaliadas no âmbito da Comissão Editorial. Normas Gerais para aceitação de trabalhos Os originais devem ser encaminhados em duas vias impressas e uma cópia em disquete, observando-se o formato: 3 cm de margem superior, inferior e esquerda e 2 cm de margem direita; espaço entre linhas de 1,5; fonte Times New Roman no corpo 12. Os trabalhos remetidos devem seguir a seguinte padronização: Extensão mínima e máxima, respectivamente: • Artigos – de 30.000 caracteres a 60.000 caracteres (aproximadamente de 15 a 30 páginas);

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• Resenhas – de 8.000 caracteres a 15.000 caracteres (aproximadamente de 4 a 8 páginas); • Notas de leitura – de 2.000 caracteres a 4.000 caracteres (aproximadamente de 1 a 2 páginas). As indicações bibliográficas, dentro do texto, devem vir no formato sobrenome do autor, data de publicação e número da página entre parênteses, como, por exemplo (Azevedo, 1946, p. 11). As referências no final do texto devem seguir as normas da ABNT NBR 6023:2000. Notas de rodapé, em numeração consecutiva, devem ter caráter explicativo. A Comissão Editorial não aceitará originais apresentados com outras configurações. A revista não devolve os originais submetidos à apreciação. Os direitos autorais referentes aos trabalhos publicados ficam cedidos por um ano à Revista Brasileira de História da Educação. Serão fornecidos gratuitamente aos autores de cada artigo cinco exemplares do número da revista em que seu texto foi publicado. Para as resenhas e notas de leitura publicadas, cada autor receberá dois exemplares. Os originais devem ser encaminhados à Comissão Editorial, com sede no Centro de Memória da Educação-FEUSP, Av. da Universidade, 308, Bloco B, terceira fase, sala 40, São Paulo-SP, CEP 05508-900. Informações adicionais podem ser obtidas no e-mail [email protected] ou no telefone (0xx11) 3818.3194, das 13h às 18h.

Contents

REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO (HISTORY OF EDUCATION BRAZILIAN MAGAZINE) January/June, 2001, Number 01

EDITORIAL

7

ARTICLES The School Culture as a Historical Object Dominique Julia Nowhere Notes: About the Beginning of the Modern Scholarization David Hamilton The Europe Conception in the Fascist Period: Analysis of a Pedagogical History Book Giovanni Genovesi The Historical Education of Desire Agustín Escolano Benito

9

45

75

97

For a Material Bibliography of the Ordinary Writing: the School Notebook Graphical Space (France – 19th and 20th Centuries) Jean Hébrard

115

The Concept of “Spiritual Emancipatión” in the Debate about Hispano-American Education in the First Half of the 19th Century Gabriela Ossenbach Sauter

143

Times of School in the Portugal-Brazil-Mozambique Area: Ten Digressions about an Investigation Program António Nóvoa

161

The Argentinian History of Education and Teaching Formation: Institutional Demanding and Editions Adrián Ascolani

187

REVIEWS A ESCOLA ELEMENTAR NO SÉCULO XIX. O MÉTODO MONITORIAL/MÚTUO [THE ELEMENTAL SCHOOL IN THE 19 CENTURE], TH

Maria Helena C. Bastos and Luciano Mendes de Faria Filho (dirs.)

211

Claudia Panizzolo Batista da Silva NOSTALGIA DO MESTRE ARTESÃO [THE CRAFTSMAN MASTER NOSTALGIA], 214

Antonio Santoni Rugiu

Ana Elisa de Arruda Penteado

READING NOTES REPÚBLICA E FORMAÇÃO DE CIDADÃOS: A EDUCAÇÃO CÍVICA NAS ESCOLAS PRIMÁRIAS DA PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA [REPUBLIC AND CITIZENS FORMATION: THE CIVIC EDUCATION IN ELEMENTARY SCHOOL FROM THE FIRST PORTUGUESE REPUBLIC], 219

Joaquim Pintassilgo

Vera Lúcia Gaspar da Silva TEMPOS DE ESCOLA: FONTES PARA A PRESENÇA FEMININA NA EDUCAÇÃO – SÃO PAULO – SÉCULO XIX [TIMES OF SCHOOL: SOURCES FOR THE FEMALE PRESENCE IN EDUCATION – SÃO PAULO, 19 CENTURY], TH

Maria Lúcia Spedo Hilsdorf

Márcia H. Dias

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